Por Michael Parenti*
Tradução de Cristiano Alves
Publicado originalmente no Greenville Post
Nota
do editor: Parte oportunismo, parte carreirismo, parte negação
voluntária (ou ignorância) da verdadeira dinâmica capitalista e
imperial, e parte vínculo com o conforto de se estar dentro do perfil de
"crítica permitida", o anticomunismo de esquerda continua a ter um
grande papel na esquerda americana. Nesse tipicamente descritivo ensaio,
Michael Parenti explora as razões pelas quais a postura anticomunista
de esquerda devem ser vistas como realmente é: uma colaboração de fato
com as forças que defendem o status quo das corporações [Esta seleção é
do livro de Parenti Camisas negras e vermelhas: fascismo racional e a
derrubada do comunismo (City Lights, 1997). Foi reproduzida aqui por
cortesia do autor.]
Nota
de A Página Vermelha: Embora o magíster americano aborde aspectos
relativos à esquerda americana, "Anticomunismo de esquerda - cortada
cruel", é sem sombra de dúvidas um texto atualíssimo e de alta
relevância para a esquerda brasileira. Michael Parenti não é comunista, e
nem mesmo tem afinidades com o marxismo, entretanto, o seu passado
anticomunista e sua personalidade e conhecimentos dotados de senso
crítico permitiram ao autor americano, que outrora criticara o
anticomunismo de direita em seu brilhante trabalho "A cruzada
anticomunista"(dos anos 70), identificar no "anticomunismo de esquerda"
um fator cavalo de tróia que, longe de fortalecer a luta dos
trabalhadores, apenas enfraquece-a com a deturpação de sociedades
socialistas existentes hoje ou previamente, assim legitimando o status
quo, a ordem capitalista. Essa postura, visível no meio político e
acadêmico, apenas fortalece o discurso de direita. Conhecer a
honestidade intelectual de Parenti é não apenas superar um
antiamericanismo pueril, como um fator de engrandecimento do
conhecimento.
Anticomunismo de esquerda
Por Michael Parenti*
Nos
Estados Unidos, por centenas de anos, os interesses predominantemente
incansáveis propagaram o anticomunismo entre a população, até se tornar
algo como uma ortodoxia religiosa, em vez de uma análise política.
Durante a Guerra Fria, a moldura ideológica anticomunista podia
transformar quaisquer dados sobre sociedades comunistas existentes em
evidências hostis. Se os soviéticos se recusassem a negociar um ponto,
eles eram intransigentes e beligerantes; se eles pareciam fazer
concessões, isso era um artifício para baixarmos a guarda. Se se opunham
à limitação das armas, eles estariam demonstrando seu intuito
agressivo; mas quando de fato apoiavam mais tratados sobre armamentos,
então é por que eram espertos e manipuladores. Se as igrejas na URSS
estavam vazias, isso demonstrava que a religião era suprimida; mas se as
igrejas estavam cheias, isso quer dizer que o povo estava rejeitando a
ideologia ateia do regime. Se os trabalhadores entravam em greve(como
ocorria em ocasiões não frequentes), isso era evidência de sua alienação
do sistema coletivista; se eles não faziam greve, isso é por que eles
eram intimidados e não tinham liberdade. A escassez de bens de consumo
demonstrava uma falha no sistema econômico; uma melhora nos suprimentos
de consumo significava que os líderes estavam tentando acalmar uma
população inquieta e assim manter firme controle sobre ela. Se os
comunistas nos Estados Unidos desempenhavam papel importante lutando
pelos direitos dos trabalhadores, dos pobres, afroamericanos, mulheres e
outros, isso era apenas uma forma útil de ganhar apoio entre grupos não
representados e ganhar poder para eles mesmos. Como alguém ganhava
poder lutando por direitos de grupos sem poder nunca foi explicado. O
que estamos abordando é uma ortodoxia não-disfarçada, tão assiduamente
distribuída pelos interesses dominantes que afetou o povo ao longo do
total espectro político.
Genuflexão à ortodoxia
Muitos
na esquerda dos EUA apresentaram ataques contra os soviéticos e contra
os vermelhos comparável à hostilidade e crueza da direita. Ouça Noam
Chomsky pregando sobre os “intelectuais de esquerda” que tentam “erguer o
poder nas costas dos movimentos populares de massa” e “então tornam o
povo submisso... Você começa basicamente como um leninista que será
parte da burocracia vermelha. Você vê depois que o poder não segue
aquele caminho, e você rapidamente torna-se um ideólogo da direita...
Nós vemos isso agora na (antiga) União Soviética. Os mesmos caras que
eram capangas comunistas dois anos atrás estão agora dirigindo bancos e
(são) entusiastas do livre mercado que louvam os americanos” (Z
Magazine, 10/95).
O
imaginário de Chomsky é altamente devido à mesma cultura política
corporativa que ele critica tão frequentemente em outras questões. Em
sua mente, a revolução foi traída por uma camarilha de “capangas
comunistas” que meramente tem fome de poder em vez de querer o poder
para acabar com a fome. De fato, os comunistas não mudaram “rapidamente”
para a direita, mas lutaram em face a um momento de investida para
manter o socialismo soviético vivo por mais de setenta anos.
Precisamente, nos últimos dias da União Soviética alguns, como Boris
Yeltsin, cruzaram as fileiras capitalistas, mas outros continuaram a
resistir às incursões do mercado livre a um grande custo para eles
mesmos, muitos conhecendo a morte durante a violenta repressão de
Yeltsin contra o parlamento russo em 1993.
Alguns
de esquerda e outros caem no velho estereótipo de vermelhos sedentos de
poder que tomam o poder pelo poder sem qualquer preocupação com
verdadeiras metas sociais. Se é verdade, alguém se impressionaria com o
fato de que, em país após país, esses vermelhos colocam-se ao lado dos
pobres e impotentes, frequentemente sob o grande risco de sacrificar a
si próprios, em vez de buscar recompensas que vem a servir os de boa
posição.
Por
décadas, muitos autores de esquerda e porta-vozes nos Estados Unidos
sentiram-se obrigados a estabelecer sua credibilidade com indulgências à
genuflexão anticomunista e antissoviética, parecendo ser incapazes de
fazer um discurso ou escrever um artigo ou livro revendo qualquer tema
político sem injetar alguma dose antivermelha. O intento era e ainda é,
distanciar-se eles mesmos da esquerda marxista-leninista.
Adam Hochschild: Mantendo sua distância da “esquerda stalinista” e recomendando a mesma postura para progressistas.
Adam
Hochshild, um escritor liberal e editor, alertou aqueles indiferentes à
condenação das sociedades comunistas existentes, dizendo que eles
“enfraquecem sua credibilidade” (Guardian, 23/5/84). Em outras palavras,
para ser oponentes da guerra fria de credibilidade, tínhamos que
primeiro juntar-se à Guerra Fria na condenação de sociedades comunistas.
Ronald Radosh alertou que o movimento pela paz expurga a si mesmo de
comunistas, então eles não podem ser acusados de serem comunistas
(Guardian, 16/03/83). Se eu entendo Radosh: para salvar a nós mesmos da
caça às bruxas anticomunistas, nós mesmos devemos nos tornar caçadores
de bruxas. Expurgar a esquerda de comunistas tornou-se uma prática de
longa data, tendo efeitos injuriosos em várias causas progressivas. For
exemplo, em 1949, umas dúzias de sindicatos foram retirados do CIO(Nota
de A Página Vermelha: Congresso das Organizações Industriais) por que
tinham vermelhos em sua liderança. O expurgo reduziu o número de membros
da CIO em cerca de 1.7 milhões e seriamente enfraqueceu seus mecanismos
de recrutamento e foco político. Em meados dos anos 40, para evitar
ficar “queimados” como vermelhos, os Americanos pela Ação
Democrática(ADA), grupo supostamente progressista, tornou-se uma das
mais vocais organizações anticomunistas.
A
estratégia não funcionou. A ADA e outros à esquerda ainda foram
atacados por serem comunistas ou brandos com o comunismo por aqueles à
direita. Então e agora, muitos à esquerda falharam em perceber que
aqueles que lutam por mudanças sociais em prol dos elementos menos
privilegiados da sociedade serão atacados pelas elites conservadoras
como vermelhos, sejam eles comunistas ou não. Para os interesses
dominantes, há pouca diferença se sua riqueza e poder é desafiada por
“subversivos comunistas” ou “leais liberais americanos”. Todos são
compilados como mais ou menos repugnantes.
Um prototípico espanca-vermelhos(A Página Vermelha: originalmente, red basher)
que pretendia estar na esquerda foi George Orwell. Em meio à II Guerra
Mundial, enquanto a União Soviética lutava por sua vida contra os
invasores nazistas em Stalingrado, Orwell anunciou que uma “uma vontade
de criticar a Rússia e Stalin são testes de honestidade intelectual. São
as únicas coisas que do ponto de vista de um intelectual literário são
realmente perigosas” Monthly Review, 5/83). Seguramente abrigado dentro
de uma sociedade virulentamente anticomunista, Orwell (com seu
pensamento dúbio orweliano) caracterizou a condenação do comunismo como
um ato de desafio solitário. Hoje, sua progenitura ideológica ainda
persiste, oferecendo uma crítica intrépida de esquerda da esquerda,
promovendo uma valente luta contra imaginárias hordas
marxistas-leninistas-stalinistas.
Está
em falta na esquerda dos EUA uma avaliação racional da União Soviética,
uma nação que enfrentou uma dura guerra civil e uma invasão estrangeira
multinacional nos seus primeiros anos de existência, e duas décadas
depois expulsou e destruiu as bestas nazistas com um enorme custo para
ela mesma. Três décadas após a revolução bolchevique, os soviéticos
conseguiram avanços industriais como aqueles que no capitalismo levaram
um século para alcançar – enquanto alimentava e dava escolas às suas
crianças em vez de fazê-las trabalhar quatorze horas por dia como
fizeram os industrialistas capitalistas e ainda fazem em várias partes
do mundo. E na União Soviética, bem como na Bulgária, República
Democrática Alemã e Cuba foi oferecida assistência vital aos movimentos
de libertação nacional nos países ao redor do mundo, incluindo o
Congresso Nacional Africano de Nelson Mandela, na África do Sul.
Os
anticomunistas de esquerda não ficaram nenhum pouco impressionados
pelos dramáticos ganhos das massas populares, previamente empobrecidas,
sob o comunismo. Alguns mesmo menosprezaram tais realizações. Eu me
recordo como em Burlington Vermont, em 1971, o notável anticomunista
anarquista, Murray Bookchin, derrogativamente se referia às minhas
preocupações pelas “pobres crianças que eram alimentadas sob o
comunismo” (palavras dele).
Pregando as etiquetas
Aqueles
que se recusaram a se juntar aos ataques contra os soviéticos eram
taxados pelos anticomunistas de esquerda como “apologistas de
soviéticos” e “stalinistas”, mesmo que desaprovássemos Stalin e seu
sistema autocrático de governo e acreditássemos que havia coisas
seriamente erradas dentro da sociedade soviética existente. Nosso
verdadeiro pecado é que diferentemente de muitos na esquerda, nós nos
recusávamos a engolir de forma acrítica a propaganda da mídia dos EUA
sobre as sociedades comunistas. Em vez disso, nós sustentávamos que, à
parte algumas deficiências e injustiças bem conhecidas, havia
características positivas no sistema comunista dignas de preservação,
que melhoraram as vidas de centenas de milhões de pessoas de modo
significativo e humanitário. Este clamor tinha um efeito desconsertante
para os anticomunistas de esquerda, que não podiam dizer uma só palavra
positiva sobre qualquer sociedade comunista(exceto Cuba, possivelmente) e
não podiam ter ouvidos tolerantes ou mesmo corteses para qualquer um
que o fizesse.
Saturados
pela ortodoxia anticomunista, a maioria dos esquerdistas dos EUA tem
praticado um mccarthismo de esquerda contra pessoas que tinham algo de
positivo para dizer sobre o comunismo existente, excluindo-os da
participação em conferências, conselhos consultivos, endossos políticos e
publicações de esquerda. Tal como os conservadores, os anticomunistas
de esquerda toleram apenas uma condenação vazia da União Soviética como
uma monstruosidade stalinista e como uma aberração moral leninista.
O
fato de muitos esquerdistas dos EUA terem pouca familiaridade com os
escritos de Lenin e seu trabalho político não os impede de serem taxados
de “leninistas”. Noam Chomsky, que é um apreciador incansável de
caricaturas anticomunistas, oferece este comentários sobre o leninismo:
“os intelectuais ocidentais e do Terceiro Mundo eram atraídos pela
contrarrevolução bolchevique(sic) por que o leninismo é, depois de tudo,
uma doutrina que diz que a intelligentsia radical tem o direito de
tomar o poder do Estado para dirigir os países pela força e isso torna
essa ideia atraente para os intelectuais”. Aqui Chomsky reproduz a
imagem de intelectuais sedentos de poder junto com a sua caricatura de
leninistas sedentos de poder, vilões buscando não meios revolucionários
de combater a injustiça, mas poder pela sede de poder. Quando se trata
de espancar os vermelhos, alguns dos melhores e mais brilhantes na
esquerda não soam melhor do que os piores na direita.
![]() |
Apesar de suas críticas ao capitalismo, Noam Chomsky, um dos mais notáveis intelectuais americanos, permanece como um anticomunista de esquerda irremediável |
Quando
em 1996 houve um atentado a bomba na cidade Oklahoma, eu ouvi um
comentarista de rádio anunciar: “Lenin disse que o propósito do terror é
aterrorizar”. Os comentaristas da mídia dos EUA repetidamente citaram
Lenin de forma errônea. De fato, sua declaração desaprovava o
terrorismo. Ele polemizou contra atos isolados de terrorismo que nada
fazem senão criar o terror entre a população, convidar a repressão e
isolar o movimento revolucionário das massas. Longe de ser um
conspirador totalitário, conspirador de curtos círculos, Lenin urgia
pela construção de largas coalizões e organizações de massa, congregando
pessoas de diferentes níveis de desenvolvimento político. Ele advogou
diversos meios necessários para avançar a luta de classes, incluindo a
participação nas eleições parlamentares e nos sindicatos existentes.
Para ser exato, a classe trabalhadora, como qualquer grupo de massa,
necessitava de organização e liderança para levar adiante a luta
revolucionária, que era o partido de vanguarda, mas isso não significava
que a revolução proletária podia ser promovida e vencida por golpistas
ou terroristas.
Lenin
constantemente lidava com o problema de evitar dois extremos, o
oportunismo burguês liberal e o aventureirismo de ultraesquerda. Ainda,
ele próprio era identificado como um golpista de ultraesquerda pelos
jornalistas do mainstream e por alguns da esquerda. Se a postura
de Lenin quanto à revolução é desejável ou mesmo relevante hoje é uma
questão que exige uma análise crítica. Mas uma avaliação útil não pode
vir de pessoas que distorcem a sua teoria e prática.
Os
anticomunistas de esquerda encontram qualquer associação com
organizações comunistas como moralmente inaceitável por causa dos
“crimes do comunismo”. Ainda, muitos deles encontram-se associados com o
Partido Democrático em seu país, seja como eleitores ou membros,
parecendo ser indiferentes aos crimes políticos inaceitáveis cometido
pelos líderes daquela organização. Sob uma ou outra administração
democrata, 120 mil nipo-americanos foram retirados de suas casas e
habitações e lançados em campos de detenção; bombas atômicas foram
lançadas em Hiroshima e Nagasaki com uma enorme perda de vidas
inocentes; ao FBI foi dada a autoridade para se infiltrar em grupos
políticos; o Ato Smith foi usado para prender líderes do Partido
Socialista dos Trabalhadores trotskista e depois os do Partido Comunista
por suas crenças políticas; campos de detenção foram estabelecidos para
receber dissidentes políticos em evento de “emergência nacional”;
durante os anos 40 e 50, oito mil trabalhadores federais foram
expurgados do governo por causa de suas associações políticas e visões,
com centenas dele tendo carreiras arruinadas com a caça às bruxas; o Ato
de Neutralidade foi usado para impor um embargo à República Espanhola,
agindo em favor das legiões fascistas de Franco; programas de
contra-insurgência homicida foram iniciados em vários países do Terceiro
Mundo; e a guerra do Vietnã foi intensificada e continuada. E para a
melhor parte do século, a Liderança Congressional do Partido Democrata
protegeu a segregação racial e vetaram todas as emendas contra o
linchamento e de pleno emprego. Mesmo assim, todos esses crimes,
trazendo a ruína e morte de muitos, não tem comovido os liberais, os
sociais-democratas, e os “socialistas democráticos” anticomunistas para
insistir repetidamente que se trata de condenações vagas do Partido
Democrata ou do sistema político que o produziu, certamente não com o
fervor intolerante que tem sido dirigido contra o comunismo existente.
Socialismo puro vs. Socialismo de cerco
Os
eventos na Europa Oriental não constituem uma derrota para o socialismo
por que o socialismo nunca existiu naqueles países, de acordo com
alguns esquerdistas dos EUA. Eles dizem que os Estados comunistas
ofereceram nada mais do que um sistema burocrático, “capitalismo de
Estado” unipartidário e algo do tipo. Chamarmos os antigos países
comunistas de “socialistas” é uma questão de definição. Suficiente para
dizer, eles constituíram algo diferente do que existiu no sistema
capitalista movido pelo lucro que os capitalistas não tardaram a
reconhecer.
Primeiro,
nos países comunistas, havia menos desigualdade econômica do que sob o
capitalismo. Os benefícios desfrutados pelas elites do partido e do
governo eram modestas em comparação com os padrões de um diretor
executivo de uma grande empresa no ocidente (mesmo quando comparados com
as compensações grotescas para as elites financeiras e executivas –
edição), bem como para com sua renda pessoal e estilo de vida. Líderes
soviéticos como Yuri Andropov e Leonid Brejnyev não viviam em mansões
reservadas como na Casa Branca, mas em apartamentos relativamente largos
em projetos habitacionais próximos ao Kremlin, designado para líderes
governamentais. Eles tinham limusines à sua disposição(como a maioria
dos chefes de Estado) e acesso a largas dachas onde eles recebiam
visitantes dignatários. Mas eles não tinham essa imensa riqueza pessoal
que a maioria dos líderes dos EUA possuem.
A
“vida luxuosa” desfrutada pelos líderes partidários da Alemanha
Oriental, como bem publicado na imprensa dos EUA, incluía um subsídio de
725 dólares em divisas, e direito a um assentamento exclusivo nos
arredores de Berlim que incluíam uma sauna, uma piscina coberta e um
centro de fitness compartilhado por outros residentes. Eles
também podiam comprar em lojas abastecidas com bens ocidentais como
bananas, jeans e eletrônicos japoneses. A imprensa dos EUA nunca apontou
que os cidadãos alemães orientais comuns tinham acesso a piscinas
públicas e ginásios e mesmo podiam comprar jeans e eletrônicos(embora
não a variedade importada). Nem era o “luxuoso” consumo desfrutado pelos
líderes alemães contrastados como o verdadeiramente opulento estilo de
vida da plutocracia ocidental.
Segundo,
nos países comunistas, as forças produtivas não eram organizados para
ganho de capital e enriquecimento privado; a propriedade pública dos
meios de produção suplantaram a propriedade privada. Indivíduos não
podiam contratar outras pessoas e acumular grandes riquezas pessoais de
seu trabalho. Novamente, comparado com os padrões ocidentais, a
diferença nos ganhos e economias entre a população eram geralmente
modestos. A renda entre os maiores e menores assalariados na União
Soviética era de cinco para uma. Nos Estados Unidos, a renda média entre
os maiores multibilionários e os pobres trabalhadores é de 10.000 para
1.
Terceiro,
a prioridade era colocada sobre os serviços humanos. Embora a vida sob o
comunismo deixou muito a desejar e os serviços eram raramente os
melhores, os países comunistas garantiram aos seus cidadãos o mínimo
padrão de sobrevivência e seguridade econômica, incluindo educação
garantida, emprego, habitação e assistência médica.
Quarto,
os países comunistas não visavam a penetração do capital de outros
países. Carecendo de uma motivação de lucro como sua força motor e assim
não tendo a constante necessidade de encontrar novas oportunidades de
investimentos, eles não expropriaram as terras, o trabalho, os mercados e
recursos naturais de nações mais fracas, isto é, não praticaram o
imperialismo econômico. A União Soviética conduziu o comércio e relações
de ajuda em termos geralmente favoráveis às nações do Leste Europeu e
Mongólia, Cuba e Índia.
Tudo
acima fez parte dos princípios organizacionais de cada sistema
comunista num ou outro degrau. Nenhum deles se aplica a países de livre
mercado como Honduras, Guatemala, Tailândia, Coréia do Sul, Chile,
Indonésia, Zaire, Alemanha ou Estados Unidos.
Mas
um verdadeiro socialismo, argumenta-se, seria controlado pelos próprios
operários através de participação direta, em vez de ser dirigido por
leninistas, estalinistas, castristas, ou outros patologicamente sedentos
de poder, burocráticos, homens cabalmente maus que traem revoluções.
Infelizmente, esse “socialismo puro” é uma figura não-histórica e
não-falsificada; ela não pode ser posta a prova contra as atualidades da
história. Ela compara um ideal com uma realidade imperfeita, e a
realidade vem num mísero segundo. Ela imagina o que o socialismo poderia
ter sido num mundo bem melhor do que este, onde não há fortes
estruturas de Estado ou força de segurança é requerida, onde nenhum dos
valores produzidos pelos trabalhadores precisa ser expropriado para
reconstruir a sociedade e defendê-la da invasão externa e sabotagem
interna.
As
antecipações ideológicas dos socialistas puros tão intangíveis na
prática. Elas não explicam como desdobramentos de uma sociedade
revolucionária seriam organizadas, como ataques externos e sabotagem
interna seria combatida, como a burocracia seria evitada, recursos
escassos alocados, diferenças políticas abordadas, prioridades
estabelecidas, e produção e distribuição conduzidas. Em vez disso, eles
oferecem vagas declarações sobre como os trabalhadores iriam diretamente
possuir e controlar os meios de produção e chegariam em suas próprias
soluções através de uma luta criativa. Não é nenhuma surpresa que os
socialistas puros apoiam cada revolução, exceto as que tiveram sucesso.
Os
socialistas puros tem uma visão de uma nova sociedade que criaria e
seria criada por novas pessoas, uma sociedade tão transformada em seus
fundamentos que deixaria pouco espaço para erros, corrupção e abusos
criminosos do poder do Estado. Não haveria burocracia ou oportunistas
interesseiros, nenhum conflito rude ou decisões dolorosas. Quando a
realidade prova ser diferente e mais difícil, alguns na esquerda
procedem em sua condenação do real e anunciam que “sentem-se traídos”
por esta ou aquela revolução.
Os
socialistas puros veem o socialismo como um ideal que foi manchado pela
venalidade, duplicidade e sede de poder dos comunistas. Os socialistas
puros opõem-se ao modelo soviético, mas oferecem poucas evidências para
demonstrar que outros caminhos poderiam ter sido adotados, que outros
modelos de socialismo – não o criado pela imaginação de alguém, mas
desenvolvido sob a experiência histórica – poderia ter se firmado e
funcionado melhor. Era possível um socialismo aberto, plural e
democrático possível sob esta conjuntura histórica? A evidência
histórica sugere que não. Como sustentou o filósofo político Carl
Shames:
Como(os
críticos de esquerda) sabem que o problema fundamental era a “natureza”
dos partidos(revolucionários) governantes em vez de dizer que a
concentração global do capital está destruindo todas as economias
independentes e colocam um fim à soberania nacional em todo lugar? E
nesse plano, de onde veio essa “natureza”? Essa “natureza” estava
desconcertada, desconectada da própria sociedade em si, das relações
sociais impactantes? (…) Centenas de exemplos nos quais a centralização
do poder foi uma escolha necessária podem ser encontrados para proteger e
assegurar as relações socialistas. Em minha observação(das sociedades
comunistas existentes), o lado positivo do “socialismo” e a negação da
“burocracia, autoritarismo e tirania” faziam parte de cada esfera da
vida” (Carl Shames, correspondência a mim, 15/01/92)
Os
socialistas puros regularmente acusam a própria esquerda da derrota que
sofrem. Os seus achismos são infindáveis. Então ouvimos dizer que lutas
revolucionárias falham por que seus líderes esperam demais para agir ou
agem cedo demais, são tímidos demais ou impulsivos demais, muito
teimosos ou facilmente influenciáveis. Ouvimos dizer que líderes
revolucionários são comprometedores ou aventureiros, burocráticos ou
oportunistas, rigidamente organizados ou insuficientemente organizados,
não democráticos ou falham para oferecer forte liderança. Mas sempre os
líderes falham por que eles não aceleram as “ações diretas” dos
trabalhadores, que aparentemente iriam contornar e resolver cada
adversidade se lhes fosse dado algum tipo de liderança disponível nos
grupelhos dos críticos de esquerda. Infelizmente, os críticos parecem
inaptos para aplicar seu próprio gênio de liderança para produzir um
movimento revolucionário de sucesso em seu próprio país.
Tony Febbo questiona essa síndrome de “culpar a liderança” dos socialistas puros:
“Parece-me
que quando pessoas tão inteligentes, diferentes, dedicadas e heroicas
como Lenin, Mao, Fidel castro, Daniel Ortega, Ho Chi Minh e Robert
Mugabe – e milhões de pessoas heroicas que os seguiram e com eles
lutaram – tudo termina mais ou menos no mesmo lugar, então algo maior
está funcionando do que quem toma as decisões ou em qual encontro. Ou
mesmo do que o tamanho das casas para as quais eles vão após o
encontro...
Esses
líderes não estavam no vácuo. Eles estavam em um tornado. E tal sucção,
a força, o poder que girava em torno deles deixou esse mundo mutilado
por mais de 900 anos. E culpar esta ou aquela teoria, ou este ou aquele
líder é um substituto simplista para o tipo de análise que os
marxistas(deveriam fazer).” (Guardian, 13/11/91)
Para
ser exato, os socialistas puros não são inteiramente diferentes sem
agendas específicas para construir a revolução. Depois que os
sandinistas derrubaram a ditadura de Somoza na Nicarágua, um grupo de
ultra-esquerda no país clamava por uma propriedade das fábricas feita
diretamente pelos trabalhadores. Os operários armados tomariam o
controle da produção sem benefício de diretores, planejadores estatais,
burocratas ou forças armadas formais. Enquanto inegavelmente atraente,
esse sindicalismo operário nega as necessidades de um poder estatal. Sob
tal organização, a revolução nicaraguense não teria durado sequer dois
meses ante a contrarrevolução patrocinada pelos EUA que devastou o país.
Ela estaria inapta para mobilizar recursos necessários para manter um
exército, tomar medidas de segurança, ou construir e coordenar programas
econômicos e serviços humanos em escala nacional.
Descentralização vs. Sobrevivência
Para
uma revolução popular sobreviver, ela deve conquistar o poder de Estado
e usá-lo para quebrar o domínio exercito pela classe dominante sobre as
instituições e recursos da sociedade, e resistir ao contra-ataque
reacionário que certamente virá. Os perigos internos e externos que uma
revolução enfrenta necessitam de um poder centralizado que não satisfaz
aos gostos de muitos, nem na Rússia Soviética de 1917, nem na Nicarágua
sandinista de 1980.
Engels
oferece uma avaliação pertinente de uma revolta na Espanha em 1872-73
na qual os anarquistas alcançaram o poder ao longo do país.
Primeiramente, a situação prometia. O rei abdicou e o governo burguês
mal contava com algumas centenas de tropas mal treinadas. Todavia, essa
força triunfou por ter enfrentado uma rebelião paroquiada. “Cada cidade
proclamou-se com um cantão soberano e estabeleceu um comitê
revolucionário(junta)”, Engels escreve. “Cada cidade agiu por conta
própria, declarando que o importante seria não a cooperação com outras
cidades, mas a separação delas, assim precluindo qualquer possibilidade
de um ataque combinado(contra as forças burguesas)”. Foi a fragmentação e
isolamento das forças revolucionárias que possibilitaram as tropas do
governo esmagar uma revolta após a outra”.
A
autonomia paroquiada descentralizada é o cemitério da insurgência – o
que pode ser a razão pela qual jamais houve uma rebelião
anarco-sindicalista de sucesso. Idealmente, seria bom ter apenas uma
participação local, autogestionada, dos trabalhadores, com a mínima
burocracia, polícia e forças armadas. Esse seria provavelmente o
desenvolvimento do socialismo, se fosse permitido a ele se desenvolver
sem problemas com a contrarrevolução subversiva e ataques. Alguns talvez
se lembrem como em 1918-20, quatorze países capitalistas, incluindo os
Estados Unidos, invadiram a Rússia Soviética em uma sangrenta, mas
afracassada tentativa de derrubar o governo revolucionário bolchevique.
Os anos da invasão estrangeira e guerra civil contribuíram para reforçar
a psicologia de cerco bolchevique em seu compromisso com a sincronia de
unidade do partido e um aparato de segurança repressivo. Assim, em maio
de 1921, o mesmo Lenin que encorajou a prática de democracia partidária
interna e lutou contra Trotsky para garantir aos sindicatos maior
autonomia, agora clamava pelo fim da Oposição Operária e outros grupos
dentro do partido. “A hora chegou”, ele disse entusiasticamente no X
Congresso do Partido, “de por um fim à oposição, de fazê-la cessar: nós
temos oposição demais”. Disputas abertas e tendências conflitantes
dentro e fora do partido, os comunistas concluíram, criaram uma
aparência de divisão e fraqueza que convidava o ataque de formidáveis
inimigos.
Um
mês antes, em abril de 1921, Lenin clamara por mais representação
operária no Comitê Central do partido. Em poucas palavras, ele não se
tornara anti-operário, mas anti-oposição. Havia aqui uma revolução
social – como qualquer outra – que não teve a permissão de desenvolver
sua vida política e material sem óbices.
Durante
os anos 20, os soviéticos enfrentaram a escolha de se mover numa
direção centralizada com uma economia dirigida e coletivização agrária
forçada e uma industrialização a toda velocidade sob um partido
dirigente e autocrático, a estrada adotada por Stalin, ou mover-se numa
direção liberalizada, permitindo mais diversidade política, mais
autonomia para os sindicatos e outras organizações, mais debate aberto e
críticas, maior autonomia entre as várias repúblicas soviéticas, um
setor de pequenos negócios privados, desenvolvimento agrícola
independente pelo campesinato, grande ênfase nos bens de consumo e menos
esforços na acumulação de capital necessário para construir uma forte
base militar-industrial.
O
último tipo, acredito, teria produzido uma sociedade mais confortável,
mais humana e com melhores serviços. O socialismo de cerco teria dado
lugar ao caminho para o socialismo de consumo operário. O problema é que
o país teria arriscado ser incapaz de resistir à ofensiva nazista. Em
vez disso, a União Soviética embarcou numa rigorosa e forçada
industrialização. Esta política tem sido frequentemente mencionada como
um dos erros perpetrados por Stalin sobre seu povo. Consistia mais em
construir, dentro de uma década, uma base industrial inteiramente nova
no Leste, nos Urais, em meio às estepes agrestes, o maior complexo de
aço da Europa, em antecipação à invasão do Ocidente. “O dinheiro foi
gasto como água, homens congelaram, tiveram fome e sofreram, mas a
construção se deu com o desrespeito por indivíduos e um heroísmo de
massas sem paralelo na história”.
A
profecia de Stalin de que a União Soviética tinha apenas dez anos para
fazer o que os britânicos fizeram em um século provou-se correta. Quando
os nazistas invadiram em 1941, a mesma base industrial, seguramente
distanciada em milhas do fronte, produziram as armas da guerra que
eventualmente mudaram o rumo da maré. O custo dessa sobrevivência
incluiu 22 milhões de soviéticos que pereceram na guerra e
incomensurável devastação e sofrimento, os efeitos distorceriam a
sociedade soviética por décadas depois.
Tudo
isso não quer dizer que tudo que Stalin fez foi uma necessidade
histórica. As exigências da sobrevivência revolucionária não “tornam
inevitáveis” a execução sem coração de centenas de velhos líderes
bolcheviques, o culto da personalidade de um líder supremo que clamava
cada ganho revolucionário como sua própria conquista, a supressão da
vida política do partido através do terror, o eventual silenciamento do
debate referente ao ritmo da industrialização e coletivização, a
regulação ideológica de toda a vida intelectual e cultural, as
deportações em massa de nacionalidades “suspeitas”.
Os
efeitos transformadores do ataque contrarrevolucionário tem sido
sentido em outros países. Uma oficial sandinista que eu conheci em
Viena, em 1986, notou que os nicaraguenses não eram um “povo guerreiro”,
mas eles tiveram que aprender a lutar por que estavam face a uma guerra
destrutiva, mercenária, patrocinada pelos EUA. Ela enfatizou o fato de
que a guerra e o embargo forçaram seu país a protelar sua agenda
socioeconômica. Tal como com a Nicarágua, tal como Moçambique, Angola e
numerosos outros países nos quais forças mercenárias dos EUA destruíram
fazendas, vilas, centros de saúde e estações de energia, ao passo que
matavam ou traziam a fome para centenas de milhões – o bebê
revolucionário foi estrangulado em seu berço ou impiedosamente sangrado
antes de seu reconhecimento. Essa realidade deve ganhar tanto
reconhecimento quanto a supressão de dissidentes nesta ou naquela
sociedade revolucionária.
A
derrubada dos governos comunistas soviético e do Leste Europeu foi
aplaudida por muitos intelectuais de esquerda. Agora a democracia teria
seu dia. O povo estaria livre do julgo do comunismo e a esquerda dos EUA
estaria livre do albatroz de tal comunismo existente, como Richard
Lichtman colocou, “liberada do íncubo da União Soviética e da súcubo da
China comunista”.
Na
verdade, a restauração capitalista na Europa Oriental enfraqueceu
seriamente as numerosas lutas de libertação do Terceiro Mundo que
recebiam ajuda da União Soviética e trouxe uma nova onda de governos de
direita, os que agora funcionam lado a lado com as contrarrevoluções
globais dos EUA ao longo do globo.
Em
adição, a derrubada do comunismo deu luz verde para os impulsos
exploratórios descontrolados dos interesses corporativos ocidentais. Não
há mais a necessidade de convencer aos trabalhadores que eles vivem
melhor que seus colegas na Rússia, não estão num sistema concorrente, a
classe corporativa está retirando as principais conquistas que o povo
trabalhador conseguiu ao longo dos anos. “Capitalismo com face humana”
está sendo substituído por “capitalismo na sua face”. Como Richar Levisn
coloca, “então na nova agressividade exuberante do capitalismo mundial
nós vemos do que haviam se distanciado os comunistas e seus aliados”
(Monthly review, 9/96).
Tendo
jamais entendido o papel dos poderes comunistas existentes desempenhado
no temperamento dos piores impulsos do capitalismo ocidental, e tendo
percebido o comunismo como nada além de um mal não mitigado, os
anticomunistas de esquerda não fizeram nada para antecipar as perdas que
estavam por vir. Alguns deles ainda não entendem isso.
*Michael
Parenti é um cientista político, jornalista, escritor, historiador,
crítico de cultura internacionalmente conhecido e vencedor de diversas
premiações, escrevendo acerca de assuntos acadêmicos e populares por
mais de quarenta anos. Lecionou em diversas universidades e faculdades e
tem sido um convidado para diversas audiências e leituras em campi. O
professor doutor Michael Parenti também foi ativista em diversas lutas
políticas, especialmente movimentos contra a guerra. Tendo escrito mais
de vinte livros, alguns publicados em língua portuguesa, seus temas
favoritos são a política americana, assuntos internacionais, notícias e
entretenimento, ideologia, historiografia, culturas nacionais e
religião.
Dentre
seus vários trabalhos em língua inglesa, dois são bastante conhecidos
em língua portuguesa, "O assassinato de Júlio César" e "A cruzada
anticomunista". O autor de A Página Vermelha teve a oportunidade de
trocar ideias com o autor americano através de correspondências,
mostrando-se como um intelectual aberto e receptivo.
Fonte - A Página Vermelha
Fonte - A Página Vermelha
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