terça-feira, 10 de setembro de 2019

Criptomoedas: do fetichismo do ouro ao hayekgold


por Paulo Nakatani [*]
e Gustavo Moura de Cavalcanti Mello [**]

Ouro! Ouro vermelho, fulgurante, precioso!
Uma porção dele faz do preto, branco; do feio, bonito;
Do ruim, bom, do velho, jovem, do covarde, valente, do vilão, nobre.
... Ó deuses! Por que isso? Por que isso deuses;
Ah, isso vos afasta o sacerdote e do altar;
E arranca o travesseiro do que nele repousa;
Sim, esse escravo vermelho ata e desata;
Vínculos sagrados; abençoa o amaldiçoado;
Faz a lepra adorável; honra o ladrão,
Dá-lhe títulos, genuflexões e influência,
No conselho dos senadores;
Traz à viúva carregada de anos pretendentes;
... Metal maldito,
És da humanidade a comum prostituta.

(SHAKESPEARE, Timão de Atenas apud MARX, 1985, p.252)

O ouro é coisa maravilhosa! Quem o possui é senhor de tudo o que deseja. Com o ouro pode-se até fazer entrar almas no paraiso.
(Colombo, em carta da Jamaica, 1503 apud MARX, 1985, p. 112)

Resumo
As vertiginosas flutuações na cotação do bitcoin e de outras criptomoedas, sobretudo a partir da segunda metade de 2016, estimularam amplos debates acadêmicos e midiáticos em torno de sua natureza e de suas perspectivas num futuro próximo:   trata-se rigorosamente de moedas? Possuem potencial de suplantar as moedas nacionais ou mesmo de usurpar do dólar o estatuto de dinheiro mundial? Seria um ativo meramente especulativo? Neste artigo, tais questões serão consideradas à luz da crítica marxiana da economia política, em particular da análise marxiana sobre o dinheiro e suas distintas determinações. Além de lançar luz sobre a atual configuração do dinheiro e sobre algumas salientes características do capitalismo contemporâneo, que em meio às sucessivas crises de sobreacumulação catapulta a sua dimensão financeira, pretende-se retomar a crítica de Marx ao fetichismo do dinheiro como chave para compreender a existência e a dinâmica de produção das criptomoedas.
Palavras-chave: criptomoedas; fetichismo, capitalismo contemporâneo, Marx.
Abstract
The dizzying fluctuations in the price of bitcoin and other cryptocurrencies, especially since the second half of 2016, have stimulated broad academic and media debates about their nature and prospects in the near future: are they strictly currencies? Do they have the potential to supplant national currencies or even to usurp the world money statute from the dollar? Was it a merely speculative asset? In this article, such questions will be considered in the light of the Marxian critique of political economy, in particular the Marxian analysis of money and its various determinations. In addition to shedding light on the current configuration of money and on some salient features of contemporary capitalism, which amidst successive crises of overaccumulation it catapult its financial dimension, it is intended to retake Marx's critique of money fetishism as a key to understand the existence and dynamics of cryptocurrencies production.
Keywords: cryptocurrencies; fetishism, contemporary capitalism, Marx.

1. Introdução
2. As criptomoedas
3. A criação e circulação do bitcoin
4. O bitcoin pode substituir as funções do dinheiro no capitalismo?
    a) Medida dos valores
    b) Meio de circulação
    c) Dinheiro, propriamente dito
    d) O dinheiro como capital
5. As criptomoedas, suas manhas teológicas e seu substrato ideológico
6. Considerações finais
7. Referências bibliográficas
1. Introdução

No primeiro livro de O Capital, Marx ilustra claramente o fetichismo do dinheiro ao tratar do entesouramento, como uma das consequências do desenvolvimento do mundo das mercadorias. Demonstra ele aí que "a circulação torna-se a grande retorta social, na qual lança-se tudo, para que volte como cristal monetário. E não escapam dessa alquimia nem mesmo os ossos dos santos nem a res sacrosanctae, extra commercium hominum [1] " (MARX, 1985, p. 112).

O dinheiro torna-se cada vez mais fetichizado a partir do desenvolvimento do modo de produção capitalista e, sob o domínio do capital, torna-se a principal forma de expressão da riqueza como um fetiche , inclusive disfarçando o capital. Em suas diversas formas de existência [2] , e desde os seus primórdios, a riqueza autonomizada como dinheiro assumiu as mais variadas formas de moedas e mercadorias cuja materialização máxima ocorreu sob a forma de moedas de ouro, desde a antiguidade.

Entretanto, a diversidade de moedas e de padrões monetários, assim como a contradição fundamental entre o seu conteúdo nominal (seu nome) e o seu conteúdo real (a quantidade de ouro) abriu o caminho para a sua substituição por representantes, signos de valor. A história das moedas é extremamente rica na descrição dessas contradições e nos problemas criados por elas. A desvalorização decorrente do desgaste natural das moedas e de falsificações no processo de sua cunhagem foi discutida e criticada desde Nicole Oresme (2004), em 1355, até os dias atuais, junto com os problemas de controles e determinações sobre o "valor das moedas" nacionais. Em 1526, Nicolau Copérnico (2004) escrevia "Sobre a moeda", um pequeno texto que trata de uma proposta de "reforma monetária", onde destaca a variedade de nomes e padrões monetários, cujos problemas eram decorrentes não só da desvalorização e das falsificações, como também da enorme confusão que se originava dessa coexistência.

De modo a se reduzir os custos de circulação e a se incrementar sua segurança, com a intensificação das transações mercantis foram desenvolvidos locais para a guarda do ouro. Contra esses depósitos, os ourives, e posteriormente os comerciantes de dinheiro e os bancos, passaram a emitir certificados [3] , um dos precursores do papel moeda conversível e, posteriormente, do papel moeda de curso forçado. Mas, desde o princípio, a possibilidade de emitir mais certificados do que a quantidade de ouro guardada foi sendo exercida pelos guardiões dos metais preciosos, constituindo-se assim um capital usurário que multiplicava escrituralmente a quantidade de ouro em depósito. Esses certificados adicionais eram emprestados com a cobrança de juros [4] .

A história dos bancos também é rica em descrições das crises monetárias que se manifestavam nas corridas bancárias, na medida em que passaram a emitir ou criar papel-moeda ou Notas de Banco além de suas possibilidades, com ou sem reservas metálicas. Ou seja, as crises bancárias evidenciavam a contradição entre a quantidade de ouro em depósito e a quantidade de Certificados ou de Notas de Banco emitidas.

Essa enorme confusão criada pelos diferentes sistemas, com crises recorrentes, colapsos e bancarrotas bancárias, fez com que alguns bancos, em função de seu poder econômico e político em seus respectivos países, passassem a exercer funções que atualmente são de atribuição dos Bancos Centrais [5] . Essas funções eram atribuídas pelos diferentes governos aos bancos privados que foram sendo sucessivamente estatizados ao longo da história, a maioria entre o final do século XIX e início do XX. Uma das exceções até os dias de hoje é o Federal Reserve System (FED), que permanece privado.

Por conseguinte, a história das moedas é longa, heterogênea e extremamente atribulada. Sua natureza é privada, ao contrário do que se imagina ou se defende correntemente, pois é fruto da expressão do valor das mercadorias em uma mercadoria especial (MARX, 1985, p.212). As contradições próprias a essa mercadoria, levaram-na a ser substituída por signos fictícios (MARX, 1985, p.249), sem relação com reservas metálicas, além daquela parte que aparece como papel impresso, mais aquela parte que, mais recentemente, aparece como sinais magnéticos nas contabilidades das empresas ou dos bancos. Além disso, de uma propriedade pessoal e privada, elas foram sendo todas substituídas por títulos de dívida especiais, que não rendem juros e nem têm data de vencimento, o papel moeda estatal (um desdobramento da forma dinheiro de crédito - MARX, 1985-6, p.69). Esses títulos receberam os nomes das respectivas moedas nacionais e são criados através de créditos pelo sistema bancário comercial privado ou público. Trata-se de dinheiro fictício [6] , que se generaliza com o fim da conversibilidade (de fato e de direito) do dólar em ouro, em meio ao colapso do Sistema de Bretton Woods.

Mais precisamente, a forte onda de internacionalização produtiva, sob bases "fordistas", e financeira, com destaque para a emergência dos euromercados, deu azo a uma sobreacumulação de capital que se manifestou na forma das "crises de estagflação", e que acirrou o ímpeto de autonomização do capital, cuja reprodução passa a depender cada vez mais de promessas de futura valorização do valor, na forma de capital portador de juros e de capital fictício. Com isso, reforçou-se o caráter desmedido do capital, que se exprime no pulular de crises econômicas que caracteriza o capitalismo contemporâneo.

2. As criptomoedas

Por conseguinte, é nesse contexto, onde as crises do capital explicitaram as contradições próprias às moedas, que surgem as criptomoedas ou moedas virtuais que também deveríamos chamar de dinheiro fictício, caracterizadas por uma extrema instabilidade e volatilidade das taxas de câmbio que aguçaram enormemente os riscos cambiais.

A primeira delas, chamada de bitcoin, foi criada e lançada em 2009 por um indivíduo fictício, chamado de Satoshi Nakamoto, cuja identidade ou identidades, pois pode ser um grupo, permanece desconhecida até o momento, segundo se divulga nas redes de informação. Uma das expectativas é que o bitcoin se torne uma moeda mundial à medida que aumenta aceleradamente o número de pessoas e empresas que o aceitam como moeda. Mas, para tanto, deveria cumprir as condições para funcionar como medida do valor, padrão de preços, meio de circulação, meio de pagamento e de capital-dinheiro, submetida às determinações fundamentais da produção, circulação, realização do capital e apropriação da mais-valia produzida.

Após o exitoso lançamento do bitcoin, foram lançadas centenas de outras moedas virtuais em uma rede descentralizada criada a partir de uma tecnologia chamada de blockchain. Em 17/12/2017, encontramos uma lista de mais de 1.360 criptomoedas [7] no site Cryptocurrency Market Capitalizations. [8] às quais juntam-se outras quase que diariamente, cuja capitalização total de mercado somava quase US$600 mil milhões. Além do bitcoin, responsável por mais da metade dessa capitalização, destacava-se também a ethereum (totalizando cerca de US$ 70mil milhões) e a bitcoin cash (com pouco mais de US$31 mil milhões). A maior parte delas foi lançada como uma espécie de meio de circulação ou de meio de pagamento, entre as diferentes moedas nacionais. Sua especificidade é que permite o contato direto entre um credor e um devedor, escapando dos mecanismos centralizados do sistema bancário mundial e, mais importante, escapando dos diferentes sistemas tributários nacionais. Mais recentemente, em 2015, foi lançado o hayekgold, que se propõe conversível em ouro, mas não se encontra cotada nesse mercado de criptomoedas. O que mostra que os novos fetiches não conseguem escapar do fetiche áureo [9] .

3. A criação e circulação do bitcoin

Em primeiro lugar, deve-se tentar explicitar a natureza dessas moedas virtuais, tendo como fundamento a questão da natureza do dinheiro. Dessa forma, todas as moedas virtuais possuem uma natureza privada, e pela forma como são colocadas em circulação, permanecem como dinheiro de crédito criado ficticiamente, mesmo que sua produção implique em custos.

A criação do bitcoin tem como base um processo extremamente sofisticado e complexo de processamento de dados em rede, em escala mundial, chamado, não por acaso, de "mineração" [10] . Aqui encontramos uma analogia com o antigo fundamento das moedas metálicas, a mineração de ouro e de prata. Mas, ao invés de buscar a riqueza material na própria natureza, através do trabalho, esse processo é realizado através da solução de complicadíssimos algoritmos matemáticos que exige máquinas mais ou menos sofisticadas para resolvê-los.

Segundo o artigo assinado por Nakamoto (2008), em que se expôs a ideia do bitcoin alguns meses antes de seu lançamento, o desafio foi estabelecer um meio de circulação e de pagamentos que não dependesse da regulação e da fidúcia de uma autoridade central [11] . Além da aceitação voluntária, seria necessário garantir mecanismos descentralizados de emissão da moeda e de vigilância do sistema, de modo a evitar fraudes e, particularmente, o "duplo gasto", ou seja, o uso, por parte de um indivíduo mal-intencionado, de uma mesma moeda virtual em mais de uma transação.

Sem entrar em minúcias técnicas, a solução foi a criação de uma rede peer-to-peer ("ponto-a-ponto"), em que cada "ponto" ou cada computador que a constitui é ao mesmo tempo cliente e servidor, tal qual a rede torrent , por exemplo, que serve para o compartilhamento de músicas, filmes etc. Tal rede é conectada em torno de um software de código-aberto e cada membro recebe duas chaves, uma "pública", conhecida por toda a rede, e outra privada, sigilosa. Ao transferir bitcoins, cria-se um registro criptografado composto pela chave pública do receptor e a chave privada daquele que os cede, o que legitima a transação - tornada "pública" -, sem, entretanto, ligá-la a quem a realizou. O sigilo das identidades é assim preservado, o que torna as operações com bitcoins propícias à prática de lavagem de dinheiro e pagamentos de atos ilícitos [12] .

Cada transação deve ser verificada pela rede e registrada em um "bloco" [13] ; de modo a atestar sua autenticidade, o usuário ("minerador") precisa resolver um complexo problema criptográfico (a "prova de esforço"), e o primeiro que obtém êxito nessa operação recebe como recompensa novos bitcoins (hoje são 25 por prova), bem como uma taxa sobre as transações. Resolve-se assim, dois problemas de uma só vez: o da emissão da criptomoeda e o zelo descentralizado pela manutenção do sistema, supostamente por meio da "livre concorrência". Depois desse processo, o bloco verificado se insere no blockchain em uma ordem definida cronologicamente, recebendo um código (hash) único e criptografado, e a introdução de um novo bloco pressupõe a verificação desse código. Assim, o blockchain seria um imenso registro de todas as transações realizadas em criptomoedas, mantido não por uma instituição, mas por cada membro da rede [14] .

Conforme a sua configuração inicial, cada bloco deveria ser publicado a cada 10 minutos; ocorre que, quanto mais extensa a rede, maior sua capacidade de processamento, e nesse sentido o algoritmo do bitcoin foi projetado para progressivamente incrementar a complexidade da "prova de esforço". Ou seja, para tornar cada vez mais difícil a "mineração", simulando assim a mineração real e o esgotamento das jazidas. Dessa forma, podemos, por analogia, associar a criação do bitcoin à antiga produção das mercadorias metálicas, ouro e prata, que ao entrarem na circulação das mercadorias e ao mesmo tempo do capital, passam a funcionar como dinheiro e como moeda em suas formas particulares de existência. Da mesma forma atenderia a um dos principais requisitos da antiga teoria quantitativa da moeda.

A criação de bitcoins implica em um custo de produção decorrente dos desgastes de equipamentos e consumo de energia além do tempo de trabalho de cada "minerador". Essa moeda tem como padrão de preços, o mesmo padrão utilizado atualmente por todas as moedas nacionais, o sistema numérico decimal, que substituiu a medida de peso do metal, ouro ou prata, contido em cada moeda. O mecanismo para colocá-la em circulação, sem a qual não adquire um status existencial, é o mesmo de qualquer outra moeda, seja através da compra de mercadorias ou serviços, de empréstimos ou de pagamento de dívidas. Como todas estas coisas são cotadas ou denominadas em seus respectivos padrões monetários nacionais, como o dólar, deve-se estabelecer uma determinada taxa de câmbio entre o bitcoin e as respectivas moedas nacionais.

Em seu ponto de partida, o custo de produção de cada bitcoin era bastante baixo, elevando-se à medida que maiores quantidades foram sendo mineradas [15] . À medida que a sua procura foi aumentando, essa diferença foi elevando-se igualmente. O aumento da procura especulativa aumentou essa diferença a níveis estratosféricos. De acordo com o site da Blockchain blockchain.info/charts ), desde sua criação, em 2009, até o início de 2011 o bitcoin valia centavos de dólar [16] . A partir desse momento até o início de 2013 sua cotação se eleva a poucas dezenas de dólar, sofrendo então uma apreciação significativa, passando a valer umas poucas centenas de dólares. Finalmente, a partir da segunda metade de 2016 tem início uma forte elevação; para se ter uma ideia, de U$995,00 no dia 04/01/2017, cada bitcoin passa a valer U$19.499,00 no dia 15/12/2017, vinte vezes mais, portanto (!!!), tendo uma oferta total de 16.476.025 unidades (atualmente o teto para sua emissão é de 21 milhões de unidades, que, estima-se, seja atingido por volta de 2140). Como resultado desta ascensão, e reforçando essa trajetória, no dia 10/12/2017 as bitcoins passaram a ser comercializadas no mercado de futuros, nas poderosas Chicago Board Options Exchange (CBOE) e o Chicago Mercantile Exchange (CME), o que repercutiu expressivamente sobre a cotação corrente dessa criptomoeda. Não obstante, em 29/12/2017 a cotação do bitcoin caiu para US$13.216, e sua capitalização total reduziu-se a US$221,6 mil milhões, e no dia 06/02/2018 a cotação ficou abaixo dos US$6 mil, o que corresponde a uma queda de mais de 70% em relação ao pico de 2017. De todo modo, é gritante a discrepância entre o preço das bitcoins, em dólares, e o volume de transações que elas intermedeiam.

A diferença entre o custo de produção e a cotação, em dólares, atingida pelo bitcoin , assemelha-se aqui à antiga senhoriagem no processo de cunhagem das moedas metálicas ou a impressão das notas de papel-moeda [17] . Essa diferença pode ser uma das explicações para o estímulo à mineração de bitcoins , em função do frenético desenvolvimento de seu mercado.

Como mencionado, a hayekgold, lançada em 2015, originalmente denominada de hayekcoin , diferencia-se das demais criptomoedas. A rigor, a despeito de se basear na tecnologia do blockchain, a hayekgold não pode ser considerada uma moeda virtual; é antes um derivativo do ouro: um título cotado em ouro, onde cada hayekgold é equivalente à um grama de ouro, garantido pelas reservas de uma empresa especializada no comércio de ouro, a Anthem Vault [18] . Assim, funciona como um ativo, cujo preço está vinculado ao mercado de ouro, valorizando-se ou se desvalorizando segundo o preço do ouro. Mas poderia ser, supostamente, um retorno às moedas conversíveis em mercadoria, como propugnam alguns nostálgicos [19] . Tem-se aqui o retorno explícito ao fetiche ouro.

4. O bitcoin pode substituir as funções do dinheiro no capitalismo?

a) Medida dos valores


A primeira função do dinheiro, como medida do valor e padrão de preços, já se encontra plenamente resolvida e desenvolvida em suas contradições próprias pelas moedas nacionais. Pois todas as mercadorias, dívidas e contratos já se encontram denominados nessas moedas. Atualmente a moeda mundial é o dólar americano que, mesmo com todas as contestações e suas próprias contradições, ainda continua exercendo o papel de dinheiro mundial. Por isso, considerando a existência de uma taxa de câmbio entre o bitcoin e cada moeda, nas quais todas as transações econômicas passassem a ser denominadas em bitcoin , cujo padrão de medida é também decimal, nesse mesmo processo as moedas nacionais poderiam ser substituídas pelo bitcoin (da mesma maneira em que o euro substituiu todas as moedas nacionais existentes na área). Como o padrão de medida é o mesmo, a troca ocorreria com a mudança de nome e o valor seria convertido pela taxa respectiva de câmbio. A maior dificuldade decorre das determinações dessa taxa de conversão, devido ao espetacular crescimento da taxa de câmbio ou do preço de mercado do bitcoin , assim como de sua volatilidade e instabilidade, próprias de um mercado essencialmente especulativo.

Assim, mesmo que essas mercadorias especiais, virtuais, as criptomoedas pudessem, então, assumir e substituir o papel que o dinheiro cumpre como medida do valor e padrão de preços a volatilidade e instabilidade na determinação de seus preços, ou taxas de câmbio, seriam transferidas para os preços cotidianos dos bens e serviços em geral. Ocorreria uma enorme balbúrdia e confusão generalizada, ao invés de refletirem a variação relativa na produtividade dos diferentes produtos, internos e internacionais, pois traria junto a especulação no mercado de moedas virtuais fictícias. Nestes poucos anos de sua existência, em que o preço de um bitcoin passou de alguns centavos de dólar para mais de dezenove mil dólares, todos os preços de mercadorias e serviços, cotados em dólares, teriam sofrido uma brutal deflação. Da mesma forma, todos os produtos anteriormente cotados em dólares, assim como o faturamento das empresas, a massa de lucros e a arrecadação do Estado sofreriam as mesmas quedas.

b) Meio de circulação

As informações disponíveis indicam que o bitcoin vem sendo utilizado, com frequência cada vez maior e em escala mundial [20] como meio de circulação e meio de pagamento, ou seja, participa da metamorfose final do capital, da mercadoria em dinheiro virtual. Mas, como meio de circulação, o mundo das mercadorias exige a existência de uma determinada quantidade de moeda [21] decorrente dos preços das mercadorias a serem transacionadas. Como a criação de bitcoins simula a mineração do ouro, sua quantidade já está com um limite previamente determinado e o seu uso, até o momento, muito limitado. O desenvolvimento do capital, no período do padrão-ouro, acelerou o surgimento de novas formas de crédito em substituição aos limites impostos pela produção do dinheiro ouro ou prata. Este teria que ser o caminho: a criação de bitcoins como dinheiro de crédito virtual (fictício).

O dinheiro de crédito, como criação privada entre bancos e empresas, sancionadas pelo dinheiro de crédito estatal, é fundamental e determinante no mundo capitalista atual. Esse dinheiro de crédito é uma criação imaginária, fictícia, para expressar os valores das mercadorias em um padrão de medida decimal. Sua existência é efêmera, determinada pelos prazos dos contratos nos quais têm sua origem e é cancelado assim que o prazo termina. Na circulação do capital, ou seja, em sua contínua metamorfose, toda a gigantesca massa de riqueza em circulação é representada através de registros de débito e crédito, nas empresas e bancos. "O dinheiro serve aqui como dinheiro de conta para expressar os valores das mercadorias em seus preços, mas não se confronta materialmente com as próprias mercadorias." (MARX, 1985, p. 132). Dessa forma, o dinheiro fetiche, tenha o nome de ouro, de dólar, de libra esterlina ou de bitcoin , como crédito, torna-se uma representação puramente ideal e idealizada da riqueza, dinheiro de conta ou dinheiro fictício. Ou seja, da denominação dos valores à circulação dos mesmos, há a necessidade de criação de crédito, seja em bitcoin ou qualquer outra ou todas as criptomoedas, totalmente livre de qualquer restrição ou de regulação, como ocorre atualmente. Suas taxas de câmbio deveriam ser determinadas em mercados virtuais com milhares de moedas.

c) Dinheiro, propriamente dito

O dinheiro, como dinheiro, tem como funções a de entesouramento [22] , a de servir como meio de pagamento e a de dinheiro mundial. Desta maneira, todos os possuidores de bitcoins , sejam mineradores ou compradores, podem manter sua riqueza sob esta forma particular, de um ativo negociável em um mercado virtual bastante desenvolvido através das redes mundiais informatizadas, que permite a negociação ponto a ponto, ou seja, de um possuidor a outro, sem nenhuma intermediação e fora dos sistemas tributários nacionais. Mas o entesouramento de bitcoins tem implicações: como ele só pode ser obtido através da mineração ou da compra de outros possuidores, significa que um minerador só pode realizar sua riqueza através de sua metamorfose, ou seja, através da compra de mercadorias, ou através da sua conversão em uma moeda convencional, dólares, euros, libras ou yens. Não há outra forma de realização e usufruto dessa riqueza criada ficticiamente a não ser a superação do bitcoin como uma forma de entesouramento. Nesse momento, a diferença entre o custo de produção e o preço de mercado constitui uma forma de transferência da riqueza acumulada em quaisquer das moedas para os bitcoins.

Nos primórdios do modo de produção capitalista, assim como nos modos de produção anteriores, o entesouramento exercia um papel importante na acumulação de riqueza. Com o desenvolvimento do capital e, em particular, em sua forma autônoma de capital portador de juros, o entesouramento passou a ser substituído pela nova determinação que o dinheiro adquiriu, a de se tornar capital, capital-dinheiro. Assim, desenvolveu-se, igualmente, um sistema bancário e de crédito que passou a reunir toda a riqueza excedente e acumulada sob a forma dinheiro, principalmente a parcela ociosa, sob a forma de capital portador de juros. Ademais, como se viu, o sistema de crédito passou a produzir, criar dinheiro de crédito de forma autônoma, uma forma fictícia de riqueza. Decorre daí a atual exacerbação da alienação decorrente do fetiche no qual todo o dinheiro adquire uma propriedade misteriosa de gerar mais dinheiro [23] , como é a aparência das cotações do bitcoin . Isso, atualmente, ocorre cotidianamente, além do sistema bancário, nos mercados de moedas e títulos de dívida ou de propriedade, desenvolvidos e acelerados pela própria acumulação de capital, não importando qual forma específica de moeda nacional. Neste processo o bitcoin e todas as demais criptomoedas surgem e se desenvolvem como outras formas alternativas para a acumulação de riqueza fictícia.

Um minerador que cria bitcoins e os acumula sob essa forma sem nunca os converter em mercadorias ou capital, fica fora da circulação e reprodução global do capital. Pode tornar-se em um bilionário fictício e jamais usufruir das melhores coisas que o capitalismo já produziu, como mercadorias especiais produzidas para as camadas mais privilegiadas da burguesia internacional, como propriedades espetaculares, iates e jatos e aviões particulares. A única forma é superar o fetiche do entesouramento e colocá-los na circulação global do capital.

As outras funções, como meio de pagamento e dinheiro mundial poderiam ser exercidas pelo bitcoin , ou qualquer outra moeda virtual, no caso de suas taxas de câmbio com todas as demais moedas mantivessem alguma estabilidade para não ocasionar flutuações excessivas e acelerar os riscos cambiais. Neste caso, o sistema tenderia a substituí-lo por moedas cuja cotação no mercado tendessem a uma maior estabilidade.

d) O dinheiro como capital

No processo dinâmico, contínuo e global, da reprodução do capital em geral, o dinheiro funciona apenas como dinheiro em dois momentos da metamorfose do capital, o primeiro da conversão de dinheiro em mercadorias e o final na reconversão das novas mercadorias em dinheiro. À medida que se processa e avança a acumulação, o capital se autonomiza em suas formas de capital dinheiro, capital produtivo e capital mercadoria. Na acumulação, sob a forma autonomizada de capital dinheiro, ele adquire uma nova propriedade, ou seja, converte-se em dinheiro-capital. Uma nova mercadoria especial na qual o seu valor de uso é de ser capital e o seu valor é determinado pela sua expressão de valor quantitativa em termos de tempo de trabalho socialmente necessário. Mas, em sua forma mais desenvolvida, o capital portador de juros, seu valor será determinado através da capitalização de seu rendimento, da parcela de mais-valia que ele se apropria na forma de juros capitalizada à uma taxa corrente ou média de juros. Essa forma de capital não é dinheiro, mesmo que apareça como se o fosse. O capital portador de juros acumula-se, fundamentalmente, e em maior quantidade como dinheiro de crédito, em suas mais variadas formas de registros e de títulos de crédito (dívida).

A questão principal e fundamental é como as moedas virtuais substituiriam as atuais moedas correntes, entre as quais o dólar funcionando ainda como dinheiro mundial, na dinâmica da circulação. A resposta é que o bitcoin , assim como qualquer das criptomoedas, poderia substituir as moedas nacionais e também o dinheiro mundial. A condição necessária é que qualquer uma das criptomoedas que venha a assumir esse papel, ou as funções de padrão de valor, passem a exercê-las cotidianamente como meio de circulação, capital dinheiro e dinheiro mundial, no lugar das moedas que já exercem essas funções no sistema capitalista mundial contemporâneo. Seria um processo semelhante às reformas monetárias em países que substituíram o padrão monetário, inclusive o nome da moeda nacional, como ocorreu com a criação do euro. A condição suficiente seria a aceitação e a incorporação da criptomoeda no próprio imaginário social, como o novo fetiche.

Para tanto, seria necessário que a maior parte das unidades particulares de capital e os Estados nacionais substituíssem suas moedas, seja como dinheiro de conta, seja como dinheiro de crédito ou como meio de pagamento, no interior dos Estados Nações, assim como entre elas, e fossem sancionadas e aceitas enquanto tal. Associado a isso, as redes que produzem, circulam e controlam essas moedas virtuais, no sistema conhecido como blockchain , teriam que substituir o sistema de crédito atual, com a superação dos bancos centrais, a interligação dos mercados de crédito e, inclusive do sistema bancário, desde que este sistema não entrasse em uma partilha dentro do processo global de circulação do capital.

Entretanto, além das dificuldades já apontadas, tais desenvolvimentos esbarrariam em dificuldades econômicas e geopolíticas decorrentes do interesse dos Estados Unidos em preservar o dólar como dinheiro mundial, e de outros países que eventualmente almejem, de alguma forma, a esse posto. Ademais, conforme exposto, a fragmentação e a multiplicidade das criptomoedas conflitam com a exigência de unificação e de padronização monetária, posta pela dinâmica concorrencial capitalista, bem como com a crescente mobilização do Estado no sentido de catapultar os mercados financeiros e de impedir o colapso da produção de capital fictício [24] . Aliás, a tendência à concentração e à centralização inerente à forma capital também se verifica nos mercados de criptomoedas. Assim, atualmente China, Geórgia, Suécia e EUA, nessa ordem, abrigam os mais importantes "mineradores", totalizando cerca de 80% da produção mundial. Os três mais importantes "pools de mineração", todos de origem chinesa, são o BTC.com, o AntPool e o BTC.TOP, que detém 20,2%, 16,5% e 15,2% do mercado de bitcoin [25] .

Um dos mecanismos para catapultar essa centralização, que ademais abre brechas para toda sorte de fraudes, é o chamado cloud mining , que consiste na terceirização do serviço de geração de bitcoins. Ao invés de investir diretamente em equipamentos e insumos necessários, firma-se um contrato, junto a um fornecedor, definindo a mobilização de certa capacidade computacional por certo período de tempo. Em tese, mediante o pagamento de uma taxa, o fornecedor empregaria os meios correspondentes à capacidade contratada, e o investidor receberia os bitcoins gerados. Por fim, estão disponíveis serviços de carteira online por parte de empresas que pagam juros por depósitos realizados em criptomoedas, de sorte que ocorre aí a transferência de posse e controle desses ativos.

Logo, a despeito dos anelos piedosos dos ultraliberais, e como já havia constatado o jovem Engels (1981, p.69), é próprio à concorrência capitalista a monopolização, que por sua vez tende a intensificar a concorrência, entre capitais cada vez mais monumentais. Tal dinâmica tende, por conseguinte, a minar um dos pilares das moedas virtuais, a produção e controle descentralizados, que pretensamente lhes garantiria a vantagem em relação às moedas nacionais.

Como se sabe, articularam-se em torno das criptomoedas visões muito distintas, desde utopistas que enxergavam nas tecnologias envolvidas um instrumento de construção de relações igualitárias até vorazes especuladores. À medida que as transações com as criptomoedas se intensificam, que seus preços incham, e que pessoas se tornam milionárias da noite para o dia, a suposta harmonia cai por terra, e a verdadeira natureza desses mercados se manifesta, sans phrase. A lógica tecnocrática de considerar a produção de dinheiro uma questão meramente técnica, concebida em termos estritamente matemáticos, cai por terra, diante da verdade iniludível [26] : o dinheiro é uma forma social [27] , um momento da forma capital, eivado de contradições e tributário da turbulenta dinâmica de acumulação de capital.

5. As criptomoedas, suas manhas teológicas e seu substrato ideológico

Como mencionado, a hayekgold, lançada em 2015, originalmente denominada de hayekcoin , diferencia-se das demais criptomoedas. A rigor, a despeito de se basear na tecnologia do blockchain, a hayekgold não pode ser considerada uma moeda virtual; é antes um derivativo do ouro: um título cotado em ouro, onde cada hayekgold é equivalente à um grama de ouro, garantido pelas reservas de uma empresa especializada no comércio de ouro, a Anthem Vault [28] . Assim, funciona como um ativo, cujo preço está vinculado ao mercado de ouro, valorizando-se ou se desvalorizando segundo o preço do ouro. Mas poderia ser, supostamente, um retorno às moedas conversíveis em mercadoria, como propugnam alguns nostálgicos [29] . Tem-se aqui o retorno explícito ao fetiche do ouro, conduzindo ao paroxismo o misticismo e o irracionalismo inerente ao credo ultraliberal que move os apologetas das criptomoedas, como transparece nesta "homenagem" a Friedrich August von Hayek, principal figura da "escola astríaca" junto com Ludwig von Mises. Num contexto em que o dinheiro se autonomiza de sua substância, torna-se fictício, e em grande medida virtual, pretende-se reestabelecer uma espécie de lastro-ouro, no caso do hayekgold, ou mimetizar (virtualmente) a produção de metais preciosos, uma quimera, por certo, porém bastante significativa. Subjacente a ela, encontra-se certa intuição de que a autonomização do dinheiro em relação à mercadoria equivalente-geral compromete uma determinação elementar do dinheiro, a de medida de valor. E se a dita autonomização coaduna-se à proeminência assumida pelos mercados financeiros e pelas formas fictícias de capital nas últimas décadas, sendo ao mesmo tempo produto e alimento dessa tendência, ela mitiga o caráter regulador do valor, e potencializa o caráter desmedido da atual dinâmica mundial de acumulação de capital, cada vez mais turbulenta e explosiva (PRADO, 2013).

Longe de apreender as raízes dessa dinâmica, o que pressupõe penetrar no âmago das formações sociais capitalistas e encarar sua natureza bárbara, por meio de uma mirada crítica e historicamente fundamentada, muitos dos ideólogos das criptomoedas reagem propalando os dogmas vulgares que dimanam de uma visão estetizada da superfície dos fenômenos econômicos, da esfera da circulação do capital. Assim, compreendem o dinheiro sobretudo como meio de circulação, mediador de um metabolismo econômico que não vai muito além do que uma economia de escambo sofisticada, e atribuem as contradições próprias à forma-dinheiro às perniciosas intervenções estatais, que obstaculizariam a operação dos mecanismos de autorregulação do mercado. Numa palavra, a sociedade aparece como mera soma das ações de indivíduos levadas a cabo de acordo com sua suposta natureza imutável, a de "maximizadores de bem-estar" ou "de utilidade", cuja iniciativa em um ambiente livremente concorrencial seria o meio por excelência de garantir aquilo que poderia se aproximar do "bem comum". Em sociedades complexas, os nexos que estabelecem seriam basicamente nexos mercantis, e a forma de comunicar aos demais e de adquirir as informações necessárias ao seu agir racional, de acordo com suas vontades e suas "estruturas de preferência", seria o sistema de preços que emerge a partir dessas reiteradas trocas. Como o consumo é tido como a finalidade última de toda a ação econômica, como os indivíduos são tomados como "agentes econômicos" equânimes (mônadas atomizadas), remunerados de acordo com aquilo que dedicaram à produção, e como o dinheiro é mero instrumento de trocas ou, como querem os austríacos, um sinalizador das "preferências temporais" por meio das taxas de juros, supõem-se um "equilíbrio metafísico" entre oferta e demanda, conforme denunciava Marx (1969, p.493) em sua crítica à "lei de Say". As notas dissonantes nesse quadro idílico quase sempre são atribuídas ao Estado, que em sua natureza arrivista e autocrática exorbita suas funções e manipula a emissão monetária, não apenas mudando o nível geral de preços, mas desestruturando o sistema de preços relativos e comprometendo a harmonia mercantil. Contra os males do arbítrio estatal, reforça-se o culto à tecnocracia, a veleidade de se criar de mecanismos e regras técnicas, pautadas por critérios estritos de eficiência e eficácia, purgado de qualquer influência de ordem política ou ideológica.

Na defesa das criptomoedas, por conseguinte, comumente ressoam algumas famigeradas teses econômicas que ganharam força na esteira das crises de estagflação da década de 1970 e da consequente crise do keynesianismo. Para citar apenas duas, cabe recordar o panfleto de Hayek sobre a "desnacionalização do dinheiro", em que propunha a extinção das autoridades monetárias estatais e a privatização plena do dinheiro (HAYEK, 1976), ou as "regras monetárias" de Friedman, que em obras como Capitalismo e liberdade (FRIEDMAN, 1985) chega a propor um incremento constante da base monetária, a uma taxa fixa, e mais tardiamente propugna a substituição do Fed por um algoritmo computacional (FRIEDMAN, 1994). Não surpreende que foi tão aclamada pelos ultraliberais (cf. ULRICH, 2016) a proposta de uma moeda produzida e "gerida" de modo pretensamente descentralizado e imune ao arbítrio de uma "autoridade monetária", que garantiria a privacidade individual, e que seria produzido e comercializado por meio de estritas regras técnicas, supostamente pautadas pela concorrência desenfreada e pela racionalidade econômica (teleológica), e que inclusive determinaria um limite máximo de emissão, dirimindo assim as tendências inflacionárias e perturbadoras do sistema de preços relativos tão temidas por monetaristas e "austríacos".

Logo, no idílio ultraliberal tudo aparece de modo invertido e simplório: uma dinâmica produtiva anárquica e inerentemente desequilibrada, que reiteradamente produz crises desastrosas (que são o próprio negativo do capital, acompanhando cada passo do conceito, conforme Grespan, 2008) é analisada sob o esquadro do equilíbrio e a ela são atribuídos místicos poderes autorreguladores; o Estado, que é a forma política do capital, e que portanto reproduz seu caráter arrivista, desmedido, violento e autoritário, é entendido como a fonte de todos os males, e analisado de modo dualista, como um arcabouço institucional e normativo clivado da economia; esta, cuja fundamento, motor e finalidade é a valorização tautológica do valor, aparece como sendo estruturada em torno da satisfação das veleidades e necessidades individuais; o indivíduo, coisificado, aviltado, heterônomo, aparece como o demiurgo do real, em sua pulsão maximizadora, e assim por diante.

Nesse diapasão, um ativo financeiro altamente especulativo, que garante aos programadores e aos produtores pioneiros um poder e uma vantagem exorbitante; cuja produção e gestão são fortemente concentradas e oligopolizadas; que é atravessado por uma concepção fortemente ideológica; que é altamente dispendioso em termos energéticos etc., é apresentado pelos apologetas ao mesmo tempo como uma mera moeda e como um prodígio da tecnologia, política e ideologicamente "neutro", um baluarte da racionalidade econômica e da livre concorrência, e por conseguinte um instrumento da liberdade individual, fundamento de toda a liberdade (VAROUFAKIS, 2014, DODD, 2017).

6. Considerações finais

Pelo que vimos, qualquer criptomoeda pode tornar-se uma nova moeda nacional e até mesmo substituir o dólar e outras moedas como dinheiro mundial. Entretanto, o papel desempenhado pelo dólar como o principal dinheiro mundial decorre do poderio da economia estadunidense. Mas, não mais como dinheiro, mas como dinheiro-capital. A rigor, não há impedimentos para a substituição das moedas nacionais e do dinheiro mundial por qualquer moeda privada virtual na dinâmica de reprodução e expansão do capital desde que atendam aos requisitos das leis gerais da circulação monetária sob as determinações do capital e às leis gerais da acumulação capitalista.

Mas, a conclusão final que não pode ser eludida, é que a plena e total dominação do fetichismo sobre a produção, circulação e apropriação da riqueza capitalista atingiu limites inimagináveis. O capitalismo contemporâneo está resolvendo os sonhos mais loucos dos alquimistas, de produzir riqueza, mesmo que fictícia e ao mesmo tempo real, através da gigantesca retorta social que permite criar dinheiro do ar e de transformar papel em ouro . Estes são os grandes fetiches de nossa época, muito além do bezerro de ouro.

Ocorre que, ao criticar o fetichismo do dinheiro, Marx também logrou apreender aí elementos que indicam, negativamente, a possibilidade de construção de relações sociais não coisificadas e não aviltadas pelo rolo compressor do capital, que tudo busca submeter ao seu movimento tautológico de reprodução ampliada. Em suas palavras,
o ouro e a prata não possuem apenas o caráter negativo de objetos supérfluos, sem utilidade prática; suas qualidades estéticas fazem deles a matéria natural do luxo, do adorno, da suntuosidade, da roupa domingueira, em resumo, a forma positiva da superabundância e da riqueza. Aos nossos olhos, eles aparecem como a luz virginal arrancada às entranhas da terra: a prata refletindo todos os raios luminosos em sua mistura original, o ouro refletindo apenas a mais elevada potência da cor, o vermelho. Ora, o sentido das cores é a forma mais popular do sentido estético em geral. A conexão etimológica dos nomes dos metais preciosos com os nomes das cores, nas diferentes línguas indo-germânicas, foi demonstrada por Jacob Grimm. (Ver a sua Historia da Língua Alemã ) (MARX, 1982, p.111, tradução modificada com base em ROMANO, 2004, p.16) [30]
Nem mesmo isso pode ser dito do fetichismo próprio às criptomoedas, que repõe o fetichismo do ouro como mero simulacro. Seus eventuais méritos tecnológicos e técnicos são forçosamente subsumidos à febre especulativa, particularmente aguda em contextos como o atual, marcado por imensas massas de capital sobreacumulado e por uma reprodução ampliada claudicante, em escala mundial. Longe de ser uma saída para as contradições do capitalismo contemporâneo, as criptomoedas são, a um tempo, seu produto e alimento. Mais temível do que a Esfinge, não basta decifrar o enigma dessas formas sociais tresloucadas; enquanto não se superar os seus fundamentos, seguiremos sendo devorados [31] .
7. Referências bibliográficas

COPÉRNICO, N. Sobre a moeda (1526). 1. ed. Curitiba: Segesta, v. 1, 2004.
DODD, N. The Social Life of Bitcoin. Theory, Culture & Society , v.35, n.3, p.35-56, 2017.
ENGELS, Friederich. Esboço de uma crítica da economia política. In: ENGELS, Friedrich, Política . São Paulo: Ática,1981.
ESTEVÃO, P. What is Bitcoin Mining? Weusecoins, 2017. Disponivel em: www.weusecoins.com/en/mining-guide/ . Acesso em: 27 out. 2017.
FREITAS, M. C. P. D. A Evolução dos Bancos Centrais e seus Desafios no Contexto da Globalização Financeira. Estudos Econômicos , São Paulo, v. 30, n. 3, p. 397-417, Setembro 2000.
FRIEDMAN, M. "Do We Need Central Banks?", 1994. Disponível em: miltonfriedman.hoover.org/friedman_images/Collections/2016c21/HKMA_1994.pdf
______. Capitalismo e liberdade . São Paulo: Nova Cultural, 1985.
GLINIECKI. Ben. "Bitcoin: utopian reflection of a capitalist nightmare", 2014. Disponível em: www.socialist.net/bitcoin-utopian-reflection-of-a-capitalist-nightmare.htm .
HAYEK, F. A. Desestatização do dinheiro . Rio de Janeiro: Instituto Liberal, v. 1, 1976.
MALMO, Christopher. " Bitcoin is unsustainable", 2015. Disponível em:
motherboard.vice.com/en_us/article/ae3p7e/bitcoin-is-unsustainable
MARCUSE, Hebert. "Industrialização e Capitalismo na obra de Max Weber". In Hebert Marcuse, Cultura e Sociedade II . São Paulo: Paz e Terra, 1998, p.113-135.
MARX, K. Para a crítica da economia política . São Paulo: Abril Cultural, 1982.
_____. O Capital. Crítica da Economia Política . Livro Primeiro. 2. ed. São Paulo: Noval Cultural, v. 1, 1985.
_____. O Capital. Crítica da Economia Política . Livro terceiro. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, v. 5, 1986.
NAKAMOTO, Satoshi. " Bitcoin : A Peer-to-Peer Electronic Cash System", 2008. Disponível em: bitcoin.org/bitcoin.pdf .
NAKATANI, Paulo. "Porque os economistas erram tanto em suas previsões?". Revista Cult , n.229, 2017, p.30-1.
NAKATANI, Paulo; MELLO, Gustavo Moura de Cavalcanti. "Não o sabem, mas o fazem: o segredo das bitcoins". Nuestra America XXI Desafios y Alternativas , México, , v. 15, p. 2-3, 30 jan. 2018.
ORESME, N. Pequeno tratado da primeira invenção das moedas [1355]. 1. ed. Curitiba: Segesta, v. 1, 2004.
ORLIEB. Claus P. "Do dinheiro digital e outros falsos: O que o curso dos bitcoins revela sobre o meio dinheiro". Disponível em: eleuterioprado.files.wordpress.com/... Acesso em: 06/01/2018
PECH, Morgan E. " Bitcoin : The Cryptoanarchists' Answer to Cash", 2012. Disponível em: spectrum.ieee.org/computing/software/bitcoin-the-cryptoanarchists-answer-to-cash .
PRADO, Eleutério F.S. From gold money to fictitious money. Brazilian Journal of Political Economy , v.36, n.1 (142), pp. 14-28, 2016a.
ROBERTS, Michael. Blockchains and the crypto craze, 2017. Disponivel em: thenextrecession.wordpress.com/2017/09/17/blockchains-and-the-crypto-craze/ .
ROMANO, Roberto. "Apresentação". In: Mauro Castelo Branco de Moura, Os mercadores, o templo e a filosofia . Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004, p.11-23.
ULRICH, F. Bitcoin: a moeda na era digital. Instituto Mises Brasil, 2016. Disponível em: www.mises.org.br/Ebook.aspx?id=99 .
VAROUFAKIS, Y. Bitcoin and the Dangerous Fantasy of 'Apolitical' Money, 2013. Disponível em: www.yanisvaroufakis.eu/... .

Notas
[1] "Coisas sacrossantas excluídas do comércio humano."
[2] Consideramos, segundo Marx, o dinheiro como uma categoria abstrata e as moedas como formas de existência do dinheiro que surgem historicamente em diferentes reinos e territórios e são posteriormente centralizados pelos reinos, governantes e Estados nacionais. "Da função do dinheiro como meio circulante surge sua figura de moeda. [...]. Assim como a fixação do padrão dos preços, a cunhagem é uma incumbência do Estado. Nos diversos uniformes nacionais vestidos pelo ouro e a prata enquanto moedas e dos quais são desvestidos no mercado mundial..." (MARX, 1985, p. 107).
[3] Esses certificados eram títulos de dívida que passaram a funcionar como meio de circulação e meio de pagamento, como se fossem dinheiro. Sempre que os certificados eram resgatados pelo ouro em depósito, inicialmente com ourives e/ou comerciantes de dinheiro, eles eram cancelados.
[4] Aqui está também a origem do que Marx chamou de capital bancário fictício. Atualmente, pode-se fazer uma analogia entre os depósitos de ouro e os depósitos à vista nos bancos. "Na medida em que o Banco emite notas, que não são cobertas pela reserva metálica guardada em seus cofres, ele cria signos de valor que constituem para ele não apenas meios de circulação, mas também capital adicional, ainda que fictício , no valor nominal dessas notas sem cobertura. E esse capital adicional proporciona-lhe lucro adicional." (MARX, 1985-1986, p. 69. Grifo nosso).
[5] O Riksbank, da Suécia, fundando em 1668, e o Banco de Londres, fundado em 1694, são considerados os primeiros Bancos Centrais. Este último, cuja origem é privada, gradativamente passou a exercer, através de leis reguladoras, as funções de financiador do governo, de emissor monetário e guardião das reservas, e posteriormente de redesconto e de emprestador de última instância. Em 1946 ele foi estatizado. A maior parte dos países capitalistas criaram seus Bancos Centrais na primeira metade do século XX (FREITAS, 2000).
[6] Trata-se, segundo Prado (2013, p.139), de "uma forma de valor que 'não' possui valor, pois apenas o representa"; ao apresentar tal categoria, o autor estabelece uma analogia com o conceito de capital fictício, "uma representação nominal de capital inexistente", pois "mesmo não sendo efetivamente real, o capital fictício é negociável como se o fosse, ou seja, ele 'circula normalmente como valor-capital'" ( Ibid , p.148).
[7] A enorme dificuldade, e até a impossibilidade, até o momento, de falsificação do bitcoin , ensejou, em um mercado livre, a criação de outras moedas virtuais, num processo semelhante ao ocorrido nos EUA, no período referido na nota seguinte, onde, da falsificação dos dólares existentes, os falsificadores passaram a criar seus próprios dólares em nome de empresas fantasmas. Atualmente, qualquer pessoa com os devidos equipamentos e conhecimentos sobre o desenvolvimento de softwares complexos pode criar sua própria criptomoeda, e multiplicá-los através de "mineração" ou de outros mecanismos.
[8] coinmarketcap.com/all/views/all/ . Essa disseminação acelerada de criptomoedas parece assemelhar-se à criação descontrolada de dólares nos EUA no século XIX, onde cada banco podia imprimir e emitir suas próprias notas de dólares, além de grandes empresas como as ferroviárias e mineradoras. Ver: www.mdig.com.br/?itemid=10519 .
[9] Costuma-se apontar Nick Szabo como, o precursor das criptomoedas, tendo lançado a ideia do "bit gold", buscando "mimetizar no ciberespaço, o mais fielmente possível, a segurança e a confiança características do ouro, e sobretudo o fato dele não depender da confiança em uma autoridade central".(Szabo apud Pech, 2012). Orlieb (2017) também tem como referência a crítica marxiana à economia política, e analisa as criptomoedas à luz do fetichismo da mercadoria e do dinheiro, guardando diversas semelhanças com o presente texto.
[10] "A mineração de bitcoin é bastante parecida com uma gigante loteria em que você compete, por meio de seu hardware de mineração, com todo mundo na rede, visando ganhar bitcoins. Um hardware de mineração mais rápido é capaz de realizar mais tentativas por segundo para ganhar essa loteria, enquanto a rede bitcoin se ajusta ela própria a cada duas semanas, aproximadamente, para manter a taxa de descoberta de um hash de um bloco vencedor a cada dez minutos BitcoinBitcoin" (Estevão, 2017). Mas, nem todas criptomoedas são passíveis de serem mineradas, ou seja, devem ser criadas e colocadas em circulação por algum agente particular.
[11] Tratava-se de criar "um sistema de pagamento eletrônico baseado em provas criptográficas ao invés da confiança, permitindo que duas partes interessadas quaisquer pudessem transacionar diretamente entre si sem a necessidade da sanção de uma terceira parte" (Nakamoto, 2008).
[12] "O público pode ver que alguém está enviando um montante [de bitcoins] para outra pessoa, mas sem a informação ligando essa transação a alguém" (Nakamoto, 2008).
[13] Que foi projetado para ter um tamanho máximo de 1 megabyte, o que equivale a cerca de 7 transações por segundo. Essa limitação serviria para evitar a proliferação de transações falsas (spams) e para permitir a sua verificação por computadores domésticos, de modo a preservar a descentralização do sistema.
[14] A despeito da sofisticação do sistema, ele está longe de ser inexpugnável. Ao contrário, já foram relatadas uma série de fraudes; só para citar algumas: a) desaparecimento de US$ 31 milhões da carteira da Tether, a empresa que gere a moeda virtual USDT, em 21/11/2017; b) roubo de mais de R$ 15 milhões em criptomoedas da Youbit, empresa sul-coreana de compra e venda de criptomoedas, em abril de 2017, e de 17% de suas divisas digitais, em dezembro de 2017, o que resultou em sua falência, e repercutiu sobre as cotações de outras criptomoedas nos mercados asiáticos (o bitcoin, por exemplo, caiu 15%; ver: brasil.elpais.com/brasil/2017/12/20/internacional/1513760990_056377.html ; c) roubo de US$ 60 milhões da plataforma de mineração NiceHash, em 06/12/2017; d) em julho de 2017 US$ 32 milhões foram roubados da empresa Parity, em ethereum; e) roubo de 120 mil bitcoins (equivalente a US$ 72 milhões) da casa de câmbio Bitfinex, em agosto de 2016; f) roubo de 19 mil bitcoins da carteira da Bitstamp, uma espécie de bolsa de criptomoedas, que correspondia a US$ 5,1 milhões, em janeiro de 2015; g) roubo de US$ 473 milhões em bitcoins, da MtGox, que à epoca, março de 2014, concentrava mais de 70% das transações em bitcoins de todo o mundo; h) ainda em seus primórdios, em agosto de 2010, o desenvolvedor do Bitcoin Core, Jeff Garzik, percebeu que um hacker realizou uma transação de 184 bilhões de bitcoins em apenas um bloco. Cabe destacar o roubo de US$ 101 milhões em ethereum, em junho de 2016, que fez com que o criador e CEO da Ethereum, Vitalik Buterin (que tinha apenas 19 anos quando criou a criptomoeda, em 2015), reiniciasse o sistema, retrocedendo no tempo para o momento antes do roubo. Com essa alteração na própria blockchain, tida como definitiva e inexpugnável, abalou-se a noção de que as criptomoedas são imunes aos desígnios de qualquer tipo de autoridade monetária. Para esses e outros roubos, ver, por exemplo, portaldobitcoin.com/os-maiores-roubos-de-criptomoedas/ .
[15] Diga-se de passagem, uma das alegadas vantagens das criptomoedas, um suposto barateamento dos custos de transações, graças ao seu caráter descentralizado, parece não se sustentar, ao menos no curto prazo. De acordo com estimativas de Malmo (2015), em 2015 uma transação com bitcoins gastava cinco mil vezes mais energia elétrica do que uma transação com cartão de crédito, e o equivalente da eletricidade gasta diariamente, em média, por uma e meia família norte-americana. Ou ainda, segundo Roberts (2017), a "mineração de bitcoins já está consumindo mais energia computacional do que o consumo anual [de eletricidade] da Irlanda". E sob o atual padrão tecnológico esse gasto tenderia a aumentar fortemente com o passar do tempo. Ademais, da maneira como está constituído, o sistema da bitcoin pode realizar no máximo o irrisório número de sete transações por segundo, enquanto que o sistema do cartão de crédito Visa pode chegar hoje a 56 mil transações por segundo.
[16] A primeira negociação envolvendo o bitcoin ocorreu na segunda metade de 2009, a uma taxa de 1 BTC = 0,0007 US$, que seria o seu custo estimado da produção, considerando a capacidade computacional e a energia então exigidas para tanto.
[17] Por exemplo, se o custo de impressão de uma nota de US$ 100,00 fosse de US$ 1,00, a senhoriagem seria de US$ 99,00, pois o agente emissor poderia comprar mercadorias e serviços ou pagar dívidas e empréstimos no valor nominal da nota impressa. Atualmente, a senhoriagem é estimada através de uma taxa média de juros que incide sobre os títulos da dívida pública, pois a criação de dinheiro em todo o mundo é efetuada através dos registros de operações contábeis entre o sistema bancário e o resto da economia.
[18] Após a hayekgold , outra empresa lançou a bitgold . Ver: www.anthemvault.com/ ; bitcoinmagazine.com/... ; www.bitcoinmining.com/bitgold-goldmoney-review/ .
[19] Recentemente, a China anunciou que seus pagamentos na conta de petróleo seriam em renminbi conversíveis em ouro, em uma complexa engenharia financeira. Ver: resistir.info/eua/roberts_18out17.html .
[20] A lista das pessoas e empresas que o aceitam como meio de circulação ou meio de pagamento pode ser consultada em: coinmap.org/#/world/29.53522956/-19.33593750/2 . Por exemplo, recentemente uma construtora brasileira, a Valor Real (!!!) Empreendimentos Imobiliários passou a aceitar pagamento em criptomoedas em imóveis do Programa "Minha Casa, Minha Vida". Ver: www.infomoney.com.br/...
[21] O moderno sistema de crédito foi capaz de ultrapassar todas essas exigências do processo de circulação das mercadorias-capital.
[22] O entesouramento sob a forma de dinheiro metálico ou mesmo de notas bancárias, além de servir como uma forma de acumulação de riqueza, também exercia um papel importante na regulação da quantidade necessária de dinheiro para a realização do valor das mercadorias no processo de circulação do capital. Cada vez que o compartimento de circulação de mercadorias exigia mais dinheiro, uma parte do dinheiro entesourado era desentesourado entrando no processo de metamorfose da riqueza. Todo o dinheiro excedente, desnecessário à circulação, voltava aos tesouros particulares dos possuidores de riqueza, bancos ou empresas ou famílias.
[23] "O dinheiro como tal já é potencialmente valor que se valoriza, e como tal é emprestado, o que constitui a forma de venda dessa mercadoria peculiar. Torna-se assim propriedade do dinheiro criar valor, proporcionar juros, assim como a de uma pereira é dar peras. E como tal coisa portadora de juros, o prestamista de dinheiro vende seu dinheiro. Mas isso não é tudo. O capital realmente funcionante se apresenta, conforme se viu, de tal modo que proporciona o juro não como capital funcionante, mas como capital em si, como capital monetário" (MARX, 1986, p.294).
[24] Conferir Paulo Nakatani (2017).
[25] Cabe mencionar ainda que até o início de janeiro de 2017, quase a totalidade das compras de bitcoins (mais de 90%) eram realizadas com o renminbi chinês; a partir do final do mês esse quadro se altera drasticamente, e o yen japonês passa a ser dominar as aquisições de bitcoins, seguido pelo dólar norte-americano e o won koreano (o renminbi desaparece desse quadro) (ver blockchain.info/charts ).
[26] A esse respeito, cabe recordar Hebert Marcuse (1998, p.132): "O conceito de razão técnica é talvez em si mesmo ideologia. Não só a sua aplicação, mas já a própria técnica é dominação metódica, científica, calculada e calculante (sobre a natureza e sobre o homem). Determinados fins e interesses da dominação não são outorgados à técnica apenas 'posteriormente' e a partir de fora – inserem-se já na própria construção do aparelho técnico".
[27] Conferir, Bem Gliniecki (2014).
[28] Após a hayekgold , outra empresa lançou a bitgold . Ver: www.anthemvault.com/ ; bitcoinmagazine.com/... ; www.bitcoinmining.com/bitgold-goldmoney-review/ .
[29] Recentemente, a China anunciou que seus pagamentos na conta de petróleo seriam em renminbi conversíveis em ouro, em uma complexa engenharia financeira. Ver: resistir.info/eua/roberts_18out17.html .
[30] Ao que comenta Romano (2004, p.16): "sob o mecanismo e o intelecto impiedoso, existem corpos vivos, almas que sentem e vibram com o belo e o verdadeiro. Corpos que, se pudessem, envergariam cosméticos com muito luxo, enfeites, suntuosas roupas domingueiras. Almas que se desdobrariam no devaneio dos sonhos despertados pelos cinco sentidos, em todas as artes. Mas o capitalismo impede a festa somática e anímica. Ele produz o seu oposto".
[31] Como se disse alhures (Nakatani e Mello, 2017), "a deificação do ouro, que conduziu ao extermínio e à escravidão e ao suplício de milhões ao longo da história do capitalismo, e que nalguns lugares continua catalizando conflitos militares, genocídios, e submetendo multidões a condições aviltantes de trabalho; tal deificação, dizíamos, ressurge aqui como farsa, uma pseudo-nostalgia, uma ode ao fetichismo, que assume as formas mais tresloucadas de manifestação".


[*] Professor Titular do Departamento de Economia da UFES e do Programa de Pós-Graduação em Política Social da UFES.
[**] Professor Adjunto do Departamento de Economia da UFES e do Programa de Pós-Graduação em Política Social da UFES.
O presente ensaio fará parte integrante do livro Mello, G.M.C.; Sabadini, M.S. (eds) Financial Speculation and Fictitious Profits: A Marxist Analysis. Palgrave Macmillan, 2019. (Series Title: Marx, Engels, and Marxisms) a ser publicado dentro em breve. A primeira versão foi publicada na revista Crítica Marxista , nº 47


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Postagens Relacionadas:

Anterior Proxima Inicio

0 comentários:

Postar um comentário