sábado, 10 de janeiro de 2015

Balanço da Reforma Agrária 2014 e do primeiro mandato da Presidenta Dilma Rousseff


A Comissão Pastoral da Terra – Regional Nordeste II divulga o balanço da Reforma Agrária do ano de 2014 e do primeiro mandato da Presidenta Dilma Rousseff. Confira a análise na íntegra:

No último ano do primeiro mandato, Dilma Rousseff deixa sua marca na questão agrária: foi a presidenta que menos desapropriou terras e assentou famílias para a Reforma Agrária; menos demarcou os territórios  Indígenas, Quilombolas e de diversas populações tradicionais; menos criou Reservas Extrativistas. Em contrapartida, foi a que mais apoiou o agronegócio e os grandes empreendimentos capitalistas. Ao que parece, os sinais do tempo indicam que a mudança não vem do Planalto, vem das Planícies.  
A posse do primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff, em 2011, alimentou a esperança de que a Reforma Agrária e as demarcações de terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas e quilombolas voltaria para a pauta do Governo Federal. Afinal, esse foi o compromisso assumido. No entanto, a presidenta não apenas seguiu o mesmo caminho de seu antecessor, como acentuou o processo posto em marcha pelo presidente Lula. A política econômica da nova presidenta seguiu investindo forte, e quase exclusivamente, no agronegócio, nas mineradoras, em grandes projetos de desenvolvimento e de expansão do capital. Do outro lado, milhares de camponeses, populações tradicionais e a mãe Terra, com uma incansável resistência, continuaram denunciando as contradições e a inviabilidade do modelo de desenvolvimento que os esmagava. 
Os povos clamaram por igualdade, por direitos e por justiça, gritaram também para não serem extintos. Resistiram aos inúmeros conflitos provocados por grandes obras do Estado e empresas capitalistas. Como forma de retaliação, os assassinatos no campo continuaram marcados pelo sangue destes povos, o que representou o empenho deste modelo em garantir não só a morte cultural, material e simbólica dos povos do campo, mas também a sua morte física. 
Os indicadores da Reforma Agrária atingiram os piores índices em décadas e, a cada ano, apontavam uma certeza: o Brasil permaneceria amargando o vergonhoso título de um dos países que mais concentra terras no mundo. Financiado intensamente por recursos públicos, o agronegócio se consolidou como o modelo para a agricultura, enquanto a Reforma Agrária e a agricultura camponesa deixaram de ser estratégicas para o projeto de sociedade defendido pelo PT no exercício do poder central. Além da paralisação das desapropriações, seguiu-se um processo de privatização dos assentamentos, de legalização das grilagens de terra e de sepultamento do Incra. Na questão agrária, o mercado capitalista foi quem regulou o Estado. Continuou em curso uma ampla Contra Reforma Agrária. 
O agronegócio, beneficiado como indiscutível opção preferencial dos Governos Petistas, tratou de aprofundar o seu modelo e as suas diretrizes. O Brasil tornou-se o maior consumidor mundial de agrotóxicos.  Em média, cada brasileiro/a consume por ano cerca de 5,2 litros de veneno agrícola. O mercado brasileiro de transgênicos já é o segundo maior do planeta. Entre 2013 e 2014, o Brasil foi o país que registrou maior aumento de áreas cultivadas com sementes transgênicas no mundo, chegando a cerca de 40 milhões de hectares. De acordo com o IBGE, a expectativa é que, entre 2014 e 2015, haja um aumento de 3,9%, chegando a 42,2 milhões de hectares. Este mesmo agronegócio, aliado aos órgãos estatais, impôs uma derrota histórica ao povo brasileiro com a aprovação do Código Florestal (Código do Desmatamento) no Congresso Nacional. 
Desnudando os números da Reforma Agrária 
De acordo com os dados de institutos oficiais de pesquisa, durante os anos de 2011 a 2014 foram “assentadas” 103.746 mil famílias. No entanto, é preciso fazer um alerta: 73% correspondem a famílias ligadas a processos anteriores ao mandato da presidenta Dilma. Se levarmos em consideração as ações originárias em seu próprio governo, esse número cai para 28.313 mil famílias. Para piorar ainda mais o quadro, todas essas famílias não estão ligadas necessariamente a criação de novos assentamentos, mas também a casos de regularização junto ao Incra. Como apontam os dados, 43,1% da área total obtida nesses quatro anos referem-se a reconhecimentos de áreas antigas, já ocupadas por essas famílias, em vários estados do país. 
No ano de 2014, último de seu mandato, a presidenta Dilma assentou/regularizou apenas 6.289 mil famílias. O número é obsceno se comparado ao volume de mais de 200 mil famílias sem terra que se encontram atualmente mobilizadas pela Reforma Agrária no país, segundo os movimentos de luta pela terra no Brasil. Peguemos como exemplo o caso de Pernambuco. O número apresentado pelas duas Superintendências do estado (SR 03 e SR 29) é de cerca de 650 famílias assentadas em 2014. No entanto, cerca de 90% deste total referem-se a casos de realocações e de regularizações fundiárias. Lembremos que, segundo os movimentos e organizações do campo, existem mais de 22 mil famílias sem terra espalhadas nas ocupações e acampamentos em Pernambuco. 
No último dia do ano, 31/12, foram anunciados decretos de desapropriação de 22 áreas para serem destinadas à Reforma Agrária em todo o país. Com estas, somam-se ao todo 30 áreas que foram a decreto em 2014. No entanto, isso não garante de fato o assentamento de novas famílias sem terra, pois além de este processo ser lento, os proprietários ainda podem recorrer da decisão. Em resumo: os números da Reforma Agrária do Governo Dilma são considerados os piores nos últimos 20 anos. 
No que diz respeito à demarcação de territórios tradicionais, o quadro também atinge a pior marca dos últimos vinte anos. Contrariando o que determina a Constituição Brasileira, o Governo da Presidenta Dilma Rousseff paralisou os procedimentos administrativos de demarcação de territórios indígenas no país. Apenas 11 homologações foram feitas pela Presidenta durante os quatro anos de governo. Com isso, a presidenta passa a ser considerada a que menos demarcou terras indígenas, segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Ainda de acordo com o Cimi, das 1.047 terras indígenas reivindicadas por estes povos atualmente, apenas 38% estão regularizadas. Cerca de 30% das terras estão em processo de regularização e 32% sequer tiveram iniciado o procedimento de demarcação por parte do Estado brasileiro. A situação das comunidades quilombolas não é diferente. Segundo dados da Fundação Palmares, o Brasil possui atualmente 2.431 comunidades certificadas pelo órgão. Mas, apenas nove delas foram tituladas durante o primeiro mandato de Dilma (todas parcialmente). 
O Governo acumula ainda mais títulos contra os povos do campo. A Presidenta será lembrada também por ser a que menos criou áreas protegidas na história do Brasil. Foram criadas, no final de 2014, apenas 09 Unidades de Conservação. Atualmente, além de centenas de propostas de Unidades de Proteção Integral, mais de 250 processos, nos quais se reivindicam a criação de Reservas Extrativistas, a exemplo da Reserva Extrativista Sirinhaém/Ipojuca em PE estão engavetados descaradamente no Ministério do Meio Ambiente. A atual ministra do Meio Ambiente declarou que muito já foi feito para as comunidades tradicionais nas Reservas Extrativistas (O Eco, 18.12.2014) e que, portanto, “agora está bom, vamos olhar para a proteção integral". Ocorre que a única atenção prestada pelo Ministério do Meio Ambiente para as comunidades tradicionais na gestão da ministra Izabella Teixeira foi de negar seus direitos e tentar expulsá-las das unidades de proteção integral. Os números comprovam que o Estado brasileiro permanece negando às comunidades quilombolas, aos povos indígenas e a outras comunidades tradicionais o direito aos territórios que lhes pertencem há séculos, pelo fato de que foram criadas unidades de conservação de proteção integral, sem considerar antes a realidade existente em suas áreas tradicionais nos mesmos territórios. 
Violência no Campo 
Diante das ações e omissões do Governo Federal, o cenário em 2014 não poderia ser diferente: o contexto de violência marcou a vida das comunidades camponesas que se encontram em luta por direitos e pela permanência em suas terras e territórios. Em 2014, os conflitos agrários foram provocados hegemonicamente pelo poder privado, com destaque para fazendeiros, grandes latifundiários, grandes empresas, mineradoras, hidrelétricas, dentre outros. 
De acordo com os dados parciais da CPT, ocorreu um aumento do número de áreas em conflito e da violência sofrida por trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra, acampados/as, assentados/as e pequenos/as proprietários/as. O ano de 2014 amargou a marca de 34 pessoas assassinadas no campo, o mesmo número de 2013. Os estados do Mato Grosso do Sul, Pará e Maranhão foram os que lideraram o trágico índice de violência no campo com vítimas fatais. 
Alguns conflitos territoriais resultaram em intensas ações de violência e repercutiram nacional e internacionalmente. A exemplo de alguns conflitos na região Nordeste, como o caso da expansão do Complexo Portuário de Suape, em Pernambuco, que permanece sendo um dos focos mais simbólicos do avanço do modelo desenvolvimentista contra populações tradicionais. Progressivamente, as famílias continuam sendo expulsas de suas terras para dar lugar ao empreendimento portuário, que invade os territórios camponeses, sob o pretexto de ser a “locomotiva” do estado. Neste ano que se encerra, foram mais de 230 famílias expulsas do local em que viviam tradicionalmente sob a justificativa de “preservar áreas ecológicas e instalar novas indústrias”. Ainda em Pernambuco, assistimos, em 2014, a deslavada e violenta atuação do setor sulcroalcooleiro contra comunidades camponesas, sem que qualquer instância estatal tenha se preocupado em coibir e enfrentar essas violações de direitos. Este foi o caso do Engenho Contra Açude, localizado na zona da mata do estado, cujas famílias sofreram, sem exageros, ameaças cotidianas por capangas dos proprietários. 
No estado da Paraíba, destacou-se o conflito envolvendo os posseiros da Fazenda Paraíso, no município de Mogeiro, que sofreram ao longo de 2014 toda a sorte de violência para que abandonassem a área em que vivem há mais de 50 anos. Também teve grande repercussão os conflitos envolvendo a disputa pela terra nos Engenhos da Usina Cruangi. No Rio Grande do Norte, ressaltamos a permanência da luta e resistência das famílias na Chapada do Apodi contra o já conhecido e devastador projeto de irrigação do DNOCS. No estado de Alagoas, o monocultivo da cana permanece como o principal vilão dos conflitos fundiários, além do avanço progressivo de plantações de eucalipto sobre as comunidades camponesas. No estado do Maranhão, ressaltamos a luta das comunidades quilombolas que teimam em fazer resistência frente ao avanço do capital em seus territórios tradicionais. São incontáveis e intermináveis exemplos de força e determinação dos povos do campo na luta por dignidade. 
Combate ao Trabalho Escravo: Luzes e sombras
Segundo a conta ainda provisória da Campanha da CPT (De olho aberto para não virar escravo), o número de pessoas libertadas de condição análoga à de escravo durante o ano de 2014 foi de 1.550, um valor nitidamente inferior à média dos 4 anos anteriores (2.632). O número de fiscalizações (216) também ficou abaixo da média observada desde 2003 (261), ano em que foi consolidada a atual política nacional de erradicação do trabalho escravo. Poderia se parabenizar essa redução se tivéssemos certeza de que traduz uma redução efetiva da prática deste crime. Mas existem sinais de que estamos em rota de desmobilização no combate ao trabalho escravo. O grupo móvel nacional está longe de atender toda a demanda reprimida e os fiscais de várias superintendências regionais, que em 2014 foram responsáveis por 40% das fiscalizações, se queixam da escassez de meios e da falta de priorização, quando não da interferência negativa da chefia sobre a fiscalização do trabalho escravo. É fato que o número de auditores fiscais do trabalho caiu para um estágio crítico.
Além disso, a insegurança tem acompanhado, também, a atuação dos auditores fiscais do trabalho: em julho do ano passado, um deles foi agredido e mantido em cárcere privado em Castanhal, no Pará, por empregadores inconformados com a ação fiscal; em dezembro, outro auditor, no Acre, denunciou estar sofrendo perseguições depois de ter resgatado 15 trabalhadores na zona rural de Rio Branco.
Geograficamente, 57% dos casos de trabalho escravo identificados em 2014 foram nas regiões Norte e Nordeste, sendo 49% na Amazônia Legal de onde foram resgatados 508 trabalhadores, um número igual ao de trabalhadores libertados na região Sudeste (510).
Por ordem decrescente de ocorrências, tivemos: Tocantins (24 casos / 188 resgates), Pará (18/113), Minas Gerais (16/158), São Paulo (13/137), Maranhão (13/52), Goiás (11/141), Ceará (8/74). Houve resgates em 21 estados. 
Assim se confirma o movimento registrado nos 4 anos anteriores de descobrimento de situações de trabalho escravo na totalidade do país e nas mais variadas atividades. Se a pecuária (45 casos/317 resgatados) e a lavoura (24/378) ainda dominam, um número significativo de ocorrências e de libertados foi encontrado em atividades não-agrícolas, com predominância na construção civil (18 casos/144 resgatados) e na confecção (7/130), atividade na qual  50 trabalhadores estrangeiros foram libertados (sendo 44 somente em São Paulo). Fato novo (ou melhor, recorrente, porém ocultado até então): vem sendo reveladas práticas de trabalho escravo no interior do Acre e do Amazonas, mas também do Ceará, que se utilizam da forma mais tradicional de subordinação de comunidades tradicionais: o sistema do aviamento pelos patrões.
 

De Norte a Sul, a imposição de condições degradantes de trabalho em ambiente de atividades terceirizadas é a característica principal do trabalho escravo no Brasil de hoje, sendo vez ou outra acompanhada da violação aberta da liberdade. Não é por acaso se a ofensiva “revisionista”, principalmente oriunda de setores ruralistas, se concentra na definição legal do trabalho análogo a de escravo, tal qual formulada no artigo 149 do Código Penal e na tentativa de legalizar a terceirização, inclusive de atividades-fins.  As várias propostas de lei relacionadas não têm outra meta a não ser retroceder no arcabouço legal, a duras penas construído nos últimos 20 anos.  Não se pode admitir que o aniversário dos 20 anos do Grupo Móvel de Fiscalização, neste ano de 2015, possa coincidir com tamanha reviravolta. A lista suja também está na mira desta gente: no apagar das luzes de 2014, o STF acaba de acatar o pedido liminar de uma associação das grandes construtoras, sustando a publicação da nova atualização prevista para o dia 31 de dezembro. Vamos para a luta!

Libertados 2014 por UF e por atividade:
Fonte: MTE, MPT, Repórter Brasil e CPT - Processamento: CPT

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