domingo, 21 de outubro de 2012

México: Entrevista com Pável Blanco Cabrera



Entrevista com Pável Blanco Cabrera

“A Batalha das Ideias”

Dick e Mirian Emanuelsson*
21.Out.12 :: Outros autores

Nesta entrevista com o actual director da ANNCOL, Pável Blanco, secretário-geral do Partido Comunista do México diz: «Procurar manter um discurso de classe é afastarmo-nos do discurso populista, do discurso simpático, que cai bem. Defendemos a posição marxista-leninista, mesmo que esta seja incómoda e ainda que, por vezes, fiquemos em minoria.»


Aproveitando o Encontro de Partidos Comunistas e outras organizações em luta permanente em S. Paulo, Brasil, entrevistámos Pável Blanco Cabrera, Secretário-Geral do Partido Comunista do México.

Dick Emanuelson (DE): - Em breves palavras, fale-nos da história do Partido Comunista do México (PCM), do seu papel ao longo da história do México…
Pável Blanco Cabrera (PBC): -
O PCM foi fundado em 1919 como secção mexicana da Internacional Comunista. Foi o primeiro partido político do México, o segundo partido comunista da América Latina, depois da secção fundada na Argentina e, temos a honra de dizê-lo, sempre fomos um partido de luta, que organiza os sectores em luta, sindicatos, os trabalhadores, os mineiros, e temos estes sindicatos foram formados pelo melhor do México: os trabalhadores da cultura.
Por exemplo, o principal sindicato mineiro foi fundado pelo camarada David Alfaro Siqueiros, dirigente da Central Sindical Unitária do México – CSUT – e nas nossas fileiras militaram Mella, Diego Rivera, isto é, sempre houve uma interpenetração entre o trabalho e a cultura na luta pela construção do PCM que, como qualquer outra organização de luta, trouxe grandes contributos. Mas também cometemos erros. Digo cometemos porque nós assumimos totalmente a história do nosso partido e do nosso movimento.
Auto-dissolução e reorganização do PCM
O nosso maior erro foi nos anos 80, quando o partido decidiu liquidar-se. De 1981 a 1994 o partido não existiu no nosso país e, a 20 de Novembro de 1994, apelou-se à reorganização do partido. E fez-se num momento de desideologização, sob a primeira necessidade de fazer uma forte crítica do capitalismo, ao fim da História. Quando predominavam as ideias de Fukuyama e a desesperança, dissemos: há que fazer uma crítica profunda do capitalismo e uma autocrítica dos processos de construção socialista, do que se chamava socialismo real, assumindo a necessidade de continuar a sua construção. Defendendo a construção socialista do século XX, fizemos uma crítica à chamada ideia da Revolução Mexicana, que foi uma dos motores para que o movimento operário perdesse a sua independência de classe.
Então, desde 20 de Novembro de 1994 que estamos neste processo de reorganização, nascemos sob o nome de Partido dos Comunistas dos Mexicanos, e no nosso IV Congresso, em 2010, recuperámos o nome de Partido Comunista do México. Recuperámos também toda a história de luta dos comunistas do nosso país.
A «institucionalização do Fórum de S. Paulo
DE: - Como se podem resumir as linhas orientadoras deste Fórum? Podem ver-se alguns objectivos estratégicos nas discussões, nos documentos apresentados no Fórum ou será que há um pouco a sensação que a direita se reagrupou na América Latina e que as forças progressistas e de esquerda ou as suas correntes mais consequentes estão em retrocesso?
PCB: -
Pensamos que não há apenas uma só definição. A definição de esquerda, hoje, é insuficiente porque o seu conceito tem implicações perversas, de frouxidão, pelo menos no continente latino-americano. Isto é, se por esquerda dizemos aqueles que apenas se opõem ao neoliberalismo, então teríamos aí as forças que apostam na gestão keynesiana do capitalismo. E vemos que há determinados processos políticos que chegaram ao governo e dizem apoiar a esquerda, mas têm práticas próprias do capitalismo, políticas repressivas.
Por exemplo, temos muitas dúvidas em classificar como de esquerda a prática de Rafael Correa. Inclusive teríamos muito cuidado em chamar de esquerda àqueles que promovem a intervenção no Haiti. Ou a quem promove os transgénicos, ou a quem se compromete com o imperialismo nos biocombustíveis, ou a quem devasta a selva amazónica. Pensamos que esses não são de esquerda, no entanto, no nosso continente têm Bilhete de Identidade que diz que eles poderão ser de esquerda.
Apoiamos muito mais a ideia que a noção de esquerda tem de ter um conteúdo anticapitalista, que tem de lutar pelo poder popular, pela expropriação dos monopólios e por regulações sobre o capital internacional.
O Fórum de S. Paulo quando nasce em 1990 nasce numa realidade muito diferente da de hoje, estávamos num período de refluxo de contra-revolução na União Soviética e outros países, com todo o drama que isso significou, que os escombros do Muro de Berlim não sufocaram só os comunistas.
Os críticos do comunismo, por exemplo os trotskistas, diziam que no dia em que fosse derrubada a burocracia soviética emergiria uma democracia socialista. Mas naquele processo também os trotskistas foram derrotados. A derrota foi de toda a esquerda, por isso, quando o Partido Comunista Cubano e o Partido dos Trabalhadores do Brasil concordaram em lançar o Fórum de S. Paulo pareceu-nos uma iniciativa muito positiva.
Hoje o contexto mudou, e neste novo contexto emergiu o processo Bolivariano na Venezuela, que irradia para o Equador e a Bolívia, e até irradia mais além. Surgiu o Exército Zapatista de Libertação Nacional – EZLN.
Há uma esquerda social e política que não está expressa no Fórum de S. Paulo, já que ali predomina, sobretudo, a institucionalidade. Nós pensamos que é um aspecto importante, mas não é o único.
O exemplo da Marcha Patriótica
DE: - Acreditas que se esquecem dos movimentos sociais e de outras forças?
PBC: -
Claro, é um espaço que não rivaliza, mas é um outro espaço. Olhe o Movimento Continental Bolivariano, onde nós, como partido comunista, participamos no Fórum e no Movimento, porque pensamos que ali se estão a expressar outras forças. Inclusive, agora temos essa coisa tão maravilhosa que é o Movimento da Marcha Patriótica na Colômbia. Que está a tentar expressar-se no Fórum, que é uma outra categoria de esquerda que não está ali presente e que não pode conter-se numa camisa-de-força.
O Fórum de S. Paulo tem o desafio de não se contentar com a institucionalidade, de não se contentar com as experiências governamentais, porque ter o governo não é ter o poder. E finalmente, a experiência também demonstra, como dizem os companheiros do EZLN, quando não há uma política de transformação vão buscar coisas aos de cima e acabam por ficar por aí. Assim, a esquerda de classe, os de baixo, não estão lá representados.
DE: - A insurreição também está ausente.
PBC: -
A insurreição…, falemos do caso concreto da Colômbia e dos camaradas das FARC que foram fundadores do Fórum de S. Paulo, e do debate inconsequente que houve dentro do Fórum e acabou por excluir algumas formas de luta. E a insurreição colombiana tem vários méritos, não é só o de resistir à oligarquia, contra a repressão, defendendo o projecto político bolivariano e uma paz com justiça social.
Tem além disso o mérito de ser uma força que com a sua acção e a sua presença evitou que a ALCA se impusesse, o que teria sido uma desgraça para o continente. Nós, mexicanos, temos desde 1994 a experiência do TLC ou NAFTA, como eles lhe chamam. Foi uma experiência de depreciação da indústria, do nível de vida do povo mexicano. Sabemos bem quanto o TLC teria sido nefasto para o continente. Uma das forças que contribuíram para evitar a ALCA foi Cuba, outra foi a Venezuela e a outra, que ninguém quer nomear mas nós fazemo-lo, foram as FARC.
A expulsão das guerrilhas Latino-americanas
DE: - Por que é que as FARC têm de estar ausentes do Fórum, segundo os critérios inexactos de algumas forças? E depois de 50 anos de existência, tal como o ELN?
PBC: -
50 anos de luta, de resistência, e como estas há outras forças no continente. Nós dizemos que a insurreição é um direito dos nossos povos a que não se pode renunciar, e pelo qual foram incentivados á luta armada os próceres dos nossos povos. Porque Hidalgo, Juarez, Morellos no México foram obrigados à luta armada contra o colonialismo, contra a intervenção imperialista, contra a intervenção francesa. Então, a resistência foi com pedras, machetes, espingardas, arcabuzes, canhões e guerra de guerrilha.
O que é que Morellos teria feito por todo o México contra o colonialismo espanhol se não fosse a guerra de guerrilha? Então não venham para nós com a estória de que a insurreição está associada ao terrorismo.
Esse é o discurso que nos tentam vender a partir da Casa Branca depois do 11 de Setembro, ou depois da montagem como nós dizemos, que acaba por domesticar alguma esquerda. Hoje, nós classificamo-nos como uma força revolucionária, de classe, e pensamos que a esquerda é luta pela transformação deste modo de produção, baseado na propriedade privada e na apropriação por uns quantos da riqueza socialmente produzida.
Por isso não admitimos que a esquerda se circunscreva a acções governamentais, que mais não são que a outra face do capitalismo.
A ausência de debate sobre a crise capitalista
DE: - Quer dizer, a meta histórica do partido comunista, o socialismo, não se discute neste Fórum?
PBC: -
Não, não discute. Neste momento de afundamento do capitalismo não se está a discutir. Há para aí uma teorização de que a crise que arrancou com a crise dos créditos é uma crise diferente. Ou que já foi superada. De acordo com a análise marxista estamos a viver uma crise estrutural do capitalismo, de sobre-acumulação e sobreprodução que para nós, tal como a analisamos, não é uma crise que vá superar-se, bem pelo contrário, a UE está a cair. Tal como tudo o que foi para o capitalismo os anos 90, a união do mercado livre, a união monetária, o capitalismo. A crise iniciada com os créditos, hoje não está superada. Temos uma resposta da classe trabalhadora na Europa, sobretudo na Grécia, com o proletariado e os movimentos, é uma luta que está activa. Nós pensamos que face ao capitalismo é uma luta por uma alternativa. Como é que é possível que no Fórum não se faça essa discussão?
DE: - Os marxistas, os economistas marxistas que já desde 2009 não fazem uma conferência internacional de economistas na cidade de Havana…
PBC: -
Mas há outros espaços, por exemplo o diálogo internacional dos partidos comunistas e operários. Este ano vamos reunir-nos, tal como fazemos há alguns anos, como no encontro na Índia, depois em S. Paulo ou na Grécia, a discussão tem sido isso, «crise, revolução, alternativa», pelo menos para os partidos comunistas isso está claro. Apesar de todas as dificuldades pensamos que há que fazer um esforço pela convergência, pela unidade e o significativo que é o Fórum ir reunir em Caracas. Pois já se sabe que é preciso incentivar a solidariedade com o processo político bolivariano.
Neste momento a liderança apoia-se no companheiro Hugo Chávez e há que apoiar isso, há que ter um olhar crítico e ser autocrítico dos processos. Sabemos que não há processos perfeitos e que, não tendo que ser complacentes, há que cerrar fileiras.
DE: - Falemos agora do México. Já passaram quatro dias depois das eleições em que Lopez Obrador perdeu novamente. Nas eleições de 2006 o ELZN recomendava a abstenção, qual foi o papel do PCM e da esquerda de uma maneira geral sobre a candidatura de Lopez Obrador?
PBC: -
Um esclarecimento prévio: em 2005 o EZLN lançou a «Sexta Declaração da Selva Lacandona», um movimento alternativo a esta esquerda dos de cima. Porque no México, alguns identificam Lopez Obrador como de esquerda, mas nós sabemos que ele representa os interesses monopolistas de Carlos Slim e da burguesia de Monterrey. Representa interesses do grande capital, não representa os interesses dos trabalhadores, apesar do discurso populista em defensa de políticas assistencialistas. Então, o ELZN disse que essa esquerda, a dos de cima, não representava os interesses dos trabalhadores, nem dos camponeses, nem das mulheres, nem do movimento indígena, nem do movimento lésbico-gay, nem dos trabalhadores subalternos, nem dos emigrantes, isto é, não representava a classe dos oprimidos e explorados.
A esquerda e López Obrador
Havia que construir outra geografia política, para os de baixo e à esquerda. A nossa posição foi de crítica ao que se passava, a Obrador, a Calderón e a Madrazo que era o candidato do PRI. E o que colocava a Outra Campanha, que foi a forma que tomou a iniciativa do EZLN, era promover a convergência de toda a esquerda revolucionária sob a consigna: votes ou não votes, organiza-te e luta.
Nós partimos da ideia de que temos de procurar protagonismo social porque nenhuma saída virá de cima. Como dizia Marx: a emancipação dos trabalhadores terá de ser obra dos trabalhadores. O que o povo organizado não fizer, ninguém o fará por ele. Nestas circunstâncias o que veio a seguir foi uma grande repressão sobre o povo em Atenco, sobre as comunidades zapatistas e não foi possível construir uma convergência da esquerda anticapitalista face a este processo. O PCM declarou na sua Conferência Nacional que não nos revíamos no apoio a Obrador nem a Peña Nieto e, naturalmente, muito menos ao PAN.
Lançámos uma consigna que dizia que não havia que apoiar nenhum dos candidatos e que o que havia que fazer era questionar a legitimidade dessa falsa democracia burguesa, que na realidade apenas representa o poder dos monopólios. Iniciámos uma campanha nesse sentido e confirmaram-se os piores prognósticos, tal como nós previmos, o PRI ganhou por uma única razão, porque têm mais monopólios a seu favor.
Isto é, Slim, a burguesia de Monterrey apoiaram Obrador, mas Peña Nieto tinha o apoio da Televisa, da Telefónica MoviStar, para citar apenas o sector das comunicações. A disputa era ver quem ganhava o favor de mais monopólios, e ela foi ganha pelo PRI, foi aí que se definiu a eleição. Não importa que as massas, ingenuamente, tenha depositado esperanças em Obrador, porque no México quem decide são os monopólios.
«Construir uma alternativa de poder popular»
DE: - Qual será a factura que os monopólios vão apresentar ao candidato vitorioso?
PBC: -
A privatização da PEMEX (Petróleos do México, empresa pública), da energia eléctrica, para entregar às multinacionais como a União Fenosa (espanhola), a luta pelo monopólio da telefonia celular, manutenção do monopólio das frequências televisivas, reforma das leis laborais para desvalorizar o trabalho, diminuição dos direitos sindicais e laborais, e repressão sobre algumas organizações.
DE: - E como será a resposta popular?
PBC: -
Organizar-se para construir uma alternativa de poder popular e não esperar pelas eleições daqui a 6 anos. Temos que sair às ruas, aprender com a história do povo do México, mas aprender também com o que aconteceu na Bolívia, no Equador, independentemente das críticas que temos sobre o que fez Rafael Correa ou o que tenham feito outras forças. A verdade é que houve um movimento social capaz de romper com a institucionalidade e com o esquema da burguesia de que a política só se faz dentro dos limites da institucionalidade burguesa, a partir de um acto eleitoral. A política tem que exercer-se todos os dias. A nossa maior preocupação é com a internacionalização do terrorismo de Estado. Por exemplo, Peña Nieto nomeou como assessor de segurança alguém que deixou uma esteira de sangue e terror na Colômbia, que é o general Oscar Naranjo, participante numa reunião com Vicente Fox e Álvaro Uribe onde se indicou o PCM como um alvo, porque sabem que somos uma força que não podem controlar. Apesar de ser uma pequena força não compreendemos por que razão o general Naranjo exerce tanta violência sobre nós.
Pensamos que temos de conseguir que o PC seja uma força com o direito que tem de se expressar, pública e legalmente, e o direito de existir. Se ninguém conseguiu recusar-nos o direito de existência, nem sequer a contra-revolução, nem quando Gorbatchov recomendou que os partidos comunistas se transformassem em forças social-democratas nos liquidaram, não o vai ser um general que além de atolado em corrupção é o responsável do paramilitarismo.
A combinação de todas as formas de luta
DE: - Vemos, praticamente todos os dias, que há grandes movimentos sociais e de massas em curso, no México, e também, que há sectores de jovens que se organizam mais forte e mais resolutamente. Um exemplo é o movimento YO SOY 132. Que expressão tem e de onde vem? porque também tem rapazes da universidade privada questionando o monopólio dos meios de comunicação de Carlos Slim.
PBC: -
Nós vemos isso como muito positivo, porque socialmente expressa que é um produto da crise, isto é, a pequena burguesia que resiste aos efeitos do processo de proletarização e pauperização, porque a crise do capitalismo tira-lhes um determinado status de vida e eles compreendem a necessidade que, de alguma maneira, têm de entrar na luta contra os grandes interesses monopolistas. É sadio que apresentem a determinação de rebentar com o monopólio da Televisa, tal como a Televisão Azteca, democratizar os media.
Consideramos que isso nunca irá suceder em capitalismo, que só num quadro de poder popular haverá possibilidade de novas cadeias de comunicação. Por agora no México fala-se muito de um terceiro canal, mas quem é que vai fazer uma televisão alternativa que possa servir a comunidade? ou será o monopólio de Carlos Slim que vai fazer uma nova cadeia?
Apesar de tudo vemos como muito positivo que se tenha iniciado a discussão do tema dos meios de comunicação. Porque isto é o aparelho ideológico do Estado para manter o controlo das massas, é a velha ideia expressa por Karl Marx, a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante, e hoje vemos que os meios de comunicação são a sua coluna vertebral. É muito positivo este debate porque permite que surjam os canais alternativos, que exista possibilidade de canais cooperativos, das ONGs, das organizações da sociedade civil. É isso que estamos a colocar.
Também participamos da luta dos trabalhadores do magistério em Oaxaca, em Guerrero, em Chiapas e aí vemos que há uma grande disposição para a luta, pelo que temos o problema de construir uma frente, mas uma frente que terá de ser uma verdadeira frente que não possa ser subordinada á política da burguesia, mas que seja uma verdadeira frente popular com autonomia de classe e com as suas próprias bandeiras.
México e Estados Unidos
DE: - Falemos agora sobre os Estados Unidos do México. Todas as notícias dos grandes media não chegam ao fundo do que mencionaste. Não falam das grandes manifestações de luta, falam do narcotráfico. O Plano Mérida, a Iniciativa México, o Puebla Panamá. Como perspectivas as coisas com um governo PRI, que imagino não será muito diferente do PAN, porque estes dois partidos têm a mesma dependência dos EUA, e a pressão que este país exerce sobre um país enorme, com 105 milhões de habitantes e também com uma posição estratégica para os Estados Unidos na América Latina.
PBC: -
O PRI, há que dizê-lo, nos seus 70 anos adquiriu uma grande experiência. Nós pensamos que não é o mesmo PRI de então. Se assim fosse não tínhamos onde colocar os seis anos de administração, de 1934 a 1940, do general Lázaro Cárdenas, que sendo um governo burguês teve uma atitude positiva sobre a guerra civil, expropriou o petróleo, repartiu terras. É difícil um discurso a preto e branco. O PRI tem uma estratégia que lhe permite fazer flores na política externa, ele foi o único que não rompeu relações com Cuba…
Pensamos que vai regressar a essa política externa camaleónica, um governo que pode tomar determinadas atitudes na política exterior e uma dura repressão para o povo do México. Agora mesmo, Peña Nieto está a recuperar o discurso da autodeterminação, que dizemos bom, progressista para os povos, mas que sabemos ser demagógico.
Nós pensamos que, enquanto não rompermos com o TLC, a possibilidade de o povo do México ter um bom nível de vida é praticamente impossível. Não vão romper com o TLC, só o povo organizado e com uma forte organização o fará.
O narcotráfico
DE: - Até onde chegam os tentáculos do narcotráfico? Chegam à cúpula política?
PBC: -
Talvez se devesse antes perguntar onde é que não chegam os seus tentáculos, nós falamos do cartel de Los Pinos, que é onde despacha o Presidente da República. As instituições governamentais estão envolvidas com o narcotráfico. Toda a gente o sabe, está documentado [Ver “O narcotráfico: o aumento da violência no México”, http://www.odiario.info/?p=1909].
DE: - Fala-se que as armas são trazidas pelos narcotraficantes dos EUA, incluso que a DEA esteve metida numa operação de armas…
PBC: -
Na operação Rápido e Furioso o que é que fez Obama? Por que razão quis que isso fosse segredo de Estado? Também há um envolvimento dos órgãos de segurança dos EUA com a circulação e distribuição de droga. Não pode haver uma política moral do grande capital de investigação da droga quando são eles próprios a promovê-la. Consideramos que à volta de tudo isto há uma grande demagogia, tanto o PRI como o PAN estão envolvidos com os cartéis da droga.
A teoria de Lenine do Imperialismo e os monopólios
Só queria acrescentar uma coisa mais sobre o assunto EUA: nós vemos a questão do imperialismo como a colocava Lenine. O capitalismo da época dos monopólios, e estes mesmos, não têm nacionalidade. Dou-lhe um exemplo: há uma companhia semi-industrial mineira no México, onde se verificou o crime de Pasta de Conchas, no qual morreram mais de 40 mineiros. A Industrial Mineira do México explora trabalhadores no Peru numa mineração a céu aberto. Mas explora também mineiros em Arizona. Os monopólios não são norte-americanos, também há monopólios mexicanos.
A nossa posição não é cair no discurso fácil de que os gringos são os responsáveis. Sim, na Casa Branca estão os principais criminosos deste continente, mas os monopólios também são mexicanos. Dou-lhe outro exemplo: havia um monopólio que espoliava os proprietários venezuelanos, chama-se CEMEX, não é preciso o monopólio ser norte-americano para ter uma política imperialista.
Chamamos muito a atenção para esse discurso fácil, há que ter uma política anti-monopolista, não há imperialismo bom ou imperialismo mau; há umas ONGs, sobretudo ligadas à social-democracia, que vêm com o discurso de que se ligássemos os nossos povos à UE talvez a espoliação tivesse um rosto mais amável para nós. Nós pensamos que a UE, os EUA, os monopólios baseiam-se na exploração, tal como os monopólios mexicanos.
Carlos Slim, com América Móvil, toda a espoliação sobre as telecomunicações da América Latina não é um capitalismo menos mau que o norte-americano. Por isso falamos de um anti-imperialismo consequente e não caímos num anti norte-americanismo primário. Contudo, sabemos que os EUA, em 1897, despojou o México de mais de metade do seu território. Há um grande ressentimento contra o governo norte-americano. Mas temos de construir uma rede de solidariedade com os trabalhadores norte-americanos que é um grande povo, um povo que luta. Povo que teve grandes homens, como Malcom X.
Contra a corrente
DE: - Que poderia fazer este Fórum com uma mais intensa luta de classes neste continente?
PBC: -
Por isso nós dizemos que somos um partido comunista incómodo, porque sempre procuramos um critério de classe. Se nos perguntam qualquer coisa, por exemplo sobre a China, dizemos que aí há um capitalismo na produção, não caímos no discurso de que aí há socialismo. Procurar manter um discurso de classe é afastarmo-nos do discurso populista, do discurso simpático, que cai bem. Defendemos a posição marxista-leninista, mesmo que esta seja incómoda e ainda que, por vezes, fiquemos em minoria. Lenine ensinou-nos que, por vezes, há que nadar contra a corrente e, tal como Lenine e Rosa Luxemburgo, não temos receio de o fazer.
Simultaneamente combatemos o sectarismo, não queremos ficar isolados, entendemos que a revolução não é questão de uma vanguarda, mas têm de ser as classes e as massas a participar nela. Por enquanto somos uma pequena organização mas colocamos frontalmente os nossos objectivos.
Até agora, o Fórum de S. Paulo está limitado a um espaço de encontros, enquanto não puder discutir-se a partir de uma perspectiva de classe e anticapitalista o Fórum continuará limitado a um espaço de intercâmbio diplomático. Esta é a realidade.
Esta entrevista foi publicada em:
http://anncol.eu/index.php/el-mundo/latinoamerica/mexiko/248-mexico-archivo/321-la-batalla-de-las-ideas-entrevista-con-pavel-blanco-cabrera-secretario-general-del-partido-comunista-de-mexico
* Dick Emanuelson é um jornalista sueco há vários anos correspondente de alguns jornais nórdicos para a América Latina; presentemente assumiu também, temporariamente, a direcção da ANNCOL. Mirian Emanuelson é jornalista.
Tradução de José Paulo Gascão
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