Grécia atravessa as linhas vermelhas
por Michael Roberts [*]
A notícia de que o primeiro-ministro grego Tsipras retirou o seu ministro das Finanças Yanis Varoufakis das negociações directas com o Eurogrupo sugere que o governo Syriza está a preparar-se para mais concessões à Troika a fim de chegar a acordo sobre os termos da liberação dos fundos existentes da UE e do BCE ao abrigo da quarta extensão do segundo pacote de salvamento (bailout).Varoufakis foi substituído por Euclid Tsakalatos, economista educado em Oxford e anteriormente, quando o Syriza estava na oposição, ministro sombra das Finanças (ver aqui ). Tsakalatos possivelmente é mais "moderado" e certamente mais aceitável para os ministros das Finanças do Eurogrupo do que o "carismático" Varoufakis, que parece odiado.
Este passo de Tsipras rumo a mais concessões e talvez a abandonar as suas "linhas vermelhas" não negociáveis que o Syriza não permitiria serem transpostas possivelmente obteria apoio do povo grego, se os actuais inquéritos de opinião forem correctos. Um deles dizia que 79% dos gregos querem permanecer no euro e 50% querem alcançar um compromisso ao invés de uma ruptura (36%). Cerca de 63% dos gregos querem evitar um incumprimento das dívidas do governo grego. E se houvesse um acordo que rompesse as ditas linhas vermelhas, então os gregos prefeririam um governo de unidade nacional (44%) ao invés de um referendo (32%) ou de novas eleições (19%) para confirmá-lo. O Syriza ainda lidera nos inquéritos com 36% dos votos potenciais, a comparar com 22% para a direita da Nova Democracia; 5% para o social-democrata Potami; 3% para o PASOK em bancarrota e agora apenas 5% para o fascista Aurora Dourada e para os comunistas. O tempo está a esgotar-se para chegar a qualquer espécie de acordo que mereça a aprovação do povo grego e evite um incumprimento de dívidas e uma possível saída da Eurozona. O governo conseguiu "raspar" suficiente cash apropriando-se de reservas de autoridades locais e outras agências do governo de modo a que possa pagar as próximas obrigações de dívida ao FMI durante o mês de Maio. Mas é improvável que tenha o suficiente para reembolsar o FMI em Junho e certamente não o suficiente para pagar a conta de €3,5 mil milhões do BCE em Julho – a menos que deixe de pagar salários aos seus trabalhadores e as pensões do estado.
Ironicamente, o governo Syriza ainda dispõe de um excedente orçamental de €1,7 mil milhões do primeiro trimestre deste ano. Ele conseguiu isto simplesmente por não pagar as suas contas a fornecedores do governo ou aos serviços de saúde e escolas. Ao fazer isto, ele pode cumprir com os salários dos trabalhadores do sector público e com as pensões. O problema é que [o montante] de impostos não pagos está a subir constantemente, atingindo €3,5 mil milhões no primeiro trimestre, embora o crescimento deste défice tenha estado a atenuar-se. O povo, especialmente pessoas ricas e homens de negócios, fica pouco desejoso de cumprir seus deveres fiscais se pensar que em breve a Grécia será lançada para fora da Eurozona e o governo incumprirá com suas dívidas e desvalorizará os euros gregos. Eles querem manter consigo todos os euros que obtiveram.
Até agora o BCE tem estado a financiar os bancos gregos à medida que os seus depósitos caem. Mas os bancos gregos começam a ter falta de "colateral" adequado para financiamento do BCE, nomeadamente de Euro bonds da Euro instituição, o EFSF (European Financial Stability Facility), que os bancos mantêm desde a recapitalização executada em 2013. E o BCE cessará o crédito se o governo grego incumprir suas dívidas. Quando em Fevereiro último começaram as negociações sobre uma extensão de quatro meses do pacote de salvamento, considerei que era provável um acordo mas que as negociações seriam longas e tortuosas, e assim aconteceu. Mesmo que haja um acordo para liberar os €7,2 mil milhões ainda disponíveis sob o antigo pacote de salvamento, será difícil alcançar um novo pacote para financiar os bancos gregos e cumprir com os reembolsos ao FMI até Abril de 2016. Há uma possibilidade de que se o Syriza fizer bastantes concessões quanto a: redução de pensões; aumento do IVA; permissão de privatizações e introdução de "reformas" nos mercados de trabalho, poderia então obter os €7,2 mil milhões e negociar também um terceiro pacote para o período pós Junho que cumprisse futuros reembolsos ao BCE e ao FMI e ainda não impor um pacote de austeridade demasiado pesado. Aparentemente, Tsipras, Merkel e o Eurogrupo concordaram em que o alvo do superávite primário orçamental será reduzido de 3-4% do PIB por ano para cerca de 1,5%. E se a economia da Eurozona começasse a recuperar, isso também poderia impulsionar a economia grega através de exportações mais elevadas e entrada de mais investimento. Este é o cenário que Tsipras e os líderes do Syriza procuram. Na verdade, Varoufakis explicou minuciosamente como tal cenário pode funcionar se os líderes Euro fossem apenas um pouco mais cordatos (ver aqui ). Varoufakis dissera anteriormente que o objectivo seria convencer os líderes Euro e os mercados financeiros que dar à Grécia algum "espaço para respirar" permitiria que a economia recuperasse e isto ajudaria o capitalismo europeu. E o objectivo correcto agora é "salvar o capitalismo de si próprio" e não lançar ridículas medidas socialistas pois "simplesmente não estamos prontos para colmatar o abismo que abrirá um capitalismo europeu em colapso com um sistema socialista a funcionar" (ver aqui ). Naturalmente, esta "saída" significa que o Syriza ainda estará a efectuar austeridade orçamental (ainda que "mais leve") com um excedente no orçamento do governo no momento em que o desemprego grego permanece acima dos 25% e a economia ainda está a contrair-se em termos reais e nominais. Na verdade, desde 2009 os gregos já sofreram um ajustamento de austeridade orçamental equivalente a 20% do PIB potencial.
E os trabalhadores gregos receberam uma enorme pancada a fim de restaurar a lucratividade corporativa grega: um corte de 25% nos custos do trabalho do sector privado, ou mais de 30% em relação à média euro.
Mas todos estes cortes fracassaram em reduzir mesmo uma mínima parte do rácio da dívida do governo. Ao contrário, o rácio da dívida do governo está agora nos 175% do PIB, mais alto do que em 2010. Sob qualquer acordo com a Troika, este fardo da dívida não seria reduzido pois não haveria cancelamento da dívida com a "instituições" da UE. Os gregos nunca poderão reembolsar esta dívida e é ridículo esperar que assim o façam. E, como sabemos, cerca de 90% destes empréstimos da Troika não "salvaram" gregos mas foram utilizados para reembolsar bancos franceses e alemães e hedge funds americanos que mantinham títulos gregos e estavam a pedir o seu dinheiro de volta. O dinheiro devido a estas finanças capitalistas foi meramente transferido para o sector oficial (as "instituições" da UE e o FMI) – ver aqui .
Ver também:É verdade que os empréstimos da UE não começam a ser reembolsados até 2020, mas o Eurogrupo está a insistir em que os gregos comecem a efectuar redução de dívidas antecipadamente através de impostos mais altos e controles sobre os gastos, muito embora famílias gregas ainda estejam atoladas na pobreza e os serviços públicos de saúde, educação e habitação estejam no caos. Para os líderes Euro, é melhor preservar os outros e manter o pacto orçamental da UE. Além disso, pretendem restaurar o capitalismo grego através do aumento da lucratividade, não a restauração dos rendimentos de famílias gregas. Ainda em Fevereiro, apresentei esta questão como um triângulo impossível. O Syriza não podia reverter a austeridade, ficar no euro e permanecer unido como um partido único no governo. Um ou mais destes objectivos teriam de ser abandonados. Parece que Tsipras optará por ficar no euro, ainda que não possa reverter a austeridade ou cancelar (write off) dívida do governo grego. A questão então torna-se política: o que fará a esquerda dentro do Syriza? Será que também engolirá qualquer acordo, especialmente se Tsipras apresentá-lo num referendo popular e ganhar os votos? Ou será que dividirão o partido e forçarão Tsipras a uma aliança com a oposição (unidade nacional) para conseguir qualquer acordo aprovado pelo parlamento? Ainda há a possibilidade de que os termos da austeridade exigidos pela Troika sejam excessivos para a liderança do Syriza aceitar e em Junho os gregos optem pelo incumprimento dos pagamentos. O FMI permite um "período de graça" de 30 dias no cumprimento de dívidas vencidas, assim o incumprimento não será tecnicamente imediato, embora provavelmente haja uma corrida aos bancos gregos. O governo teria de impor controles de capitais e travar a saída de dinheiro do país ou mesmo o simples entesouramento. Introduzir controles de capital não significa romper quaisquer regras da Eurozona, de modo que tecnicamente a Grécia ainda seria membro da mesma. Mas a corrida aos bancos significaria que ou BCE interviria a fundo ou os bancos faliriam. A condição grega como membro da Eurozona seria posta em causa. O governo poderia continuar a afirmar que o euro era a divisa grega e não introduzir qualquer novo dracma. Mas os euros logo se tornariam escassos para pagar trabalhadores do governo e para as empresas pagarem importações e salários dos seus trabalhadores. A economia grega caminharia para um desmoronamento ainda mais profundo mais adiante. Então a desvalorização e uma nova divisa grega não estariam longe, a fim de tentar evitar um colapso. Mas desvalorização significaria que os negócios gregos encontrariam ainda mais dificuldade para pagar suas contas em euros e muitos iriam à falência. Seria uma outra forma de colapso. Estas são as consequências para o povo grego, com acordo ou sem acordo, sob o capitalismo. A alternativa para enfrentar o problema: exigir o cancelamento dos empréstimos em euro e do FMI (o pedido original do Syriza) ou incumprimento; impor controles de capital, tomar o comando (take over) dos bancos gregos e apelar ao apoio do povo grego e do movimento trabalhista europeu. Deixar os líderes euro tomarem a iniciativa quanto à condição de membro da Eurozona, não o Syriza. O problema é que agora o povo grego tem sido levado a acreditar que há apenas uma saída: um acordo com o Eurogrupo em termos cada vez piores. A alternativa de um plano socialista de investimento e de um apelo a toda a Europa não está diante de si (ver aqui ). A abordagem Tsipras-Varoufakis de concessões agora e esperança de uma melhor economia capitalista mais à frente poderia funcionar por um breve período. Mas ela não reverterá as perdas terríveis em rendimentos, empregos, educação e saúde que sofreram aqueles gregos que não conseguiram ou não quiseram deixar o país. E o que acontecerá quando vier o próximo desmoronamento (slump) na economia mundial? [*] Economista, britânico. O original encontra-se em https://thenextrecession.wordpress.com/2015/04/28/greece-crossing-the-red-lines/ Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . |
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