sábado, 24 de outubro de 2015

Entre especulações e agouros do final do chavismo

Entre especulações e agouros do final do chavismo

Aram Aharonian
22.Out.15 :: Outros autores
Aproximam-se as eleições de Dezembro para a Assembleia Nacional venezuelana. As ambições da oposição são grandes: virar a seu favor as dificuldades económicas e a desestabilização, para as quais continua a contribuir, em aliança com todos os que, no exterior, desejam pôr fim ao processo bolivariano. E suscita apreensão que se verifiquem insuficiências e importantes contradições na acção dos que assumem o legado de Hugo Chávez.

Daqui a uns 50 dias serão eleitos os novos integrantes da Assembleia nacional venezuelana, com resultados por demais incertos e onde o país se prepara para a confrontação eleitoral entre a metáfora opositora do desastre e a vitória perfeita que o oficialismo apregoa, na sua consigna de consolidação do processo bolivariano. E revolucionário, dizem.
Se se tentasse uma análise séria, deveria partir-se dos dados de quase duas dezenas de votações anteriores, desde as eleições de há 17 anos, quando Hugo Chávez acedeu à presidência, os inquéritos e sondagens de opinião, a análise da capacidade de mobilização do Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV) e da Mesa de Unidade Democrática (MUD)…
Não pode deixar de se considerar a delicada situação económica do país, juntamente com a escassez e as longas filas, o que para os analistas estrangeiros tem o significado de um “previsível” voto de castigo ao governo de Nicolás Maduro, com uma esperada maioria para a oposição. Mas é a Venezuela, um país onde todos, bolivarianos e antichavistas, sentem a ausência da liderança de Hugo Chávez. O problema existe e há que reconhecer a responsabilidade que cabe ao governo, que prefere insistir na “guerra económica” a qual, sem dúvida, não pode ser a única responsável.
E como se tudo estivesse calmo internamente, o inimigo maior quer ajudar à desestabilização, promovendo dois conflitos limítrofes, com a Guiana – pelo território Esequibo - e com a Colômbia, pelo contrabando e a exportação dos seus problemas internos, económicos mas sobretudo de segurança: sicários, paramilitares.
Tibisay Lucena, a presidente do Conselho Nacional Eleitoral, advertiu que existe uma conspiração contra aquele organismo, uma denúncia que se repete cada ano em que há eleições, e que nem sempre surge de forças internas. Agora foi o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, e virão outros mais agressivos, sublinha o director do diário Últimas Noticias, Eleazar Díaz Rangel.
Não é nada divertido esperar até oito horas em filas para poder conseguir comida ou medicamentos. As filas são ordenadas e a escassez não se deve apenas ao açambarcamento ou ao contrabando para o outro lado da fronteira comum de mais de 2200 quilómetros. Escasseiam produtos de preços regulados, e também tudo o que é importado à taxa oficial. Os controlos não surtiram efeito e o fosso cambial é monumental. Na fronteira com a Colômbia foram detidos 66 militares venezuelanos, implicados nessas acções delinquentes que continuam em actuação. Entretanto, três ataques sucessivos em menos de uma semana a instalações do Estado deixam à vista que se trata de planos da oposição radical que continuarão até ao dia das eleições. E depois.
A metáfora do desastre
É esta a Venezuela em campanha pré-eleitoral, onde a oposição constrói o seu discurso e a sua estratégia em torno à metáfora do desastre, que se impõe graças ao efeito persuasivo transversal a todo o programa de televisão, cobertura de diários, portais ou rádios.
“As metáforas, enquanto elemento alegórico – explica a socióloga Maryclén Stelling -, manifestam algo que não se diz necessariamente de forma explícita, mas se intui e se compreende graças à associação de conceitos e vivencias”. Por isso, palavras como derrocada, terremoto, tsunami, tempestades, erosão, são reinterpretadas atribuindo-lhes uma nova noção.
Perante isso, incitam os think tanks, impõe-se a reconstrução, recuperação, reactivação, limpeza dos escombros, o resgate e desse modo resolver este desastre. A oposição procura a solidariedade (o voto) em volta do desastre. O último passo antes de dar o passo em frente… do abismo.
¿Uma vitória do governo ou do povo?
Entretanto, o oficialismo insiste na “vitória perfeita”, “a união popular para defender a pátria (…) e desanuviar o caminho”. É essa a mensagem de Maduro: “Não há vitórias predestinadas, há que as construir e depois disfrutar delas”. “Necessitamos de uma grande vitória política (…) para desanuviar o caminho” e assegurar a paz do país.
Muitos dirigentes do chavismo – em geral afastados do governo pelo madurismo - destacam que diminuiu, quase desaparecendo, a crítica e a autocrítica no interior do processo bolivariano.
“Estas eleições não vão ser ganhas por simples inercia, porque o chavismo esteja presente, requerem uma acção muito vigorosa, muito dinâmica por parte do governo e das forças políticas que acompanham o governo”, sublinha o ex. chanceler, ex. ministro da Energia, o ex-secretário-geral da Unasur e actual embaixador em Cuba, Alí Rodríguez. Mas o que parece é que o que mais acompanha essa inercia é o silêncio.
Por isso falam de uma “vitória popular”, do poder popular que emerge das comunas onde se respira ainda uma consciência sobre a necessidade de preservar os inegáveis sucessos do chavismo, e não do governo nem da maquinaria eleitoral do debilitado Grande Polo Patriótico.
A oposição assegura que vai ganhar as eleições parlamentares (uma forma de abrir o guarda-chuva – como vêm fazendo desde 2004 – e denunciar que se não o conseguem é porque houve fraude) e, por conseguinte, deveria antes de mais dar a conhecer as propostas que concretizarão como parte do Estado. Os media que estão do seu lado, por exemplo, são contrários a ajustes como o da gasolina, exprimem-se muitas vezes a favor da Guiana e mostram-se contrários aos acordos de paz na Colômbia. ¿Será essa a linha do MUD na Assembleia?
¿Fim do chavismo?
Chávez, juntamente com os seus principais assessores, criou um projecto de país, que com o tempo derivou em um projecto de sociedade para além do capitalismo e conseguiu ser hegemónico pela força da sua liderança e pela sua capacidade estratégica. Após a sua morte produz-se uma ruptura nessa unidade interna, inclusivamente dentro do gabinete de Maduro, enquanto recrudescem as pressões por parte da social-democracia europeia, em especial a francesa, dos grandes grupos financeiros transnacionais e a partir do próprio Vaticano, para terminar com a revolução chavista.
E somam-se assim informações contraditórias sobre a política económica: o presidente anuncia a necessidade de ajustar os preços da gasolina, a urgência de uma revolução tributaria, o desenvolvimento do controlo dos preços… e tudo fica por meros anúncios.
Hoje a economia está nas mãos do general de brigada Marco Torres, ministro da Economia, Finanças e Banca Pública e presidente do Banco de Venezuela estatal, que anunciou o estabelecimento de mesas de trabalho com as principais empresas financeiras do mundo como a JP Morgan, para as convidar a investir no país, o que tão pouco se traduziu em políticas de abertura. Mas Maduro – que se repete em enunciar anúncios - instava a radicalizar a revolução, o que para qualquer pessoa pressupõe que se avançaria para um modelo com maior participação dos trabalhadores e o fortalecimento da participação popular.
O analista Manuel Azuaje sublinha que grupos que fazem parte do governo se têm confrontado em temas nevrálgicos como a orientação da política económica. “É a desaparição física de Chávez que produz a dissolução da hegemonia no projecto de governo, a sua ausência produz que estes grupos entram em confronto directo, sem que nenhum consiga formar uma hegemonia. Desse modo o vácuo perpetua-se”.
Esta falta de consenso – ou de convicções - foi aproveitado pela direita vernácula em aliança com o imperialismo para intensificar as suas estratégias e colapsar o país. Em várias ocasiões Maduro tomou decisões para reverter medidas que na altura causaram importantes críticas e desacordos por parte da base chavista, como a paralisação do projecto de lei sementes que abria as portas aos transgénicos, impedir a desaparição da comuna El Maizal, e revogar o projecto de abertura de novas minas para a exploração de carvão.
Mas o certo é que no governo alguns apostam num programa de aberturas económicas, outros ouvem as reclamações populares e tomam decisões que reflectem o espírito de Chávez. “O retorno ao pasado não é uma opção, nem a retirada uma estratégia (…), é hora de reconhecer os aliados fundamentais e apoiá-los para que consigam vencer todos aqueles que querem deitar borda fora o que foi alcançado”, sublinha Azuaje
Futurologia
São dois os cenários possíveis: num, o Psuv ganha a maioria de deputados eleitos; noutro, a oposição ganha a maioria. Os 51 parlamentares que são eleitos de forma proporcional ficariam repartidos de modo idêntico. A decisão estaria nos círculos, em relação aos quais é mais difícil fazer um prognóstico apenas a partir das tendências gerais.
Uma eleição “equilibrada” criaria uma alta tensão que seria adicionalmente estimulada por denúncias de fraude; haveria tentativas de violência e actuações fora do quadro legal que poderiam saldar-se por uma derrota dos “insurgentes”, mas com efeitos colaterais danosos para o país.
No caso de a oposição obter a maioria de deputados, corresponder-lhe-ia designar o presidente da Assembleia, o que daria lugar a uma situação objectiva de coabitação, que poderia implicar simultaneamente acordos e atritos, que se iriam dirimindo com a vista posta no horizonte das eleições para governadores de finais de 2016, reconhece Leopoldo Puchi, politólogo opositor.
Se a situação se bloqueia e deriva para uma confrontação de poderes muito forte no próximo ano, seguramente a válvula de escape seria a do referendo em 2016 ou princípio de 2017. Este cenário aceleraria caso a oposição obtivesse em Dezembro dois terços da Assembleia unicameral, o que hoje não parece passar de uma declaração de desejos.
O que não pode ser descartado é que, ganhe o governo ou a oposição, a tensão vai subir, e portanto há que processá-la desde já, uma vez que os problemas económicos, no cerne de tudo o que sucede, exigem um programa de medidas entre Dezembro e Janeiro. E, no plano político, o diálogo é um instrumento insubstituível.
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