quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Conflito de interesse: as ligações da juíza de Julian Assange e do seu marido com o establishment militar britânico


por Mark Curtis e Matt Kennard [*]
Lorde Arbuthnot.















Lorde Arbuthnot de Edrom , ex-ministro da Defesa, é presidente remunerado do conselho consultivo da corporação militar Thales Group e, até o início deste ano, foi conselheiro da empresa de armas Babcock International. Ambas as empresas têm grandes contratos com o Ministério da Defesa do Reino Unido (MOD).

As revelações põem em evidência preocupações quanto a conflitos de interesse. A sua esposa, sra. Arbuthnot, começou a presidir o processo legal de Assange em 2017 e decidiu em Junho último que iniciaria uma audiência plena em Fevereiro próximo a fim de considerar o pedido de extradição do Reino Unido feito pelo governo Trump.

Exige-se aos juízes britânicos que declarem quaisquer potenciais conflitos de interesses aos tribunais, mas entendemos que a sra. Arbuthnot não o fez.

Lady Arbuthnot nomeou recentemente um juiz distrital para julgar o caso de extradição de Assange, mas continua a ser a figura legal que supervisiona o processo. De acordo com o serviço de tribunais do Reino Unido, o magistrado-chefe é "responsável por ... apoiar e orientar colegas juízes distritais".

Actualmente Assange está detido na prisão de segurança máxima de Belmarsh, em Londres, em condições descritas pelo relator especial da ONU sobre tortura, Nils Meltzer , como "tortura psicológica". Se for transferido para os EUA, Assange enfrenta prisão perpétua com acusações de espionagem.

Lady Arbuthnot beneficiou-se financeiramente das organizações expostas pela WikiLeaks

Quando Lady Arbuthnot estava no seu cargo anterior, como juíza distrital em Westminster, ela beneficiou-se pessoalmente de financiamentos, juntamente com o marido, de duas fontes expostas pelo WikiLeaks nas suas divulgações de documentos.

O registo de interesses do parlamento britânico mostra que, em Outubro de 2014, a sra. Arbuthnot recebeu ingressos no valor de 1.250 libras para o Chelsea Flower Show em Londres, juntamente com o seu marido. Os ingressos foram fornecidos pela Bechtel Management Company Ltd, parte da grande corporação militar dos EUA, a Bechtel, cujos contratos com o Ministério da Defesa do Reino Unido incluem um projecto de até 215 milhões de libras para transformar sua Organização de Equipamentos e Apoio da Defesa, o organismo que compra e suporta todo o equipamento usado pelas forças armadas britânicas.

Outra linha de negócios da Bechtel é " cibersegurança industrial ", expressão que é frequentemente um eufemismo para guerra cibernética e tecnologia de vigilância.

As divulgações da WikiLeaks acerca da Bechtel mostraram conexões estreitas da empresa com a política externa dos EUA. Os telegramas publicados em 2011, por exemplo, mostram que a embaixadora dos EUA no Egipto, Margaret Scobey, pressionou o Ministério da Electricidade e Energia a aceitar uma proposta da Bechtel para consultoria técnica e concepção da primeira central nuclear do Egipto.

Em outro benefício pessoal declarado ao parlamento, a sra. Arbuthnot, mais uma vez junto com o seu marido, teve voos e despesas no valor de 2.426 libras esterlinas pagos para uma visita a Istambul em Novembro de 2014. Isto foi para "promover e incrementar relações bilaterais entre a Grã-Bretanha e a Turquia em alto nível", de acordo com a declaração de registo de interesses de Arbuthnot.

Estas despesas foram pagas pelo Tatlidil britânico-turco, um fórum estabelecido em 2011 durante a visita a Londres do primeiro-ministro turco a Recep Tayyip Erdoðan e anunciado com o então primeiro-ministro David Cameron. Tatlidil descreve seus objectivos como "facilitar e fortalecer as relações [sic] entre a República da Turquia e o Reino Unido ao nível de governo, diplomacia, negócios, academia e media".

Seu papel principal é realizar uma conferência anual de dois dias, com a presença do presidente da Turquia e de ministros turcos e britânicos. Lord Arbuthnot também participou do Tatlidil em Wokingham, uma cidade nos arredores de Londres, em Maio de 2018.

Como sujeitos de fugas não desejadas, tanto a Bechtel quanto a Tatlidil têm motivos para se opor ao trabalho de Assange e da WikiLeaks. Embora os pagamentos tenham sido inscritos no registo parlamentar de interesses, as partes no processo judicial não foram informadas acerca deles. Apesar de o julgamento de Assange ter atraído críticas significativas por todo o mundo, a sra. Arbuthnot não considerou necessário mencionar estes pagamentos às partes, ao público e aos media.

A conexão turca

Num julgamento importante em Fevereiro de 2018, a sra. Arbuthnot rejeitou o argumento dos advogados de Assange de que mandato de prisão de então deveria ser cancelado e, ao invés disso, proferiu uma decisão notável.

Ela rejeitou as conclusões do Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenção Arbitrária – um órgão composto por peritos jurídicos internacionais – de que Assange estava a ser " detido arbitrariamente ", caracterizou a permanência de Assange na embaixada como "voluntária" e concluiu que a saúde e o estado mental de Assange eram de importância menor.

A sra. Arbuthnot envolveu-se no processo legal de Assange por volta de Setembro de 2017 e presidiu a audiência em 7 de Fevereiro de 2018, antes de proferir uma sentença uma semana depois. Durante uma parte deste período – de 29 de Janeiro a 1º de Fevereiro – seu marido esteve novamente na Turquia em visita a Erdoðan e outros altos responsáveis do governo turco.

Alguns destes responsáveis foram revelados especificamente pela WikiLeaks e tinham razões para se oporem à libertação de Assange. Não há qualquer sugestão de que Lorde Arbuthnot tenha pedido para exercer, ou exercido, pressão sobre sra. Arbuthnot, nem que ela sucumbiu a alguma pressão, mas há uma aparência de viés que poderia ter sido evitada se essa conexão tivesse sido revelada e se Lord Arbuthnot tivesse evitado reunir-se com aqueles indivíduos naquele momento.

Arbuthnot fazia parte de uma delegação de quatro membros, sendo os outros a Baronesa Neville-Jones, ex-presidente do comité conjunto da inteligência britânico, a qual coordena o GCHQ, o MI5 e o MI6; Lord Polak, o presidente dos Amigos Conservadores de Israel; e lorde Trimble.

Entre aqueles com que Arbuthnot e os outros lordes estiveram na viagem encontravam-se o ministro das Relações Exteriores Mevlüt Çavuþoðlu e o ministro da energia Berat Albayrak, genro de Erdoðan. Em 2016, a WikiLeaks publicou 57.934 dos emails pessoais de Albayrak, dos quais mais de 300 mencionaram Çavuþoðlu, na sua divulgação da " Berat's Box ".

Assim, ao mesmo tempo em que Lady Arbuthnot presidia o processo legal de Assange, seu marido mantinha conversações com altos funcionários na Turquia revelados pela WikiLeaks, alguns dos quais têm interesse em punir Assange e a organização WikiLeaks.

As ramificações do revelado por Assange acerca de Berat Albayrak e do partido governante AKP, que ocorrera há pouco mais de um ano, estavam em andamento no momento das reuniões dos Lordes na Turquia. As publicações da WikiLeaks levaram a medidas de força contra os media na Turquia, incluindo a prisão de jornalistas e a proibição total do acesso à WikiLeaks no país.

A visita de Lord Arbuthnot e outros lordes britânicos à Turquia foi paga pelo Bosphorus Centre for Global Affairs , que se auto-descreve como uma ONG que monitora a precisão das notícias sobre a Turquia. Contudo, os ficheiros "Berat's Box" da WikiLeaks revelaram que o centro era financiado por Berat Albayrak e actuou como uma frente do governo para suprimir reportagens críticas ao governo. Também foi revelado que o centro administrava um certo número de contas de trolls a favor do governo.

Não se sabe o que foi discutido na viagem de Lord Arbuthnot à Turquia, ou se a questão de Assange foi levantada. No entanto, os contactos que o marido da juíza de Assange teve com figuras políticas poderosas que recentemente haviam sido reveladas pela WikiLeaks levantam preocupações sobre conflitos de interesse e se estes deveriam ter sido declarados pela sra. Arbuthnot, se não o foram.

Conexões militares e de inteligência de Lorde Arbuthnot

Lord Arbuthnot é membro da Câmara dos Lordes e foi o ministro de compras para a defesa no governo conservador entre 1995 e 1997. Mais tarde, serviu como chefe de bancada (chief whip) durante a liderança de William Hague no partido. Arbuthnot foi um forte defensor da guerra de David Cameron na Líbia em 2011 e foi Cameron quem propôs o então deputado James Arbuthnot para um título de par do reino em 2015.

Lord Arbuthnot também tem conexões com antigos responsáveis dos serviços de inteligência do Reino Unido, que a WikiLeaks revelou nas suas publicações e que efectuaram operações de inteligência no Reino Unido contra a WikiLeaks.

Até Dezembro de 2017, Lord Arbuthnot era um dos três directores de uma empresa de segurança privada, a SC Strategy , junto com o ex-director do MI6, Sir John Scarlett Lord Carlile . Até Junho de 2019, Arbuthnot permaneceu como " consultor sénior " da SC Strategy. A Scarlett é mencionada nas divulgações da WikiLeaks e permaneceu em grande parte fora dos debates públicos sobre privacidade e vigilância.

Pouco se sabe da SC Strategy, que não possui sítio web, mas a a Companies House lista um endereço em Watford. A Carlile declara no seu registo de interesses que a SC Strategy foi formada por ela e a Scarlett em 2012 "para fornecer consultoria estratégica sobre políticas públicas, regulamentação e práticas comerciais do Reino Unido". Ela lista um cliente como o Ministério das Relações Exteriores e Autoridade de Investimentos do Catar.

Foi relatado que a SC Strategy "parece manter um certo grau de influência em Whitehall" e que em 2013 e 2104 a empresa teve uma reunião privada com o secretário de gabinete Sir Jeremy Heywood.

O antigo parceiro de Lord Arbuthnot na SC Strategy, Lord Carlile, foi o Revisor Independente da Legislação sobre Terrorismo em 2001-11 e é um proeminente defensor público dos serviços de inteligência.

Lord Arbuthnot também foi, até Fevereiro de 2019, " conselheiro " da corporação militar Babcock International, em cujo quadro está o ex-chefe do GCHQ, Sir David Omand.

Até Novembro de 2018 Arbuthnot era membro do conselho consultivo do Information Risk Management, uma consultoria de cibersegurança sediada em Cheltenham, o lar do GCHQ, um dos cujos " peritos " é Andrew France, ex-diretor adjunto de operações de defesa cibernética do GCHQ.

Antes de se tornar um par do reino, Lord Arbuthnot foi membro do Comitê Parlamentar de Inteligência e Segurança entre 2001 e 2006. Actualmente, ele também é responsável do grupo parlamentar de segurança cibernética de todos os partidos, administrado pelo Grupo de Segurança da Informação (ISG) da Royal Holloway, Universidade de Londres. O ISG administra um projecto no valor de 775 mil libras que é em parte financiado pelo GCHQ.

O próprio Lord Arbuthnot aparece em documentos publicados pela WikiLeaks, incluindo dois telegramas diplomáticos dos EUA. Um telegrama confidencial dos EUA em Dezembro de 2009 observa Arbuthnot a dizer a um funcionário da embaixada dos EUA em Londres que apoiava o discurso do presidente Obama acerca da estratégia dos EUA para o Paquistão e o Afeganistão.

Membro do establishment militar britânico
As posições passadas e presentes de Lord Arbuthnot tornam-no uma parte firme da comunidade industrial militar britânica. Um de seus perfis declara que "ele tem uma longa história de envolvimento no topo da defesa e da vida política do Reino Unido". O WikiLeaks qualificou-se como um adversário da comunidade militar, com muitas das suas divulgações a focarem o meio em que operam pessoas como Lord Arbuthnot.

Arbuthnot é ex-presidente do comité de defesa parlamentar – cargo que ocupou durante nove anos, entre 2005 e 2014 – período em que a WikiLeaks ganhou atenção mundial através da publicação de ficheiros sobre as guerras no Iraque e no Afeganistão, nas quais estavam envolvidos os militares britânicos. Ele também é um antigo membro do comité conjunto de estratégia de segurança nacional e do comité de lei das forças armadas.

O perfil parlamentar de Arbuthnot afirma : "De tempos em tempos, o membro recebe hospitalidade do fórum de defesa do Reino Unido, o grupo parlamentar de todos os partidos para as forças armadas e o grupo parlamentar de todos os partidos sobre questões de defesa e segurança".

Lord Arbuthnot também é o presidente do conselho consultivo do Thales Group, uma corporação de armamento que foi denunciada pela WikiLeaks em várias divulgações.

A Thales também tem grandes contratos com o Ministério da Defesa, incluindo um projeto de drone de 700 milhões de libras e um acordo de 600 milhões de libras para a manutenção dos navios de guerra da marinha real. Uma das linhas de negócios lucrativos da Thales é a "segurança cibernética" e o seu sítio web refere-se de maneira depreciativa à WikiLeaks e a Assange pessoalmente como capazes de "roubar" informação.

A Thales produz drones de "vigilância" usados pelos militares britânicos no Afeganistão, os quais foram expostos em divulgações da WikiLeaks. Arbuthnot é um forte defensor dos drones: ele era o presidente do comité de defesa quando este produziu um relatório altamente favorável às operações britânicas em 2014 que recomendava "levar o vigilância à sua plena capacidade operacional".

O perfil parlamentar de Lord Arbuthnot também listou a Babcock International como sendo um " cliente pessoal " no seu papel de consultor da SC Strategy até Fevereiro de 2019. A Babcock tem mais de £ 22 mil milhões em contratos com o Ministério da Defesa e é o maior fornecedor de serviços de suporte , apoiando mais 70% de todas as suas horas de treino de voo .

Tal como a Thales, a Babcock possui uma linha de negócios em " inteligência cibernética e segurança ". Arbuthnot era o ministro encarregado das compras em 1996, quando o governo anunciou a venda do controverso estaleiro naval privatizado de Rosyth para Babcock.

Lord Arbuthnot também é presidente do Conselho Consultivo de Garantia da Informação, um órgão cujos patrocinadores incluíam as empresas de armas norte-americanas Raytheon e Northrop Grumman, e que também trabalha com segurança cibernética, entre outras questões de informação digital. A Raytheon é amplamente exposto nas divulgações da WikiLeaks.

Conflito de interesses

Os vínculos de Lord Arbuthnot com o establishment militar britânico constituem conexões profissionais e políticas entre um membro da família do magistrado principal e um certo número de organizações e indivíduos que se opõem profundamente ao trabalho de Assange e da WikiLeaks e que foram expostos pela organização.

As orientações legais do Reino Unido declaram que "qualquer conflito de interesses numa situação litigiosa deve ser declarado". A orientação judicial para magistrados do Supremo Juiz (Lord Chancellor) e do Lorde Chefe de Justiça Justice é clara :
"Os membros do público devem estar confiantes em que os magistrados são imparciais e independentes. Se se souber que a sua imparcialidade ou independência está comprometida num caso específico, deve-se retirar de imediato ... Nem tão pouco deveria ouvir qualquer caso sobre o qual já tenha conhecimento de algo ou que toque numa actividade em que esteja envolvido".
Entendemos que a sra. Arbuthnot não revelou nenhum conflito de interesse em potencial no seu papel de juiz ou magistrada-chefe.

Sabe-se que Lady Arbuthnot se afastou de pronunciar-se acerca de outros dois processos devido a possíveis conflitos de interesse, mas só após investigações dos media. Em Agosto de 2018, como juíza no centro da batalha legal da gigante da tecnologia Uber para operar em Londres, ela recusou-se a prevenir qualquer conflito de interesses com o seu marido.

Lady Arbuthnot restabeleceu a licença da Uber em Londres depois de ter sido julgada não uma operadora de aluguer de carros particulares "adequada e apropriada". Ela finalmente desistiu de ouvir outros apelos da empresa depois de uma investigação do Observer levantou questões sobre ligações entre o trabalho do marido e a companhia.

A Qatar Investment Authority (QIA), o fundo soberano do país, é um dos principais investidores na Uber. A QIA também era cliente da SC Strategy, onde Lord Arbuthnot era director e então consultor. A Senhora e Lord Arbuthnot alegaram que nem sabiam que a QIA investiU no Uber, apesar de ser um dos seus maiores accionistas.

Em 2017, Lady Arbuthnot também evitou pronunciar-se sobre um caso relativo à transmissão de material "ofensivo" sobre o Holocausto quando a equipe de defensores legais do réu levantou a questão de "apreensão razoável de viés" por parte da juíza. Isto relacionava-se com o envolvimento do seu marido com os Amigos Conservadores de Israel (Conservative Friends of Israel), um organismo do qual Arbuthnot é ex-presidente e que no passado havia pago pelo menos uma visita a Israel.

Nem Lady nem Lord Arbuthnot retornaram pedidos de comentário.
[*] Jornalistas.

O original encontra-se em Daily Maverick e em www.globalresearch.ca/...


Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .
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