segunda-feira, 11 de maio de 2015

João Vilela / A vitória deles e a nossa

A vitória deles e a nossa


por João Vilela [*]

É razoavelmente pacífico afirmar que a II Guerra Mundial, cujo fim na frente europeia se celebra por estes dias, foi essencialmente uma guerra dupla, se não mesmo duas guerras em uma só, que as contingências a dada altura juntaram: de um lado, uma guerra inter-imperalista que opôs a Alemanha nazi e a Itália fascista às demais potências ocidentais (França, Reino Unido, Estados Unidos); do outro, uma guerra contra-revolucionária de ataque e abate à grande experiência de construção do socialismo em que se tinha constituído a URSS.

É portanto uma vitória bem diferente aquela que celebram os comunistas, os revolucionários, os que combatem o fascismo como ideologia e o capitalismo de cujas entranhas ele saiu. Não é apenas o soçobrar de um projecto político antidemocrático, antipopular, expansionista, belicista, agressivo: é a derrota em toda a linha da maior máquina de combate à classe operária, à revolução socialista, à organização popular, ao anticapitalismo, que a burguesia alguma vez inventou.

Porque, e ninguém o duvide, foi essencialmente isso que o fascismo foi: misturando alta e baixa intensidade, violência e propaganda, aparelho repressivo e aparelho ideológico, reprimindo e proibindo por um lado, exacerbando por outro racismos, chauvinismos, preconceitos, divisões artificiais e glamourização das agruras e dificuldades da vida proletária, estatuída em exemplo de abnegação estóica pelo futuro da nação, o fascismo demonstrou como a burguesia se dispõe a rigorosamente tudo para desarticular e dividir o proletariado. Ao genocídio, se for necessário. Ao totalitarismo, se for necessário. A toda a máquina de destruição e terror que a Alemanha nazi ergueu – máquina que derrocou diante das tropas soviéticas, do heróico Exército Vermelho, na Grande Guerra Patriótica, guiado por Estaline. Por um lado, a consciência desta situação reduz todos os discursos pacifistas a uma parvoíce que só a ignorância histórica pode permitir afirmar, e a um luxo a que nenhum trabalhador se pode dar. Por outro, a derrota do nazismo às mãos da União Soviética figura ainda hoje, e figurará para sempre, como uma das páginas mais gloriosas da história da classe trabalhadora à escala mundial, um exemplo imorredouro e inspirador de que nenhum expediente militar ou ideológico inventado pela burguesia é, ou algum dia será, suficientemente poderoso para quebrar a unidade da classe trabalhadora e a arrancar do poder, assim ela tenha dirigentes firmemente empenhados no curso da revolução.

É portanto, hoje mais do que nunca, dia de refutar duas teses mil vezes repetidas: em primeiro lugar, a de que a derrota do nazi-fascismo às mãos do Exército Vermelho é a mesma derrota que este sofreu diante de norte-americanos, de britânicos, e de franceses. Não, não é. Uma derrota frente ao proletariado nunca será igual a uma derrota perante uma burguesia concorrente, a qual, de resto, nem sequer pode reclamar a autoridade moral suficiente para afirmar que enfrentou o fascismo por uma questão de princípio. A França do mesmo De Gaulle que moveu a guerra da Argélia e o massacre dos argelinos em Paris, a Grã-Bretanha do mesmo Churchill que chacinou malaios e quenianos nos anos 50, os EUA que invadiram e massacraram na Coreia, no Vietname, no Cambodja, que ao tempo da II Guerra Mundial tinham (e continuaram a ter por mais 20 anos) as leis Jim Crow de segregação dos negros do sul, tinham tudo menos autoridade para denunciar e atacar o nazismo. O próprio Churchill, que enquanto a URSS auxiliava a República em Espanha elogiava Franco enquanto «combatente antivermelho», terá dito, numa conversa de corredor à margem da Conferência de Potsdam, «we might have slaughtered the wrong pig», referindo-se aos soviéticos. E foi de bom grado que os EUA e os demais países ocidentais adoptaram o acervo de mentiras e distorções engendradas pela propaganda de Goebbels sobre a URSS, no fito de prosseguirem a sua sanha anticomunista durante a Guerra Fria.

Em consequência desta primeira refutação, chegamos à segunda: a de que exista uma «herança democrática do antifascismo» que cumpre defender e conservar. Não, não existe. E este argumento, que sustenta posições política clamorosamente contrárias ao proletariado, desde a defesa do projecto europeu à crença semi-religiosa na bondade de sectores da social-democracia e do reformismo verbalista dos partidos burgueses, é cancerígeno para o avanço da revolução. Porque a verdade, a histórica, a material, a objectiva, é apenas esta: assistiu-se a um tempo em que, alterada radicalmente a correlação de forças a favor do movimento operário com a vitória soviética, a constituição de um Bloco Socialista de Berlim Leste a Pequim, e o prestígio social dos comunistas enquanto linha da frente da resistência antifascista no essencial dos países europeus, as burguesias da Europa ocidental tiveram de fazer largas concessões no imediato pós-guerra. Essa conjuntura, essa correlação de forças, com a vitória da contra-revolução na URSS e no Leste, com a traição eurocomunista de diversos partidos operários no coração da Europa ocidental (França, Itália, Espanha, etc), acabou em definitivo. Perante essa derrota, a burguesia aposta cada vez mais despudoradamente no fascismo, com partidos burgueses herdeiros dessa «herança democrática» a abrirem o caminho sem qualquer hesitação. Apelos emocionais às suas tradições democráticas de coisa nenhuma servirão. A burguesia só conhece a crítica das armas, liga pouco às armas da crítica.
O rearmamento teórico da classe trabalhadora, para enfrentar a vaga reaccionária que se vai abater sobre ela nos próximos tempos tem um exemplo elucidativo na vitória soviética: só poderá contar com ela mesma, e qualquer confiança em sectores da burguesia será atraiçoada na primeira esquina, assim que os motivos conjunturais que ditaram a amizade de circunstância tenham passado. Nunca confiar na burguesia. Aliar-se sempre com autonomia em relação à burguesia. Nunca aceitar a hegemonia da burguesia numa aliança. E assentando nas suas próprias forças, determinada, organizada, mobilizada para a vitória, a classe trabalhadora derrotará, como já derrotou, todas as SS, todos os Marines, toda a repressão que a burguesia faça desabar sobre ela. 
10/Maio/2015

O original encontra-se em https://conscienciavisceral.wordpress.com/2015/05/10/a-vitoria-deles-e-a-nossa/ 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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