sábado, 20 de outubro de 2012

França «moderniza» discurso neocolonial*

 





Carlos Lopes Pereira

20.Out.12 :: Colaboradores

Carlos Lopes PereiraO “socialista” François Hollande vai garantindo a continuidade de políticas em relação aos seus antecessores. Em alguns casos sem mudar o discurso, como sucede com o prosseguimento das políticas “merkozy” de “austeridade”, de mais federalismo e de maior concentração de poderes nas grandes potências europeias da UE. Noutros casos mudando o vocabulário, mas mantendo iguais objectivos.


François Hollande anunciou na sexta-feira, em Dakar, perante os deputados senegaleses, que «o tempo da “Françafrique” acabou». E especificou que a partir de agora «há a França, há a África, há a parceria entre a França e a África com relações assentes no respeito, na clareza e na solidariedade».
O presidente francês prometeu encerrar o longo período, desde os anos 60, em que se misturaram política, comércio e negócios obscuros nas relações entre Paris e as suas antigas colónias. Referia-se aos tempos áureos do neocolonialismo gaulês, desde o general De Gaulle a Mitterrand, passando por Pompidou e Giscard D’Estaing, quando a França comprava diamantes, vendia armas e promovia golpes de Estado em diversos países africanos – ao mesmo tempo que recebia no Eliseu ditadores como Bokassa ou Mobutu.
Nesta primeira viagem ao continente africano, Hollande começou por visitar o Senegal, aliado francês privilegiado desde os anos de Leopold Senghor, o «pai» da independência, em 1960. As boas relações franco-senegalesas, incluindo bases e facilidades militares, mantiveram-se ao longo do último meio século, prolongando-se durante os mandatos dos presidentes Abdou Diouf e Abdoulaye Wade e, agora, com Macky Sall.
Falando no parlamento senegalês, o chefe do Estado francês contrariou sem citar o «discurso de Dakar» pronunciado há cinco anos pelo seu antecessor, Nicolas Sarkozy. Principiando também na capital senegalesa a primeira visita presidencial a África, Sarkozy escandalizara então os seus anfitriões afirmando que «o drama de África» era «o homem africano não ter entrado ainda totalmente na História»… Agora, Hollande saudou uma África que é «o berço da Humanidade», preconizou que ela vai transformar-se num «grande continente emergente», manifestou confiança na sua juventude e na sua economia e prometeu relações de parceria «sem ingerência mas com exigência».
O périplo africano de François Hollande levou-o, no fim-de-semana, a Kinshasa, na República Democrática do Congo, para assistir à 14.ª cimeira da Organização Internacional da Francofonia (OIF).
Na capital congolesa, a organização alargou-se um pouco mais ao conceder o estatuto de membro à Arménia e o de observador ao Uruguai, ao mesmo tempo que admitiu o Qatar como associado. A OIF tem agora 57 países membros, dos quais três associados e 20 observadores.
No continente africano, a organização da francofonia abrange países do Norte (como Marrocos, Tunísia e Egipto), do Oeste (a quase totalidade dos estados da sub-região), do Centro (como os dois Congos, a República Centro Africana, o Ruanda, o Burundi e o Chade) e da zona oriental (Moçambique e Madagáscar, além das ilhas Seychelles, Comores e Maurícia).
Vários destes países não usam sequer o francês como língua oficial, como são os casos dos estados «lusófonos» de Cabo Verde, da Guiné-Bissau, de S. Tomé e Príncipe e de Moçambique. Ou do Qatar, uma monarquia árabe – mais conhecida pela sua submissão ao imperialismo americano do que ao idioma de Victor Hugo – que não esconde as ambições de aumentar ainda mais a influência na África Ocidental, onde financia centros religiosos muçulmanos que concorrem com escolas… de língua francesa.
Ao Congo, Hollande foi «celebrar» e «relançar a francofonia», conforme afirmou. O presidente disse aos participantes da cimeira da OIF que o «valor comum» é a língua francesa. E foi claro: «A francofonia tem valores, princípios, exigências. É uma mensagem de liberdade. É um espaço de influência, de promoção de valores, de abertura, de trocas económicas, sociais e culturais».
Apesar das más relações que mantém com o presidente Joseph Kabila, Hollande não hesitou em participar nesta cimeira da OIF, em Kinshasa, já que a República Democrática do Congo é o primeiro país francófono do mundo (70 milhões de habitantes) e um parceiro económico «prometedor» face às suas imensas riquezas minerais, como escreve Le Monde.
O jornal põe um diplomata francês a justificar o «carinho» de Paris pela francofonia em África: «A presença económica e às vezes cultural da China, do Brasil ou da Índia em África é muito positiva, mas isso implica que nós defendamos a nossa posição e os nossos interesses».
Interesses, pois. Nada mudou, claro, para além dos discursos.
François Hollande não cumprirá as garantias de relações justas com a África assim como não cumpriu as promessas que fez aos franceses de uma política diferente da de Sarkozy e de Merkel… A França continuará, assim, a agir contra os interesses dos povos africanos, apesar da «modernização» do seu discurso neocolonial.
*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2029, 18.10.2012

Anterior Proxima Inicio

0 comentários:

Postar um comentário