Os bancos centrais como bancarrotas de último recurso
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Activos, total | 4.495,9 | 100 | Passivos, total | 4.495,9 | 100 |
Incluindo: | Incluindo: | ||||
Títulos do Tesouro | 2.459,8 | 54,7 | Federal Reserve Notes | 1.311,8 | 29,2 |
Títulos hipotecários | 1.745,9 | 38,8 | Contas de depósito | 2.829,1 | 62,9 |
Capital próprio | 57,5 | 1,3% |
Como mostra a Tabela 1, os activos do US Federal Reserve System são em grande medida constituídos por dois tipos de títulos – os do tesouro hipotecários. Este segundo tipo representa quase dois quintos de todos os activos do Federal Reserve. Para comparação: em Janeiro de 2007, 93,6 por cento de todos os activos do FRS eram representados por títulos do tesouro e estes eram tanto Treasury bonds (60,3 por cento dos activos) como Treasury bills (33,3 por cento). O títulos do Tesouro são obrigações com uma maturidade de várias semanas a um ano. Diga-se de passagem que os activos do FRS já não incluem Treasury bills, só títulos do Tesouro a longo prazo. Na linguagem de peritos profissionais em finanças, uma tal metamorfose é chamada "diminuição na liquidez dos activos do Federal Reserve".
Os passivos do Federal Reserve experimentaram uma transformação radical. Hoje, as notas do Federal Reserve (ou papel-moeda) representam menos de 30 por cento. A fatia do leão de todos os passivos é representada pelas contas de depósito nas quais os bancos membros do FRS colocam seu dinheiro. Este quadro é drasticamente diferente do que era no começo de 2007. Naquele tempo, 98,6 por cento de todos os passivos eram notas (moeda papel), ao passo que contas de depósito representavam uma minúscula fatia de 1,4 por cento. De facto, elas não eram sequer contas de depósito, mas contas de reserva overnight de bancos americanos membros do FRS que desempenhavam a função técnica de meio de troca entre instituições financeiras durante o trading.
Tudo isto significa que o FRS começa rapidamente a parecer-se a um banco comercial comum ao invés de um centro emissor de notas. Ainda por cima, o Federal Reserve está a transformar-se num chamado "bad bank". O conceito de "bad bank" emergiu entre autoridades monetárias ocidentais durante a última crise financeira e refere-se a uma organização financeira cujo balanço está sobrecarregado com activos tóxicos de outros bancos, primariamente bancos da "elite" ("principais"). Portanto bancos da "elite" são capazes de manter a aparência de que são confiáveis. O navio conhecido como Federal Reserve estava sobrecarregado com activos "tóxicos" na forma de títulos hipotecários devido à implementação do programa QE. Aqueles que lançaram a ideia dos "bad banks" trabalhavam com a premissa de que o FRS é um navio impossível de afundar e capaz de aguentar quaisquer cargas. A natureza "tóxica" destes activos é cuidadosamente ocultada pelo facto de os títulos apoiados em hipotecas serem contabilizados a preços inflacionados. O momento da verdade virá quando o FRS tentar vendê-los no mercado. O valor de mercado será mais baixo do que o valor contabilístico e mostrará uma perda. E mesmo que o Federal Reserve mantenha estes títulos por tanto tempo quanto possível, o momento da verdade acabará por chegar. Afinal de contas, títulos hipotecários não são ilimitados, mais cedo ou mais tarde a toxicidade destes títulos será reflectida nos resultados financeiros do FRS (lucros e perdas). Este pormenor desagradável do programa QE foi destacado pela agência de notícias Bloomberg há mais de dois anos. A agência encarregou a MSCI, os mesmos consultores aos quais o FRS pediu para executar testes de stress em 19 dos principais bancos americanos, de analisar a estabilidade do Federal Reserve. Verificou-se que naquele momento (princípio de 2013), os activos do Federal Reserve montavam a aproximadamente US$3 milhões de milhões. Se o programa QE for reduzido gradualmente e o FRS se desfizer dos seus activos tóxicos (dentro de três anos), o Federal Reserve estará a encarar perdas totais que vão dos US$216 mil milhões a US$547 mil milhões. Por outras palavras, a perda média anual seria igual a US$72-182 mil milhões. É de notar que em anos anteriores (antes do lançamento do programa QE), o lucro médio do Federal Reserve estava sobretudo em torno dos US$70-80 mil milhões. Contudo, estes cálculos foram há dois anos atrás. Hoje, o nível de toxidade dos activos do Federal Reserve aumentou consideravelmente.
Os títulos hipotecários nos activos do Federal Reserve são uma mina de acção retardada. Títulos do tesouro não proporcionam o lucro requerido. Examinemos por exemplo títulos com uma maturidade de cinco anos. Em Março de 2014, sua taxa anual de retorno era 1,67 por cento, em 25 de Fevereiro de 2015 ela já equivalia a 1,54 por cento e um mês depois, em 25 de Março, a taxa havia caído para 1,36 por cento. É de notar que esta queda na taxa de juro em obrigações do Tesouro acompanha a redução gradual do programa QE.
Enormes montantes de moeda nas contas depósito do Federal Reserve exigem consideráveis pagamentos de juros a bancos clientes. Mas não há nada para pagar. Desde Outubro de 2008, o FRS paga 0,25 por cento sobre reservas bancárias; esta taxa é conhecida como IROR. A introdução de uma taxa de juro zero está a ser discutida actualmente é há mesmo discussões sobre a possibilidade de estabelecer uma taxa de juro negativa sobre contas de depósito. Os bancos centrais da Suécia e da Dinamarca já fizeram isto e o Banco Central Europeu está a planear fazê-lo.
Isso recorda-me que o BCE anunciou o início do seu próprio programa de facilidade quantitativa. O que equivale a dizer que começa a comprar lixo (tóxico) de títulos de dívida dos estados membros da UE por euros. O processo de "intoxicação" do balanço do BCE começou, o qual poderá demonstrar-se letal para este centro emissor (o segundo mais importante do mundo, após o FRS).
Transferir perdas de um banco para outro não altera as perdas totais nos sistemas bancário e financeiro. Os possuidores da moeda (os principais accionistas do FRS) e seus serviçais (o governador do FRS, o secretário do Tesouro dos EUA, conselheiros económicos da Casa Branca) estão a tentar convencer o público de que através de manipulações como programas de facilidade quantitativa seria possível reduzir as perdas totais no sistema bancário. Não funcionará. Na melhor das hipóteses, é possível adiar a hora do ajuste de contas através da criação de mais um "bad bank", mas mais cedo ou mais tarde todas as perdas acabarão no balanço do banco central.
Chamo mais uma vez a atenção para o balanço do Federal Reserve. O capital próprio do US Federal Reserve em relação ao valor no balanço do mesmo é apenas de 1,3 por cento. E este capital simbólico não é representado por ouro ou qualquer outra coisa de valor real, mas sim por registos electrónicos. É a trivial magia negra financeira.
Do ponto de vista dos rácios de adequação do capital desenvolvidos pelo Banco de Pagamentos Internacionais (Bank for International Settlements, BIS) para bancos (comerciais) comuns (Basileia II, Basileia III), o US Federal Reserve System está completamente em bancarrota. Neste momento, toda a gente no mundo das finanças está a tentar não perceber isso, mas a situação não pode continuar a passar desapercebida por muito tempo.
Aos bancos centrais (o FRS, o BCE e outros) tem sido assinalado o papel de último elo na cadeia de "bad banks". Em algum ponto, o prestamista de último recurso inevitavelmente se tornará na bancarrota de último recurso. Será o acto final na estória do capitalismo financeiro.
Os passivos do Federal Reserve experimentaram uma transformação radical. Hoje, as notas do Federal Reserve (ou papel-moeda) representam menos de 30 por cento. A fatia do leão de todos os passivos é representada pelas contas de depósito nas quais os bancos membros do FRS colocam seu dinheiro. Este quadro é drasticamente diferente do que era no começo de 2007. Naquele tempo, 98,6 por cento de todos os passivos eram notas (moeda papel), ao passo que contas de depósito representavam uma minúscula fatia de 1,4 por cento. De facto, elas não eram sequer contas de depósito, mas contas de reserva overnight de bancos americanos membros do FRS que desempenhavam a função técnica de meio de troca entre instituições financeiras durante o trading.
Tudo isto significa que o FRS começa rapidamente a parecer-se a um banco comercial comum ao invés de um centro emissor de notas. Ainda por cima, o Federal Reserve está a transformar-se num chamado "bad bank". O conceito de "bad bank" emergiu entre autoridades monetárias ocidentais durante a última crise financeira e refere-se a uma organização financeira cujo balanço está sobrecarregado com activos tóxicos de outros bancos, primariamente bancos da "elite" ("principais"). Portanto bancos da "elite" são capazes de manter a aparência de que são confiáveis. O navio conhecido como Federal Reserve estava sobrecarregado com activos "tóxicos" na forma de títulos hipotecários devido à implementação do programa QE. Aqueles que lançaram a ideia dos "bad banks" trabalhavam com a premissa de que o FRS é um navio impossível de afundar e capaz de aguentar quaisquer cargas. A natureza "tóxica" destes activos é cuidadosamente ocultada pelo facto de os títulos apoiados em hipotecas serem contabilizados a preços inflacionados. O momento da verdade virá quando o FRS tentar vendê-los no mercado. O valor de mercado será mais baixo do que o valor contabilístico e mostrará uma perda. E mesmo que o Federal Reserve mantenha estes títulos por tanto tempo quanto possível, o momento da verdade acabará por chegar. Afinal de contas, títulos hipotecários não são ilimitados, mais cedo ou mais tarde a toxicidade destes títulos será reflectida nos resultados financeiros do FRS (lucros e perdas). Este pormenor desagradável do programa QE foi destacado pela agência de notícias Bloomberg há mais de dois anos. A agência encarregou a MSCI, os mesmos consultores aos quais o FRS pediu para executar testes de stress em 19 dos principais bancos americanos, de analisar a estabilidade do Federal Reserve. Verificou-se que naquele momento (princípio de 2013), os activos do Federal Reserve montavam a aproximadamente US$3 milhões de milhões. Se o programa QE for reduzido gradualmente e o FRS se desfizer dos seus activos tóxicos (dentro de três anos), o Federal Reserve estará a encarar perdas totais que vão dos US$216 mil milhões a US$547 mil milhões. Por outras palavras, a perda média anual seria igual a US$72-182 mil milhões. É de notar que em anos anteriores (antes do lançamento do programa QE), o lucro médio do Federal Reserve estava sobretudo em torno dos US$70-80 mil milhões. Contudo, estes cálculos foram há dois anos atrás. Hoje, o nível de toxidade dos activos do Federal Reserve aumentou consideravelmente.
Os títulos hipotecários nos activos do Federal Reserve são uma mina de acção retardada. Títulos do tesouro não proporcionam o lucro requerido. Examinemos por exemplo títulos com uma maturidade de cinco anos. Em Março de 2014, sua taxa anual de retorno era 1,67 por cento, em 25 de Fevereiro de 2015 ela já equivalia a 1,54 por cento e um mês depois, em 25 de Março, a taxa havia caído para 1,36 por cento. É de notar que esta queda na taxa de juro em obrigações do Tesouro acompanha a redução gradual do programa QE.
Enormes montantes de moeda nas contas depósito do Federal Reserve exigem consideráveis pagamentos de juros a bancos clientes. Mas não há nada para pagar. Desde Outubro de 2008, o FRS paga 0,25 por cento sobre reservas bancárias; esta taxa é conhecida como IROR. A introdução de uma taxa de juro zero está a ser discutida actualmente é há mesmo discussões sobre a possibilidade de estabelecer uma taxa de juro negativa sobre contas de depósito. Os bancos centrais da Suécia e da Dinamarca já fizeram isto e o Banco Central Europeu está a planear fazê-lo.
Isso recorda-me que o BCE anunciou o início do seu próprio programa de facilidade quantitativa. O que equivale a dizer que começa a comprar lixo (tóxico) de títulos de dívida dos estados membros da UE por euros. O processo de "intoxicação" do balanço do BCE começou, o qual poderá demonstrar-se letal para este centro emissor (o segundo mais importante do mundo, após o FRS).
Transferir perdas de um banco para outro não altera as perdas totais nos sistemas bancário e financeiro. Os possuidores da moeda (os principais accionistas do FRS) e seus serviçais (o governador do FRS, o secretário do Tesouro dos EUA, conselheiros económicos da Casa Branca) estão a tentar convencer o público de que através de manipulações como programas de facilidade quantitativa seria possível reduzir as perdas totais no sistema bancário. Não funcionará. Na melhor das hipóteses, é possível adiar a hora do ajuste de contas através da criação de mais um "bad bank", mas mais cedo ou mais tarde todas as perdas acabarão no balanço do banco central.
Chamo mais uma vez a atenção para o balanço do Federal Reserve. O capital próprio do US Federal Reserve em relação ao valor no balanço do mesmo é apenas de 1,3 por cento. E este capital simbólico não é representado por ouro ou qualquer outra coisa de valor real, mas sim por registos electrónicos. É a trivial magia negra financeira.
Do ponto de vista dos rácios de adequação do capital desenvolvidos pelo Banco de Pagamentos Internacionais (Bank for International Settlements, BIS) para bancos (comerciais) comuns (Basileia II, Basileia III), o US Federal Reserve System está completamente em bancarrota. Neste momento, toda a gente no mundo das finanças está a tentar não perceber isso, mas a situação não pode continuar a passar desapercebida por muito tempo.
Aos bancos centrais (o FRS, o BCE e outros) tem sido assinalado o papel de último elo na cadeia de "bad banks". Em algum ponto, o prestamista de último recurso inevitavelmente se tornará na bancarrota de último recurso. Será o acto final na estória do capitalismo financeiro.
01/Abril/2015
Do mesmo autor:
[*] Economista.
O original encontra-se em m.strategic-culture.org/...
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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