segunda-feira, 23 de abril de 2012

As insurreições no Oriente Próximo e as tentativas imperialistas de desestabilizar a região.*





Leila Ghanem1

Mais uma vez o Oriente Médio (o Mundo Árabe, em específico), mostra que é capaz de gerar movimentos de resistência (Líbano, Iraque, Palestina), de transformar as aventuras coloniais em derrotas militares categóricas e dar início a um ciclo de revoltas populares (e se trata de um ciclo que foi interrompido pelo Escudo do Golfo2) no Iêmen, Jordânia, Bahrein, Marrocos, ocasionando uma intervenção militar imperialista na Líbia e as tentativas ainda em curso na Síria... Desde então estes eventos não são mais um assunto local e seu impacto diz respeito a todos nós...

Faço, aqui, uma distinção na minha análise entre os casos sírio e líbio, sujeitos a manobras colonialistas específicas do eixo EUA / França / Escudo do Golfo.

I - O impacto estratégico das revoltas no Oriente Próximo e as tentativas de desestabilizar os estados da região

É claro que estas insurreições se espalham em escala internacional através da crônica jornalística. Os efeitos das ressonâncias são propagados nas metrópoles capitalistas até Wall Street e não é por acaso que dois grandes países (EUA e França) conduzem suas batalhas eleitorais sob o signo dessas revoltas.

Na ocasião de sua campanha eleitoral, Obama anunciou seu plano para "estabilizar e modernizar as economias egípcia e tunisiana". Também, por ordem de Washington, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional discutirão este projeto na cúpula G-8, em 26-27 de mai, na França. Obama, ainda, anuncia que os Estados Unidos estão criando "fundos empresariais para investimentos de empresas no Egito e Tunísia, como o modelo do que foi sustentado na transição da Europa Oriental"
3. O Egito e a Tunísia ainda não superaram a sujeição às potências ocidentais, representada nos planos de reajustes estruturais que foram a origem externa das revoltas que estouraram nestes dois países e que queremos transformar em laboratórios deste "novo plano econômico neocolonial"4. O auxílio concedido a estes projetos não excedem 1 milhão de dólares e vai apertar ainda mais o garrote da dívida5. Mas, este projeto foi amplamente contestado no Egito6, onde se viu várias iniciativas, inclusive uma autorização nacional feita por um sheik, para coletar localmente este dinheiro. O povo egípcio sabe agora que seu país foi pilhado de cima a baixo. Um dos instigadores da revolta estava de acordo a respeito do gás (o que decorre dos tratados de Camp David) em favor do qual o Egito se obrigou a vender seu gás a Israel três vezes mais barato do que o preço de mercado, ou

seja, é ele que dá um presente a Israel de 3 bilhões de dólares por ano7. Logo, não apenas poderíamos passar sem a ajuda americana, mas ainda utilizar o 1,5 bilhão dado a Israel, para desenvolver uma distribuição energética em um país em que 20% da população vive sem nenhum acesso à energia. Outros acordos, tais como o Quiz, concedem a Israel uma quota de 11,4% sobre os investimentos ditos "pesados".8

Sarkozy conduz sua batalha eleitoral na França sob o signo destas "revoluções", empunhando a importância do papel que ele desempenhou na Líbia e da necessidade, no momento de crise, do patronato francês (MEDES e o arsenal militar e bancário...) definir um novo modelo para a saúde pública. Além disso, Paris se tornou a capital de uma oposição síria marginalizada no interior e corrompida pelo dinheiro do Qatar.

O paradoxo é que o "Escudo do Golfo", à frente do qual se encontram Qatar e Arábia Saudita, age também para armar a oposição síria e libanesa, para financiar Annahda na Tunísia e a Irmandade Muçulmana no Egito, mas ao mesmo tempo financiar a campanha da direita na Europa, sobretudo a de Sarkozy, que utiliza a ira racista anti-imigração árabe como cavalo de batalha de sua campanha para se aliar à extrema direita. Isso nos leva a uma outra batalha de classe que transpassa as terras francesas. A imigração árabe na Europa desempenha um papel importante nas lutas sociais, assim como na luta anti-colonial na Palestina (campanha BDS, barcos para romper o cerco à Gaza).

II – O que quer esta coligação de bandidos (EUA, Israel, Direita Europeia, Arábia Saudita, Qatar)?

Além das razões estratégicas evidentes de controlar as "torneiras" do petróleo e de separar a China da Eurásia (assim se mostra na batalha contra a Síria)... Ela tem por propósito, pura e simplesmente:

1. sufocar, por todos os meios, todas as formas de revolta, impedindo o processo revolucionário na Tunísia e no Egito, mantendo estes dois países dentro da submissão entreguista e a pauperização na "economia de bazar". Os 20 milhões de egípcios que foram às ruas são um fato de uma importância histórica inegável, forçosamente tornando-se exemplo em escala regional e onde quer quea crise do capitalismo se projete mais duramente.

2. desestabilizar o Egito, que ocupa um lugar de liderança no Mundo Árabe, mantendo o
status quo maldito criado pelos acordos de Camp David (os quais estão ligados aos acordos de Oslo, Camp David II, etc...)9

3. Atacar a Líbia e a Síria.

4. Isolar o Irão, minando sua base popular na região (para isso: 1- a revolta xiita do Bahrein foi afogada em sangue; 2 - a oposição iemenita foi sabotada, depois de ter afastado Ali Abdalah Saleh, mas ter mantido toda sua família e seu clã no poder; 3 – os fascistas libaneses, aliados de Israel, foram armados contra a resistência libanesa do Hezbollah, uma vez que os EUA se recusaram a vender armas ao exército legal libanês, culpado de ter repelido uma agressão israelense a suas fronteiras. E enfim, incitar e armar uma resistência islamo-fascista na Síria.

5. Desarmar a resistência libanesa que mudou o jogo no Oriente Próximo, desafiando um dos mais formidáveis exércitos do mundo
10 e que constitui uma ameaça real contra o Estado colonialista de Israel. Esta resistência se tornou o alvo principal da aliança de bandidos americana-israelense, sobretudo porque ela deu um incrível exemplo histórico, revivendo os métodos vietcongues que já fizeram soar o dobre de finados para os ianques na Ásia e, sobretudo, para romper o muro de medo, apesar da correlação de forças desfavorável11, decidindo lutar , ou "para escolher a morrer de pé", como dizemos no nosso jargão local.

Esta resistência é particularmente visada, não por seu caráter religioso, mas porque é de natureza anticolonial. Kissinger havia dito: "Nós não temos medo do Islã político, mas do Islã combativo." Em oposição à "Irmandade Muçulmana", conservadora e pró-ocidental, o Hezbollah não reivindica o poder ou a aplicação da lei islâmica "Sharia", ele é parte de uma frente composta por partidos de esquerda, aí incluído o Partido Comunista Libanês, de partidos políticos anti-imperialistas e todas as confissões em conjunto (cristã, muçulmana, drusa)... Ele coloca como prioridade a luta contra Israel e contra o imperialismo, proclama reformas sociais e impede as tentativas de grilagem de terras no sul do Líbano, mesmo entre seus aliados.12

Não é qualquer coisa vencer o medo de todo o estratagema do 11 de setembro que visava aterrorizar não apenas os países da periferia, mas também as metrópoles... e era uma condição para passar ao estágio do capitalismo predatório, para o retorno ao colonialismo e a tomada direta de todos os recursos do planeta, incluindo a vida... Nós, do Oriente Próximo, fomos o primeiro laboratório deste terror, em todas as escalas militares, econômicas e políticas. Vimos desembarcar os americanos no Iraque com um arsenal de armas não-convencionais, e com eles as empresas como Monsanto, Syngenta, Dow Chemical e outras gigantes do agronegócio alimentar, ou da água, como a Bechtel13.

III - Por que esta obstinação imperialista, apesar da derrota do sistema capitalista (crise, falências, enfraquecimento de sua força de ataque, movimentos de massas por todas as partes, inclusive em Wall Street)?

1. As revoltas que assistimos no Oriente Próximo dão a prova de que o capitalismo atingiu seus limites que chegou a um grau tal de centralização que fez desaparecer toda margem de autonomia fora do poder dos monopólios. E nós não podemos voltar atrás, não podemos

desconcentrar o capital. O movimento natural do capital em direção a uma concentração cada vez maior nos conduziu até aqui onde estamos. E dentro dessas condições "as soluções que poderiam perfeitamente funcionar em uma etapa anterior de centralização do capital – uma vez que o Estado intervinha e que havia setores importantes da economia que podiam responder às incitações e políticas do Estado – não existe mais. É por isso que temos essas agências de
rating, que são a voz direta do capital financeiro e já se tornaram o poder final para decidir a política econômica".14

2. Se é verdadeiro que a insurgência árabe que surgiu na Tunísia e Egito tem incluído a pobreza, a corrupção e a falta de liberdade, é verdade que o ódio contra a dominação ocidental e à ocupação israelense estava presente devido à aliança entre estes dois regimes aos Estados Unidos. A natureza ditatorial desses regimes é um resultado direto de seu papel na manutenção dos interesses imperialistas.

3. Ambas as insurgências têm suas raízes em um processo de lutas que se acumularam desde o início da feroz liberalização da economia que remonta à década de 70, segundo imposição de Bretton Woods (Banco Mundial, FMI, Acordos de Camp David, GATT, OMC) e que tomou forma com os planos chamados estruturais. Para falar apenas da última década entre 2003 e 2010, mais de 3400 movimentos de protesto foram identificados no Egito. Este processo tem sido acompanhado por uma destruição sistemática das instituições do Estado, da concentração dos três poderes nas mãos de uma oligarquia submetida aos Estados Unidos e do estabelecimento de um regime repressivo.

4. O fato de que "estas revoluções não têm cabeça" ajudou a perturbar os analistas da esquerda europeia e do ocidente em geral, que não souberam qualificar estas revoluções populares, as quais não foram obra dos partidos de esquerda
15, mas um movimento espontâneo dos jovens e das massas populares, e não resultaram em uma chegada ao poder das forças revolucionárias. 16

Pois o fato destas revoluções serem desprovidas de direção ideológica não retira nada do seu caráter revolucionário, no sentido de que nos lembra o filósofo comunista Alain Badiou: "Esta ação coletiva, desprovida da autoridade da lei, aquela que Marx denominou ‘o desvanecimento do Estado’, este triunfo, ilegal por natureza, da ação popular, chama-se revolução. Sublevar-se, construir o lugar público do comunismo de movimento, defendendo-o por todos os meios e inventar as etapas sucessivas da ação, este é o real sentido da política popular de emancipação. Comunismo quer dizer aqui: criação em comum do destino coletivo. Resolver sem ajuda do Estado problemas insolúveis, ou seja, o destino de um acontecimento. É isto que faz com que um povo, repentinamente, e por tempo indeterminado, exista, ali onde ele decidiu se reunir".17

No momento atual, este movimento continua, centenas de sindicatos independentes nasceram, bem como comitês de bairro, comitês de acompanhamento para julgar os corrompidos, os traidores..., comissões para discutir a legislação e, sobretudo, uma assembleia para garantir a continuação da revolução a partir de Midan Tahir (esta semana foram definidos de maneira permanente todos os comitês da Praça Tahir).

A continuidade deste movimento é a única garantia da continuidade do processo revolucionário e de parar as manobras imperialistas, e devemos, todos, ser solidários com os movimentos no Egito e na Tunísia, onde os sindicatos e os partidos políticos que fizeram Kasbah II decidiram continuar sua mobilização.

- Nós somos militantes comunistas; devemos garantir uma análise de classe e olhar ao mesmo tempo a tradição leninista e a dinâmica da história.18

IV - Os limites da agressão imperialista

Apesar da agressão imperialista, a correlação de forças não lhe é favorável.

- É verdade que, até o presente momento, as estratégias postas em prática pelas grandes potências não foram colocadas em xeque pelos movimentos, mas as posições do imperialismo dentro da região são muito frágeis. Com a queda das ditaduras abertas que estavam a seu serviço, eles perderam um aliado poderoso.

- Sobre o plano estratégico, os imperialistas saíram fragilizados de seu duplo fracasso no Iraque e no Afeganistão e são incapazes, ao menos num curto prazo, de atacar o Irão
19. (O Estado-maior americano não apoiou esta ideia de uma guerra contra o Irão. As pressões israelenses não tiveram êxito - resposta de Obama a Netanyahou).

- Além disso, o Irão é uma potência de porte (não é nem o Iraque e nem o Afeganistão). Ninguém sabe aonde poderia chegar uma aventura militar no Irão...

- Assistimos a uma concordância de concepções e uma aliança hermética entre o Escudo do Golfo e Israel

- Na Síria, a Rússia e a China colocaram todo seu peso para parar a arrogância estadunidense que quer ditar sua lei como fez na ocasião da guerra contra o Iraque, freando o processo de derrubada do regime [Bashar] Al-Assad e tentando achar uma solução local.

- Outras manobras de estabilização consistem em exacerbar a ira sunita-xiita e é aqui que os wahabitas sauditas e os emires do Qatar atuam plenamente, armando a oposição síria e

corrompendo a oposição do Conselho Nacional Sìrio (CNS, que acaba de entrar em crise por questões financeiras)
20. O objetivo é fechar o cerco ao Irão xiita, para quebrar a aliança entre o Hamas (sunita) e o Hezbollah (xiita), cuja aliança falhou devido à generalização de uma guerra confessional dentro do Islão. Esta tentativa foi para tentar frustrar o Hezbollah que conseguiu criar uma frente unida que envolve todas as três resistências anti-imperialistas na região: iraquiana, palestina e libanesas.

- Os modelos desta desestabilização, que se faz no escuro, nos colocam diante dos seguintes cenários:

I – o Paquistão servirá como modelo para o Egito ou a Tunísia;

II – a somalização da Líbia e da Síria (encontramos hoje na Somália cerca de 45 "governos"... a Líbia está a caminho desde "modelo"... a Síria poderia segui-lo...)

- No Egito, os serviços secretos americanos e israelenses não se desarmam, eles são onipresentes para controlar a situação e preservar o
status quo e os acordos assinados. A Casa Branca havia aberto uma célula permanente cujo intuito era recompor a instituição militar21: Omar Souleiman, Tantawy e os outrora inimigos da Irmandade Muçulmana. Mas, aqui também, nem os militares, nem a Irmandade Muçulmana, podem agir abertamente em favor do bloco Israel-EUA. Por outro lado, os resultados das eleições não são um dado estático. O que podem os islâmicos dar às massas? Qual é seu programa? Por isso, o movimento nas ruas continua e as tropas dos partidos religiosos participam dos movimentos reivindicatórios. Como se disse antes, o medo havia mudado de lado e os povos ainda estão em alerta.

V - Que ensinamentos gerais podemos tirar das revoltas populares que ecoam pelos países do mundo árabe há mais de um ano?

1. A lição principal e fundamental é que os povos quebraram o muro do medo. Esta é uma grande transformação qualitativa. Durante décadas, os povos em questão, sejam os egípcios ou os tunisianos - mas poderíamos nos referir a muitos outros - concordaram em viver sob regimes policiais e mesmo de terror, pensando que era totalmente impossível fazer qualquer coisa. Agora, eles se revoltam.

2. A reversão do processo não é mais concebível. Não importam quais sejam as manobras externas de desestabilização política e as forças que emergem à superfície, seja qual for a importância dos entraves diante das oportunidades para avançar, houve uma transformação qualitativa enorme, porque não podemos voltar atrás - pelo menos não facilmente – rumo a regimes de opressão como os que havia. Revoltas populares continuam e continuarão. Esta é a lição geral.

*INTERVENÇÃO NO SEMINÁRIO INTERNACIONAL DOS 90 ANOS DO PCB (Partido Comunista Brasileiro)

1 Doutora em Antropologia e editora da revista "Alternatives / Bada'el' distribuída em dez países árabes. Foi organizadora do Tribunal Popular de Bruxelas, em 2008, para julgar crimes de guerra israelenses no Líbano. Participou como juíza do tribunal da Opinião de Bogotá para julgar sobre os desaparecidos do regime de Uribe. Ela é a Coordenadora do Fórum Social Internacional de Beirute: o Fórum Social Internacional de Beirute, que aconteceu em 16, 17 e 18 de janeiro de 2009 teve por objetivo criar uma convergência entre as resistências anti-coloniais (no Líbano, na Palestina e no Iraque) e a luta anti-imperialista em escala internacional, bem como com os movimentos de lutas sociais travadas pelos povos para preservar os suas conquistas sociais e os direitos ao trabalho, à saúde e à escola ... por dignidade, justiça e pelo direito de se organizar ... Nossa batalha se orienta a todos que se tornaram alvo de um capitalismo cada vez mais predatório e destrutivo. Duas novidades deram a este fórum um grande impulso: a crise financeira e os acontecimentos em Gaza. Presenciamos uma onda sem precedentes (450 organizações e 60 países) da Ásia (Índia, Irã, Paquistão, Afeganistão), da Europa, dos EUA, da América Latina, e de todos os países árabes ... A plataforma fundadora deste fórum realizou várias reuniões preparatórias em vista do próximo fórum, adiado por conta dos eventos no mundo árabe, particularmente na Síria. (Ver resoluções do Fórum em anexo)

2

3. Um eixo para o movimento revolucionário que chamamos "a memória das lutas" (ontem, o Hezbollah se inspirou nos vietcongues, hoje aqueles do Occupy Wall Street se inspiram em Qassabah [Tunis] e em Midan Tahrir [Cairo]).

Viva a luta dos povos. Que nosso combate continue para enfrentar o capitalismo que se encontra em crise e mais fraco do que nunca. Reforcemos a solidariedade internacional e criemos ligações entre as redes de resistência anti-colonialista (independentemente de suas ideologias)22 e os movimentos anti-imperialistas, bem como de todas as formas de luta contra as instituições financeiras e a ditadura do mercado.

Viva o comunismo, a única alternativa à barbárie do capitalismo.
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