Queops Damasceno
SÃO PAULO – No dia 19 de maio deste ano completaram-se 95 anos do nascimento do revolucionário afro-americano El Hajj Malik Al-Shabazz, mais conhecido como Malcolm X. Sua história de vida e de luta é muito intensa e nos ajuda a entender melhor o desenvolvimento do movimento negro nos Estados Unidos da América e no mundo.
Malcolm nasceu em Omaha, estado de Nebraska, nos EUA, no ano de 1925, e quando tinha apenas seis anos, sua casa foi incendiada por membros da seita racista Ku Klux Klan, que alguns dias depois assassinou seu pai, o pastor negro Earl Little, seguidor de Marcus Garvey. O pai de Malcolm denunciava com veemência a opressão a que o povo negro estava submetido nos EUA e por isso foi brutalmente espancado, linchado, jogado nos trilhos de um bonde e teve seu corpo praticamente dividido em dois, morrendo horas depois.
Após a morte de Earl, a mãe de Malcolm foi internada e perdeu a guarda dos filhos. Malcolm foi então enviado a vários lares adotivos. No nono ano da escola, apesar de ser o único negro da sua sala, havia sido eleito pelos colegas como representante da turma e era a criança que tinha as melhores notas. Após declarar a seu professor que gostaria de ser advogado, este lhe respondeu que as pessoas não o contratariam como advogado por ele ser negro e que, portanto, era melhor que ele seguisse o destino de seu pai e fosse um bom carpinteiro.
Na juventude, Malcolm se rebelou e enveredou pelo caminho do crime. Duas mulheres brancas praticavam os roubos com ele e seu parceiro negro, Shorty. Elas eram também suas namoradas naquele momento. Quando caíram todos nas mãos da polícia e foram levados a julgamento, as duas mulheres foram condenadas a penas reduzidas entre um e dois anos de prisão. Malcolm e Shorty, cujo crime principal, para a consciência da época dos EUA, foi namorar mulheres brancas, foram condenados a 10 anos.
Na cadeia, Malcolm conheceu a Nação do Islã, organização religiosa muçulmana que recontava a História, tendo a perspectiva do homem preto como o homem original e as divindades principais como negras: Jesus, Maomé, Alá etc. Malcolm se converteu e se tornou um dos principais propagadores dessa religião em seu país. A Nação do Islã era liderada por Elijah Muhammad, que se autodenominava mensageiro do deus Alá, e defendia que historicamente o homem branco era o demônio, o responsável por todas as dificuldades enfrentadas pelo afro-americanos.
Em liberdade, Malcolm aproveitava todos os momentos de aglomerações de pessoas para denunciar a brutalidade do Estado americano com o povo negro. No Harlem, sua principal área de atuação, a comunidade negra apresentava uma demanda muito grande de problemas a serem enfrentados. Ao passar da pregação para uma atuação prática de mobilização e desenvolvimento das lutas da população afro-americana contra a fome, o desemprego, a discriminação e a repressão policial, Malcolm começou a expor sistematicamente cada aspecto sistema racista do EUA e tornou-se uma liderança política para milhões homens e mulheres.
Malcolm popularizou muito a organização de Elijah Muhammad. Viajou incessantemente pelo país, construiu mesquitas em quase todas as grandes cidades dos principais estados e fundou um jornal chamado “Muhammad Fala”, que deu uma nova envergadura à Nação do Islã. De 400 adeptos, quando Malcolm ingressou, passou para mais de 40 mil membros depois de seus 12 anos de atuação na organização.
O código moral defendido pelos mulçumanos negros era muito rígido. Malcolm, por exemplo, pediu sua amiga Betty Shabazz em casamento, por telefone, sem nunca ter mantido nenhuma relação amorosa. Além disso, Malcolm se recusava a ter qualquer propriedade em seu nome, exigindo que a própria casa onde morava fosse registrada em nome da organização, convicto de que se algo lhe acontecesse, os seus irmãos de religião se encarregariam de todos os cuidados necessários para com sua esposa e os seus seis filhos que viriam a nascer.
Ao tomar conhecimento de que Elijah Muhhamad, de 67 anos, tinha muitos filhos com várias de suas secretárias, que estavam na casa dos 20 anos, Malcolm questionou a fé inabalável que tinha em seu líder. Buscou em um primeiro momento uma justificativa na Bíblia, com as histórias de Davi, Salomão etc. Mas logo que tentou buscar essa brecha, na tentativa de ser honesto com os fiéis e defender abertamente o “mensageiro de Alá”, descobriu que Muhhamad não estava disposto a fazer o mesmo movimento e que inclusive recorreria, na Justiça, contra os processos de paternidade que se acumulavam em sua mesa, não reconhecendo seus filhos. Malcolm insistiu, mas foi silenciado por 90 dias por seu líder e depois foi afastado e hostilizado pelos administradores das mesquitas que ele próprio ajudou a construir.
Um império foi construído pela Nação do Islã. Uma nova elite negra era dona não só dos recursos das mesquitas, mas também de uma rede extensa de comércio em todo o país, que exortava os negros a deixarem de comprar dos brancos. A proposta de libertar o povo afro-americano pela construção de uma nova elite econômica não modificou a situação em que viviam as massas negras super exploradas e marginalizadas nos guetos dos EUA. Esse conjunto de fatores fez com que Malcolm repensasse profundamente suas concepções religiosa, filosófica e política.
Em sua viagem pela África, depois de peregrinar em Meca, teve contato com muitos líderes dos processos de libertação anti-imperialistas. Reuniu-se pessoalmente com Kwame Nkrumah, o presidente socialista de Gana. Participou de aniversários e homenagens às revoluções chinesa e cubana. Foi saudado por ter recebido Fidel Castro no Harlem, quando este foi expulso do hotel para participar como representante do povo cubano de sua primeira reunião da ONU. Toda essa movimentação o transformou em um inimigo não só do governo dos EUA, entrando na mira do FBI e da CIA, mas de muitas organizações nazifascistas, sionistas e até das organizações liberais e oportunistas negras daquele país.
A União de Homens e Mulheres
Com suas próprias palavras, Malcolm X chegou finalmente a defender a linha de “uma revolução que destruísse o sistema por todos os meios necessários” e admitiu “a união dos homens e mulheres de todas as raças com base nesse objetivo”. Todo esse avanço em sua consciência seria impossível nos marcos da sua antiga organização religiosa. Quando voltou aos EUA, fundou então a Organização da Unidade Afro-Americana (OUAA) que, com uma tática mais flexível, preconizava a unidade do movimento negro independente de religião para desenvolver a luta e obter conquistas concretas para a comunidade de 22 milhões de negros e negras dos EUA.
Alguns meses após a mudança em suas concepções, as perseguições e ameaças à vida de Malcolm se intensificaram. Depois de sofrer um processo de reintegração de posse da casa em que morava, movido pela Nação do Islã, e de ser condenado a abandonar a casa, Malcolm apelou contra a decisão, pediu sua revisão e permaneceu ocupando a casa. Numa madrugada de domingo, por volta das três horas da manhã, coquetéis molotovs foram lançados na sua residência. Só houve tempo para retirar os filhos e a esposa, mas ele perdeu a casa e tudo que tinha dentro.
Tal como seu pai, Malcom seria assassinado alguns dias após ver sua casa incendiada, com apenas 39 anos de idade. No dia 21 de fevereiro de 1965, discursou em uma assembleia para cerca 400 negros de sua nova organização, no salão de festas do Hotel Thereza, no coração do Harlem. Quando Malcolm subiu ao palco e fez sua saudação, um homem simulou uma confusão na parte de trás da plateia, desviando a atenção de todos enquanto outros três se levantaram das primeiras fileiras e disparam em Malcolm até descarregar suas armas, uma espingarda calibre 12, uma 45 e uma Luger.
Graças à segurança pessoal de Malcolm, um dos assassinos, Talmadge X Hayer, que portava a pistola 45, foi capturado, preso e levado a julgamento. Após a polícia de Nova Iorque prender outras duas pessoas – que não estavam envolvidas –, como bodes expiatórios, e fechar o caso, Talmadge denunciou os outros quatro membros da Nação do Islã da Mesquita de Newark, que foram os verdadeiros assassinos. No entanto, mesmo com as evidências esmagadoras documentadas pelo FBI que confirmaram essa informação, os EUA nunca reabriram o processo, muito menos investigaram e condenaram os verdadeiros assassinos.
O conluio que envolveu a antiga organização de Malcolm, a polícia de Nova Iorque, o FBI e os capitalistas que dominam os EUA já é bastante conhecido. E o principal assassino, que disparou a espingarda calibre 12, William X. Bradley, e que mudou seu nome para Almustafa N. Shabazz, faleceu de causas naturais, impune, em 2018.
Até hoje, a vida, a luta e o exemplo de Malcolm X mobilizam jovens negros de todos os países a se organizarem e lutarem contra o sistema capitalista. Sua morte não foi em vão, o movimento negro se desenvolveu política e ideologicamente no mundo inteiro assimilando a experiência da luta de El Hajj Malik Al-Shabazz. Em 1966, por exemplo, nasceu um partido negro marxista chamado Panteras Negras, que é até hoje uma referência de luta do povo negro contra a exploração de sua gente pela burguesia e pelo socialismo.
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