segunda-feira, 20 de abril de 2015

A alternância e seus consensos

A alternância e seus consensos


por Daniel Vaz de Carvalho

Matamo-nos a cantar os hinos do progresso ao compasso do batuque da agiotagem, 
Oliveira Martins, "Portugal Contemporâneo".

O conservadorismo moderno está comprometido num dos exercícios intelectuais mais antigos que se conhecem:   a procura de uma justificação moral para o egoísmo. 
John Kenneth Galbraith
'.1 – AS POLITICAS RESPONSÁVEIS 

O capitalismo é a legalização da avareza e do egoísmo de que falava Galbraith. PS, PSD, CDS, os partidos do "arco da governação", a troika interna, proclamaram estas práticas como "políticas responsáveis".

Mas responsáveis em quê e de quê?! Responsáveis pelo aumento da pobreza, do desemprego, da estagnação económica que já vai em década e meia, pelo crescimento das desigualdades, pela desindustrialização, pela assinatura de um "memorando" assumido como "ajuda", certamente à finança, mas consistindo num claro pacto de agressão à nossa soberania e ao nosso povo. As "políticas responsáveis" tornaram Portugal num dos países mais endividados da OCDE, a dívida pública e privada (famílias e empresas) ao estrangeiro ascendia no final de 2014 a 300 % do PIB.

As grandes empresas apoderam-se dos serviços públicos, as suas taxas de lucro aumentaram em termos monopolistas e pela "flexibilidade laboral". As MPME vivem em permanente risco de falência devido à perda do poder de compra da população; o investimento em termos líquidos (descontando as amortizações) é negativo. O país tornou-se um fornecedor líquido de capitais: desde a criação da Zona Euro foram transferidos do país em 15 anos (2000 a 2014) 62 536 M€. Note-se que no mesmo período a Alemanha absorveu um total de 608 456 M€. [1] Os partidos da alternância fingem ignorar este facto e assentam a sua estratégia nas verbas que hão de vir da UE… fazem por ignorar o que sai.

Com as "políticas responsáveis" de privatizações e "flexibilidade laboral" os défices, o endividamento, a pobreza nunca deixaram de crescer. Os serviços pioraram, os preços aumentaram, a redução de custos é feita não de investimento, mas à custa dos trabalhadores, para aumentar os lucros e a saída de capitais.

Quando o PSD e CDS se afundam no descrédito, PS os substitui mantendo políticas idênticas. Quando o PS se afunda, o PSD-CDS substituem-no aprofundando as mesmas políticas "responsáveis" de obediência "às regras da UE". É a alternância. Nenhum destes partidos defende políticas de intervenção do Estado no campo económico: defendem a "economia de mercado", o neoliberalismo. A prática do PS com variantes de estilo é também uma política de direita.

'.2 – CONSENSO SOBRE OS "MERCADOS" 

A ideologia do mercado é uma dominante do consenso do "arco da governação". Quando no governo, o PS argumentava contra partidos à sua esquerda acusando com indisfarçável arrogância o PCP de ser contra o mercado. O jogo de palavras mostra uma tática de deflexão para fugir ao essencial: uma coisa são "os mercados" na assumida versão neoliberal – monopólios e finança especuladora – e outra o mercado, que existe sempre que haja produção mercantil e portanto também em socialismo dada a existência de cooperativas e mesmo MPME privadas. O PS critica o governo PSD-CDS por ser fundamentalista e por ir mais longe que a troika, mas não critica "os mercados" nem a troika.

A ideologia da economia de mercado à qual tudo se tem se subordinar levou os países a uma crise que se prolonga há sete anos, sem fim à vista, com crises a serem pagas pelos trabalhadores, pois, segundo o seu consenso o que as provoca são salários altos e prestações sociais. O PS diz agora que é necessário aumentar a procura para reduzir o desemprego, o PSD e CDS diziam o mesmo na oposição.

A teologia neoliberal impõe o dogma dos mercados. Mas os mercados não são as abstrações da "mão invisível", são instituições politicamente determinadas no sentido de favorecer a finança e o grande capital. Os "mercados" são o eufemismo para a especulação financeira e sobre bens essenciais, para a extração juros e de rendas monopolistas, além de uma arma do imperialismo para dominar os povos.

A tese da "eficiência do mercado" permitiu às oligarquias apoderarem-se de partes crescentes da riqueza produzida, levando os países a intermináveis crises em prejuízo dos trabalhadores e da sociedade em geral. Esta traficância foi alcançada com a cumplicidade de partidos ditos "socialistas".

A dívida pública veiculada pelos critérios neoliberais tornou-se a mais descarada forma de espoliação dos povos. A ineficiência do Estado não chega a merecer o nome de dogma, mas de reles mentira atendendo aos atos de má gestão e fraude, que com impressionante frequência vêm a público, com as instituições de regulação e fiscalização a nada verem.

De 2011 a 2014 Portugal pagou de juros 28.528,8 M€, face a 34.646,2 M€ de défice orçamental acumulado, porém a dívida aumentou 58 700 M€ desde final de 2010! Os excedentes orçamentais ficam hipotecados aos juros, envolvendo o país num círculo vicioso.

PSD e CDS não querem falar em renegociação da dívida, pois isso pode "traumatizar os mercados" (espantosos estes eufemismos!) o PS também não. Esta convergência manifestou-se claramente no voto dos três partidos contra umaproposta do PCP para a renegociação da dívida , debate sobre as consequências da permanência no euro e sobre a saída da moeda única e controlo público da banca.

O Banco de Portugal não passa na realidade de uma delegação do BCE, a "regulação" é semelhante quer o governador seja do PS, como Vítor Constâncio ou Carlos Costa, um banqueiro escolhido em consenso, que se mostrou mais preocupado na flexibilização laboral do que em fazer o que lhe competia no caso BES. E como é possível colocar à frente de um órgão de regulação (o que quer que isto queira dizer) gente que convictamente é pela desregulação dos "mercados"?!

'.3 - CONSENSOS SOBRE A UE 

Quando o PS diz que os problemas do país se têm que resolver na UE, a conclusão está inserida nas próprias premissas da questão: os nossos problemas radicam na UE e nos absurdos tratados que pressurosamente assinaram, escudando-se em promessas totalmente infundadas e falsas. Como na história do Pinóquio, a festa dos meninos foi só para os levar a transformarem-se em animais de trabalho.

Tudo o que poderia beneficiar Portugal, mesmo tímidas medidas como a intervenção pública na economia, o controlo da banca, fiscalização financeira, choca com as imposições dos tratados europeus. O consenso da troika interna está patente nas profissões de fé europeístas e de "continuarmos a honrar os nossos compromissos".

Se o primeiro-ministro "passa por ser na UE o campeão da união bancária", o PS pede meças com os seus impulsos federalistas, de reforço do Parlamento Europeu e de dotar a Zona Euro de capacidade de governação própria ao nível legislativo e executivo.

Defesa justificada com argumentos que as políticas em curso totalmente negam: promover os Direitos Humanos (ex. Líbia, Síria, Ucrânia…), uma mundialização sustentável e com regras (as da finança predadora!), o fim dos paraísos fiscais, (livre transferência de capitais e "competitividade fiscal").

PSD e CDS entregam o país aos interesses monopolistas e aos predadores financeiros com o argumento de "deixar a economia funcionar" (TAP, PT, Estaleiros de Viana, etc.). O PS afirma querer na UE o primado da política sobre os interesses financeiros. Pelos vistos o PS tem muitas ideias sobre a política europeia, mas concretamente quase nenhumas sobre medidas para Portugal.

A posição relativamente à Grécia mostra outro consenso apenas mascarado com palavras diferentes. O primeiro-ministro, como caixa-de-ressonância da oligarquia alemã, vai mais longe que o suserano alemão e disse que a posição do governo grego era "uma criancice" (o PR não lhe ficou a trás). Esta linguagem da direita troglodita foi depois objeto de ajustes, mas mostra bem o nível de decadência da UE. António Costa, mais comedido disse que apoiava as negociações da Grécia "dentro das regras europeias". Puro oximoro! Um absurdo, pois foram estas "regras" que levaram Portugal, a Grécia, a Itália, a Irlanda, ao descalabro e – estão a levar a França e a Bélgica.

Quando o BCE tem 60 000 M€ por mês (!) para a finança predadora prosseguir a especulação, mas chantageia miseravelmente o povo grego, está tudo dito acerca das ilusões do PS sobre a UE e suas instituições, mas também do alcance da social-democracia (mesmo a do Syriza) acerca da sua capacidade e determinação quanto a "transformações" a favor dos povos na UE.

As suas propostas do PS radicam, na ilusão de que "ter uma voz" na "Europa" (a sua) irá mudar alguma coisa. Não quer entender que a UE, que não existe como tal, o que existe é um espaço neocolonial de repressão social, submetido ao imperialismo alemão. Basta escutar o ministro das Finanças alemão, Schauble, para compreendermos o que há a esperar da dita UE.

Tudo indica que depois de uma série de quiméricas promessas como no passado, o PS vai fazer como na rábula da "Ida à guerra" do ator Raul Solnado. Pergunta-lhe o comandante:
— Então onde está o prisioneiro?
— Ele não quis vir, meu capitão…

4 – OUTROS CONSENSOS 

As divergências entre PS e PSD-CDS não são as políticas da troika, mas de se ir "para além da troika". Os comentários sobre "ir mais longe que a troika" tendo em vista os resultados e as sucessivas revisões não passam de "diálogos do absurdo". Ficariam bem em Ionesco, mas que o povo português dispensaria.

Espalha-se a ilusão de que na UE, no dizer do eurodeputado Carlos Zorrinho (Z-News, 07/janeiro/2015), "finalmente o mito da austeridade regeneradora caiu. Abriu-se um novo ciclo. É preciso que os recursos sejam colocados ao serviço da economia real e não da especulação financeira." Tudo isto sem pôr em causa "as regras da UE".

As políticas conjuntas da "troika interna" de que faz parte no campo laboral a direção da UGT, levaram a uma queda brutal da contratação coletiva. Há 15 anos realizavam-se entre 350 a 400 convenções por ano abrangendo 2 milhões de trabalhadores, em 2013, apenas 97 convenções abrangendo 186 mil trabalhadores (CGTP). A cartilha das regras da UE torna-nos um país de baixos salários, precariedade, sem crescimento económico, vergado à escravidão do endividamento.

PS e PSD-CDS competiram em "flexibilizar" as leis laborais, revisões atrás de revisões para satisfazer os "mercados" e ser atrativo para o capital, mas que para o FMI e UE – nunca são suficientes – mostram uma completa distorção quanto aos interesses nacionais: não é o capital que tem de se tornar vantajoso para o país é o país que tem de se tornar vantajoso para o capital.

Não adiantam vagas intenções que nada de essencial mudam, mascarando a realidade com promessas de diminuir o ritmo da austeridade e interpretações "inteligentes" e "flexíveis" de tratados iníquos e estúpidos (por impraticáveis democraticamente) confiando na boa vontade dos oligarcas.

Os três partidos estão também unidos na defesa de um inconcebível tratado em termos de soberania e desenvolvimento, a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento [2] , que contraria tudo o que o PS diz defender, colocando os países na situação de colónia das transnacionais. A perda de soberania de que estes três partidos são responsáveis, leva à inviabilidade da democracia, anulando a vontade e os interesses populares pela intimidação e pela chantagem.

Na interpelação ao ministro Pires de Lima, um deputado do PS diz: "é necessário que o PSD e CDS deixem de falar em 2011, temos é de pensar para além de 2015". O ministro Poiares Maduro deixa claro aquilo com o que o PS pode contar: "os portugueses já não aceitam facilmente políticos que mudam o comportamento devido à proximidade das eleições. O Portugal 2020 nunca pode ser planeado em função das eleições" [3]

É este discurso fascizante – e dentro das regras europeias… – que o PR de forma melíflua também faz para garantir a alternância neoliberal com o PS.

Dirigentes e deputados do PS não se afastam deste "paradigma" e defendem um consenso com PSD após as eleições.

Para o PSD-CDS a doutrina não difere da defendida por Mussolini "a verdadeira história do capitalismo começa agora (...) há que abolir o Estado coletivista, tal como a guerra nos transmitiu pela necessidade das circunstâncias e voltar ao estado manchesteriano", ou seja disciplinamento da força de trabalho e liberdade total para os capitalistas. Isto explica a tendência do liberalismo a derivar rumo ao fascismo. [4] O que não impede largos sectores responsáveis no PS de abertamente defenderem um governo ligado ao PSD, o "bloco central".

O objetivo do PS é instituir "um capitalismo bom", "de rosto humano". Os erros, as crises, a corrupção (os crimes ignoram-se), são devidos a comportamentos inadequados e incompetência. Querer mudar comportamentos sem alterar as causas que os motivam não passa de alquimia política. E a alquimia – como se sabe – era um misto de superstição e escroqueria.

A alternância comprometeu o futuro do país. Romper com estas políticas implica que seja posta em prática uma política de esquerda e a patriótica defesa da nossa soberania, em suma, que o socialismo tenha lugar.
Notas
[1] A União Europeia e o Euro serviram para enriquecer a Alemanha , Eugénio Rosa,
[2] TTIP, O tratado de comércio livre EUA-UE: a grande golpada , Vaz de Carvalho,
[3] Poiares Maduro, Diário Económico, 18/02/2015
[4] Origem e declínio do capitalismo , Jorge Beinstein,

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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