quarta-feira, 19 de setembro de 2012

1934, Upton Sinclair: Pelo fim da pobreza na Califórnia e os limites disso

 

Um verdadeiro socialista poderia ganhar poder nos EUA?

Como um deles, o candidato democrata ao governo da Califórnia Upton Sinclair, quase conseguiu nos anos 1930







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Como todos nós sabemos, o presidente Barack Obama dificilmente mereceria a alcunha de “socialista”, atirada sobre ele por comentaristas e candidatos alinhados à direita. Há sim um socialista proeminente em Washington DC, mas se trata do senador Bernie Sanders, que vem de um estado muito pequeno e age como uma verdadeira voz no deserto. Olhando para o exterior, os eleitores franceses elegeram, neste ano, um socialista – François Holland – para administrar seu governo. É a primeira vez que isso acontece em duas décadas. Isso poderia acontecer em breve na América, ou em algum outro momento?

Progressistas, sejam eles com o P maiúsculo ou não, têm ocasionalmente tomado as rédeas de uma cidade grande ou de um estado pequeno. Mas, talvez para o exemplo maior de uma posse iminente em um estado gigante, seja preciso voltar quase 80 anos.

Entre todos os movimentos de massa de esquerda que surgiram nos primeiros anos da Grande Depressão, a cruzada de Upton Sinclair com o “Fim da Pobreza na Califórnia" (ou EPIC, sigla para End Poverty in California) provou-se mais influente, e não apenas ao ajudar a empurrar o New Deal mais à esquerda.

A ameaça representada por Sinclair – depois que ele ganhou facilmente as primárias democratas para governador – alarmou tão profundamente os conservadores que, 78 anos atrás, ela provocou a criação da campanha política moderna, com a dependência de armas contratadas, propagandas e truques de mídia, angariação de fundos nacionais, anúncios com ataques nas telas e mais.

Perfilando dois dos criadores da campanha anti-Sinclair, Carey McWilliams chamaria isso (no The Nation) “uma nova era na política norte-americana – governo por relações públicas”. O fato também provou o primeiro mergulho completo de Hollywood na política, o que, por sua vez, inspirou a inclinação para a esquerda da colônia de filmes, fato que perdura até hoje. (ATUALIZAÇÃO: Jill Lepore publicou um texto importante na New Yorker desta semana sobre o nascimento da política moderna, começando com a campanha de Sinclair – embora sem dar o crédito para meu trabalho sobre isso. Há pelo menos dois erros nesse texto).

De volta ao outono de 1934, analistas políticos, colunistas da área de finanças e assessores da Casa Branca por uma vez concordaram: a vitória de Sinclair nas primárias marcou a maré alta do radicalismo eleitoral nos Estados Unidos. O novelista de esquerda Theodore Dreiser escreveu um texto para a revista Esquire declarando o EPIC “o mais impressionante fenômeno político que a América já havia produzido”. O New York Times chamou-o de “o primeiro movimento sério contra o sistema de lucros nos Estados Unidos. Aqui está uma visão geral sobre isso:



Sinclair perdeu em novembro, mas o sucesso inspirador de seu movimento de massa – entre outras coisas, ele basicamente criou a ala liberal do Partido Democrata no estado, que também perdura até hoje – e sua poderosa influência sobre um presidente novo e vacilante merece um estudo detalhado. (Nota: Meu livro sobre as eleições de 1934, A Campanha do Século (The Campaign of the Century), ganhador do prêmio Goldsmith, foi publicado recentemente em edição impressa e em e-book).

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Aproximadamente trés décadas depois que seu clássico romance A selva (The Jungle, 1906) expôs as condições perigosas e abusivas na indústria de empacotamento de carne, Sinclair decidiu: “Você escreveu o suficiente. O que o mundo precisa é de ação”. Sinclair, que se mudou para a Califórnia em 1916, escreveu dezenas de livros influentes enquanto encontrava tempo para acender numerosas lutas por liberdades civis e controvérsias literárias. Foi preso e se tornou talvez o mais conhecido borte-americano de esquerda no exterior.

Ele concorreu duas vezes para o governo do estado da Califórnia na linha socialista, com poucos resultados, mas a eleição de Franklin Delano Roosevelt em 1932 o encorajou a dar aos democratas uma reviravolta.

Enquanto ele apoiava o New Deal, viu que o plano não iria longe o suficiente. Hugh Johnson, que fez parte da Administração de Recuperação Nacional (National Recovery Administration) de Roosevelt, tinha permitido a existência de grandes negócios para subverter suas diretrizes, e pairava uma greve do setor têxtil. Aproximadamente uma em cada quatro pessoas estava sob assistência do New Deal em Nova York, e os números eram apenas um pouco melhores em muitas outras grandes cidades. Pagamentos adequados de assistência e alguma forma de segurança social foram prometidos, mas ainda não realizados até então.

Então, o membro mais conhecido do Partido Socialista no país mudou sua filiação para o Partido Democrata e usou sua caneta uma vez mais, escrevendo e publicando por conta própria um panfleto, “Eu, Governador da Califórnia e como acabei com a pobreza” (I, Governor of California and How I Ended Poverty). Dessa forma, ele começou a fazer sua fantasia se tornar realidade.

Embora Sinclair pudesse ter milhares de votos sozinho, com base no reconhecimento em torno de seu nome, ele considerou que um movimento de massa seria a sua maior esperança. Milhares de pessoas rapidamente se juntaram à causa, organizando clubes da Liga pelo Fim da Pobreza (End Poverty League) por todo o estado. Nota para Obama (e para o Occupy?): um plano detalhado, passo a passo – “um plano de fuga”, como Sinclair colocou – e um coturno ajudarão.

Sinclair, em poucas palavras, delineou um plano clássico de produção-para-uso, no qual todos os desempregados seriam colocados para trabalhar em fábricas fechadas ou em fazendas não utilizadas, comercializando produtos, fornecendo as necessidades. Ninguém ficaria faminto ou sem teto. Os idosos ou doentes obteriam assistência ou pensões. As cooperativas receberiam ajuda do Estado. Outro auxílio presente na plataforma: abrir estúdios abandonados e ajudar cineastas desempregados a fazer seus próprios filmes. Naturalmente, isso fez com que a maioria dos chefes de estúdio de Hollywood ameaçasse mudar suas operações para a Flórida.

Muitos daqueles que simpatizaram com Sinclair – incluindo seu amigo McWilliams, o jovem escritor californiano e futuro editor do The Nation – encontraram algumas perversidades nos detalhes do plano, mas o candidato prometeu desconsiderar tudo o que não funcionasse ou não pudesse funcionar.

Tendo a caneta como sua única arma, Sinclair conduziu um exército de utópicos loucos, trabalhadores desempregados, refugiados de Dust Bowl e todos os esquerdistas para assumir “os interesses investidos”. Ele escreveu: “Nossos oponentes disseram a vocês que tudo isso aqui é socialismo e comunismo. Nós não somos os menos preocupados”. “Eu, Governador...” tornou-se o livro mais vendido do estado. Os clubes EPIC continuaram surgindo feito cogumelos, mantidos em grande parte pela venda de pão, rodeios e comícios; e um jornal semanal, o EPIC Notícias (EPIC News), atingiu uma circulação de aproximadamente 1 milhão no dia das primárias, em agosto de 1934.

Sinclair venceu facilmente as primárias democratas. Dezenas de candidatos ligados ao EPIC também ganharam as prévias para disputar pelo partido cargos no Senado e na Câmara, incluindo Augustus Hawkins e Jerry Voorhis, ambos futuros congressistas. “Este é um movimento espontâneo que se disseminou por todo o estado com base no trabalho não-remunerado de dezenas de milhares de trabalhadores dedicados”, Sinclair declarou. “Eles foram chamados de amadores, mas colocaram todos os políticos profissionais na prateleira”.

Tudo o que permaneceu entre o EPIC e a mansão do governador foi um infeliz charlatão republicano chamado Frank “Velho Careca” (Old Baldy) Merriam, que tinha se tornado governador depois da morte do “Alegre Jim” (Sunny Jim) Rolph.

Onde esteve Franklin Delano Roosevelt? Poucos dias depois de ganhar as prévias, Sinclair pegou um trem para o leste para se encontrar com o presidente no Hyde Park, sob o brilho da cobertura da imprensa nacional.

A Casa Branca estava dividida. Sinclair era um verdadeiro radical e um canhão solto. Roosevelt e seu diretor político, Jim Farley, temiam que o presidente, já acusado pela direita de ser um socialista – liderada pelo padre Coughlin, o Glenn Beck ou Rush Limbaugh dos dias atuais –, não pudesse suportar essa mancha. Aqueles com maior inclinação para a esquerda, tais como Eleanor Roosevelt e Harry Hopkins, estavam muito mais entusiasmados com o EPIC.

E então havia a significativa questão de Sinclair ser o candidato do partido em um ano em que controlar um estado majoritário era de vital importância. Franklin Delano Roosevelt acreditava que o maior desafio para o dirigente de uma democracia não era se afastar de reacionários, mas se reconciliar com e unir os progressistas.

Durante o encontro no Hyde Park, Roosevelt sugeriu que "experiências" no quadro geral da estrutura do New Deal poderiam ser valiosas. Sinclair estava otimista, mas o presidente manteve à distância qualquer demonstração pública de apoio público.

Enquanto isso, a organização EPIC surgia na Califórnia. O número de seções locais era agora superior a 800, e circulação do EPIC Notícias atingiu surpreendentes dois milhões. Distritos eleitorais negros que haviam votado confiantemente com os republicanos (o legado de Lincoln) estavam então divididos ao meio. Mesmo alguns roteiristas de Hollywood, como Dorothy Parker, que normalmente mantinha em segredo suas preferências políticas na colônia de filmes alinhada à direita, falou a favor de Sinclair. Assim o fez Charlie Chaplin.

Campanha contra

Mas os "interesses investidos" organizaram a mais campanha mais luxuosa, criativa, suja e enganosa já vista – digna de se tornar um marco na política norte-americana. Seria muita coisa para descrever neste espaço limitado (este é o foco do meu livro “A Campanha do Século”, que acaba de ser publicado como e-book pela primeira vez e em uma nova edição impressa), mas envolveu uma grande campanha majoritária com anúncios externos, propaganda, mídia e consultores para arrecadação de fundos pela primeira vez. O que sobrou da campanha oficial republicana foi administrado por um advogado local chamado Earl Warren.

Jornais da Califórnia, liderados por William Randolph Hearst e Harry Chandler, cobriam apenas atividades de Merriam, enquanto zombavam dia após dia de Sinclair com citações fora de contexto de seus livros e romances. (O Los Angeles Times de Chandler se referia ao “bando de vermes” adeptos de Sinclair). Magnatas de Hollywood, além de ameaçarem uma mudança para a Flórida, privavam a maioria dos empregados de seu pagamento diário, dando o dinheiro diretamente para os cofres do Merriam. Milhões de dólares para derrotar Sinclair jorraram de interesses empresariais em todo o país, todos fora dos livros. E depois havia os anúncios com ataques diretos (por exemplo, pequenos documentários) exibidos em salas de cinema de todo o estado, criados pelo santíssimo produtor de cinema Irving Thalberg, causando tumultos em alguns lugares – foi o precursor dos spots negativos veiculados atualmente na TV. Você pode assistir a trechos desses pequenos documentários históricos – que eu descobri ao pesquisar para o meu livro –, o primeiro uso das telas para derrotar um candidato, neste vídeo:



Franklin Delano Roosevelt, demonstrando uma tendência parecida com a de Obama, esperou, recusando-se a fazer um movimento ousado para ajudar a evitar que Sinclair fosse injustamente atacado. Como resultado, Sinclair ficou atrás nas pesquisas e, em seguida, o presidente foi aconselhado a não apoiar um provável perdedor. Farley enviou um emissário para a Califórnia para fazer um acordo com Merriam: se o governador republicano prometesse colocar o New Deal novamente na pauta, a Casa Branca permaneceria em silêncio sobre Sinclair.

O fervor do EPIC continuou até as eleições. Ativistas, olhando para seus números e energia, estavam certos de que seu candidato iria prevalecer. Sinclair, de fato, receberia cerca de 900 mil votos, o dobro do total histórico obtido por um democrata no estado, mas ainda terminaria com 200 mil votos atrás de Merriam. Revelando a verdadeira força do movimento popular, no entanto, duas dezenas de candidatos do EPIC venceram as eleições para o legislativo estadual, incluindo Hawkins e Culbert Olson.

The Nation concluiu que a derrota de Sinclair "mostra o que vai acontecer com qualquer radical que tentar desafiar a ordem existente por meio de uma máquina antiga de partido". Décadas mais tarde, poderíamos dizer que Barack Obama não é radical, mas a sua dependência em relação ao “antigo partido” depois de chegar à Casa Branca danificou, ou até mesmo amaldiçoou as chances de seu mandato se tornar um verdadeiro instrumento de mudança.

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O legado da campanha do EPIC? Merriam adotou a maior parte do New Deal, fornecendo pelo menos alguma ajuda para o sofrimento dos californianos. Respondendo aos ultrajes feitos pelos magnatas de Hollywood durante a campanha, atores e escritores guinaram à esquerda e reforçaram febrilmente seus incipientes sindicatos.

No cenário nacional, a demonstração de força de Sinclair encorajou o governador de Minnesota, Floyd Olson, a prognosticar uma revolta agrária que provocaria queda do “sistema do lucro”, e cinco congressistas de esquerda convocaram uma conferência para explorar uma proposta de criação de um terceiro partido. Lewis Schwellenbach ganhou, no Noroeste, uma disputa no Senado pelo EPIC na plataforma de Washington. Os La Follettes e seu Partido Progressista praticamente assumiram Wisconsin.

Encorajado pelos resultados das eleições e pela demonstração de força de Sinclair, Harry Hopkins propôs, ao final de 1934, um programa bastante abrangente, chamado de “Fim da Pobreza na América”, sobre o qual o New York Times disse que "difere do plano do Sr. Sinclair em detalhes, mas não em sua essência". Junto de outros movimentos populares – a partir do plano de pensão Townsend para o Huey Long em Louisiana –, mas mais ainda, o EPIC exerceu uma pressão de esquerda sobre o New Deal, influenciando fortemente na legislação inovadora de Roosevelt para a Segurança Social e obras públicas. O "segundo New Deal", que também incluiu o Works Progress Administration and National Labor Relations Act, seria mais pro-trabalhador e anti-negócios que o primeiro.

À medida que se debate como avançar, temos aqui algumas lições para hoje e para o movimento Occupy? Mobilização eleitoral para provar o apoio da base para uma opção "radical" geralmente produz resultados positivos, mesmo que isso não seja certo imediatamente, e mesmo que os candidatos sejam derrotados.

Revelando outro resultado típico, a campanha do EPIC dividiu-se entre permanecer no negócio da eleição ou se alinhar com o movimento de cooperativas e outros grupos de fora do sistema partidário. Quando Sinclair voltou a escrever livros, a Liga pelo Fim da Pobreza e o EPIC Notícias lentamente declinaram, revelando os perigos de se depender demais de uma única figura inspiradora para liderar um movimento de massa (um alerta providencial ao Occupy). Evidentemente, nós vimos isso nestes últimos anos com Jesse Jackson e a Coalisão Rainbow, isso sem mencionar Ross Perot e seu “movimento”.

Ainda, uma revolta contra as táticas dos republicanos na campanha de 34 ajudou a empurrar Culbert Olson à eleição, em 1938, como o primeiro governador daquele estado democrata em décadas – derrotando Merriam por 200 mil votos. Olson contratou o parceiro de Sincair, McWillians, para dirigir a agência de imigração e habitação do estado.

Muitos anos depois da eleição de Sinclair, McWillians observou que ele ainda via cafeterias do EPIC “nas mais remotas e inacessíveis comunidades da Califórnia” e slogans do EPIC “pintados em pedras no deserto, esculpidos em árvores na floresta e pichado nas paredes de campos de trabalho”. Enquanto ele questionou a habilidade de Sinclair para governar, também saudou sua “convicção de que a pobreza foi feita pelo homem, que você não precisa dela”. Mas o eterno debate—trabalhar dentro ou fora do sistema bipartidário?— continua, da forma como deveria.

* Greg Mitchell escreve um blog diário para o The Nation. Seu livro The Campaign of the Century (A campanha do século) que, em 1934, venceu o Goldsmith Book Prize, foi recentemente publicado em um e-book e em edição impressa. Outros livros de Mitchell incluem Atomic Cover-up, The Age of WikiLeaks, Tricky Dick and the Pink Lady, So Wrong for So Long , Why Obama Won and, with Robert Jay Lifton, Hiroshima in America. Contato: epic1934@aol.com

Artigo originalmente publicado no The Nation
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