quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Cooperação em segurança entre Brasil e Colômbia: como foram construídas e quais as consequências da implantação das UPPs nas favelas do Rio de Janeiro


José Alves de Sousa *
23.Dez.14 :: Outros autores
O modelo de segurança militarizada das favelas, até por se inspirar no modelo colombiano de policiamento por quadrantes de Bogotá e Medelín, guarda semelhanças com a política de “segurança democrática” do ex-presidente colombiano Álvaro Uribe Vélez, continuada com o eufemismo da Política Integral de Segurança e Defesa para a Prosperidade, do actual presidente Juan Manuel Santos.

Com o fim da Guerra Fria, os governos norte-americanos vitoriosos na “guerra contra o comunismo” ficaram sem seu inimigo principal, a URSS e o Pacto de Varsóvia, mas não desistiram de continuar mantendo em pleno funcionamento seu poderoso complexo militar-industrial, espinhal dorsal da economia, muito menos desarticularam seu braço armado representado pela OTAN. Portanto era urgente a necessidade de fabricar uma nova doutrina militar para encontrar um novo inimigo que combater.
Os atentados terroristas às torres gêmeas do World Trade Center em Nova Iorque, em 11 de setembro de 2001, eram a oportunidade e o pretexto prefeito que precisavam os neoconservadores republicanos no poder, com a eleição de George W. Bush com presidente, para dar a conhecer o documento conhecido como Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos da América.
No entanto, esse documento se centra em um componente que, não sendo novidade, assume um papel central no sentido assegurar as pretensões hegemônicas dos EUA, ou seja, a realização de ataques preventivos e a dissuasão de potenciais adversários. Esses postulados são desenvolvidos de maneira sistemática em um segundo documento, divulgado meses depois com o título de Estratégia Nacional para a derrota do Terrorismo (fevereiro de 2003). Esclareça-se que aqui a noção de ―terrorismo‖ é ampliada de propósito ao ponto de incluir não só delinqüentes comuns, mas também dissidentes políticos e ativistas sociais para, assim, silenciar os movimentos de resistência anticapitalista ou anti-imperialista. É desencadeada, então, uma “guerra contra o terrorismo” contra o regime Talibã no Afeganistão e a invasão do Iraque sob o pretexto falso de desmantelar supostas armas de destruição massiva, o que ilustra claramente o modus operandi do imperialismo.
No ano de 2000 entra em vigor o chamado Plano Colômbia de ”guerra ao narcotráfico”, ainda sob o governo Clinton, acordo bilateral entre os EUA e a Colômbia cuja finalidade oficial principal seria prover o país andino de ajuda financeira e treinamento militar e técnico para combater o tráfico de drogas, o que transformaria esse país no terceiro maior receptor de ajuda norte-americana, atrás apenas de Israel e Egito.
No entanto, o Plano Colômbia era visto com preocupação pelo governo brasileiro, pois havia o temor de que representasse uma porta de entrada para uma intervenção militar norte-americana na Amazônia brasileira. De fato, segundo o Informe GAO, o plano contém um aspecto crucial de apoio às Forças Armadas e à Polícia Nacional da Colômbia, com ajuda militar e não militar para prover acesso e segurança em áreas remotas (Informe GAO, 2008, p.11). Foram precisamente essas áreas remotas que deram origem a desconfianças no seio dos círculos políticos e militares brasileiros de que essa estratégia pudesse representar uma ameaça à integridade amazônica e à soberania do país. Segundo destaca Adriana Marques, para o exército brasileiro ―se os cartéis colombianos, os contrabandistas e os movimentos guerrilheiros passassem a utilizar a Amazônia brasileira como base de operações, seria aberto outro flanco para que a comunidade internacional acuse o governo brasileiro de sua incapacidade para controlar seu próprio território e de proteger a selva amazônica (Marques, 2004, p.15). Nesse sentido, a diplomacia brasileira tratou de convencer os países amazônicos, particularmente a Colômbia (que tem restrições ao projeto), a aderir ao SIVAM/SIPAM (Sistema de Vigilância/Proteção da Amazônia), que entrou em operação em 2002 com o objetivo oficial de monitorar o tráfico ilegal de drogas ou pessoas, a criminalidade organizada, ocorrências ambientais ou ―outras ameaças transnacionais‖, em última instância, o sistema teria o objetivo de impedir uma intervenção militar estrangeira na região. Segundo Daniel Zirker e João Filho, o SIVAM é o ―mais importante projeto militar brasileiro do pós-Guerra Fria‖. (Zirker & Filho, 2000, p.118). Esse projeto se articula estreitamente com a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), encarregada da proteção e segurança dos dados recolhidos pelo SIVAN/SIPAM.
A ELEIÇÃO DE ÁLVARO URIBE VÉLEZ NA COLÔMBIA E SUAS RELAÇÕES COM O BRASIL
O fracasso das negociações de paz entre o governo de Andrés Pastrana (1999-2002) e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - Exército do Povo (FARC-EP) e os ataques ao Pentágono e às torres gêmeas em 11 de setembro de 2001 geraram um clima favorável na Colômbia para a aceitação do discurso da “luta contra o terrorismo”. Estas políticas seriam anunciadas pelo candidato presidencial Álvaro Uribe Vélez em sua campanha eleitoral e implementadas integralmente com sua eleição e posse na presidência da República, respaldado por uma ampla coalizão de forças clientelistas liberais e conservadoras. O regime instituído por Uribe cria e coloca em prática sua política de “segurança democrática”, que caía como uma luva para as pretensões da nova doutrina militar norte-americana.
A tese básica sustentada pelo novo governo do presidente Uribe (Beltrán Villegas, 2013) parte do mito de que a Colômbia é uma democracia com um Estado democrático de direito e de que não existe um conflito social e armado e sim uma “ameaça terrorista”, enfoque moldado nos “lineamentos para o enfoque dos projetos de cooperação internacional”, assinados pela presidência da República. Estes lineamentos são parte de uma tese maior que serviria de base para a política de Segurança Democrática e do Estado comunitário, uma vez que a principal ameaça contra a estabilidade do Estado e a democracia é o terrorismo, enfoque no qual estão incluídos todos os grupos armados irregulares que de maneira expressa recorrem à violência e ao terror para intimidar os cidadãos e procurar instrumentalizar seus propósitos4 e para cuja derrota – e a de seu principal aliado, o narcotráfico – requerem da colaboração de todos os cidadãos e da solidariedade internacional de outros países, especialmente os que fazem fronteira com a Colômbia.
Em sua primeira visita ao Brasil em março de 2003, Uribe, aliado incondicional do governo Bush e de sua nova doutrina, desembarca em Brasília a convite do então presidente Lula e, com um discurso afinadíssimo, afirma categoricamente que os terroristas hoje matam civis na Colômbia; amanhã matarão no Brasil‖, alertando que o Brasil poderia enfrentar os mesmos problemas que a Colômbia em relação ao terrorismo e ao narcotráfico. Tendo se comprometido com Uribe a “combater por todos os meios” as ameaças à paz e à segurança causadas pelo terrorismo, o governo Lula divulga um comunicado conjunto após uma reunião de trabalho com Uribe.
No entanto, nessa oportunidade o governo brasileiro não associou diretamente o terrorismo ao narcotráfico ou às FARC-Exército do Povo, principal grupo guerrilheiro colombiano, como Uribe esperava. Diferentemente de seu colega colombiano, Lula se referiu uma única vez em seu discurso ao tema do terrorismo, preferindo centrar-se nas relações comerciais, políticas e culturais, embora tenha assegurado ao seu colega que seriam parceiros para acabar com a violência na Colômbia e no Brasil. A posição oficial do Estado brasileiro, que evita a classificação de qualquer grupo como terrorista, é a mesma da ONU sobre organizações terroristas, portanto não inclui nenhum grupo guerrilheiro colombiano em sua lista.
Embora paulatinamente as relações entre Brasil e Colômbia tenham se transformado de um desinteresse ou desconfiança marcado no século XX para uma maior cooperação no âmbito da segurança, alguns obstáculos sérios se mantinham entre os dois países. Um dos escolhos se relacionava com a insistência do presidente Uribe, sistematicamente rejeitada por Brasília, de catalogar as FARC-Exército do Povo (FARC-EP) como grupo “narco-terrorista”, enquanto a justificativa do Brasil de não aceitar este pedido tinha a ver com sua vontade de servir como mediador entre as partes beligerantes em conflito. Portanto, de acordo com a argumentação brasileira, se esse grupo guerrilheiro fosse catalogado de terrorista, esta intenção não poderia ser concretizada. Por outro lado, o governo Bush, que apoiava as pretensões do governo Uribe, pressionava o governo de Lula para que mudasse de postura em relação a essa questão, mas Brasília se negou várias vezes a fazê-lo. Existia e ainda existe por parte dos líderes brasileiros a ideia de que relações estreitas com os EUA implicariam perder credibilidade em relação às nações latino-americanas.
ACORDOS DE COOPERAÇÃO EM SEGURANÇA E DEFESA COM A COLÔMBIA
As posições adotadas pelo Brasil na primeira década do século XXI tenderam a afirmar sua liderança na América do Sul e o país visualiza manter um predomínio nos marcos de uma “hegemonia cooperativa”, uma categoria que permite analisar o processo de afirmação da liderança “natural” do país através de dinâmicas de integração com o objetivo último de agregar poder relativo (advantages of scale) nos campos econômico, comercial e de segurança regional, em uma espécie de subimperialismo.
Nesse sentido, preocupado com as consequências da chamada Operação Fênix desencadeada em primeiro de março de 2008, quando a força pública colombiana (Exército e Polícia) invadiu sem autorização o território equatoriano para bombardear e matar o secretário de relações internacionais das FARC-EP, comandante Raul Reyes, refugiado em um acampamento na fronteira comum com a Colômbia, o governo Lula deu prioridade a que se aprovasse a criação do Conselho de Defesa da UNASUL, aproveitando a crise diplomática criada entre Colômbia, Equador e Venezuela e suas possíveis consequências bélicas, com a possibilidade de um conflito militar na fronteira Colombo - venezuelana. A argumentação de Brasília é a de que esse Conselho poderá prevenir no futuro ações ilegais desse tipo por meio de consultas entre os países, ou seja, através dos princípios de segurança cooperativa como forma de fomentar medidas de estabilidade da segurança regional, afastando a possibilidade de outra intervenção norte-americana. Finalmente, após várias diligências do Brasil junto aos seus vizinhos, acompanhadas de advertências claras aos EUA de que não se intrometessem nesse assunto, o Conselho de Defesa Sul-americano foi criado em 2008.
Em 2008, impulsionado pelas iniciativas brasileiras, foi assinado o Tratado constitutivo da União das Nações Sul-americanas (UNASUL). Em meados de 2009, a UNASUL sofre sua primeira grande prova quando é debatida a utilização de bases norte-americanas em território colombiano para o combate ao “narco-terrorismo”. Novamente sob a liderança brasileira, a pressão exercida sobre a Colômbia foi tão grande que, já sob o atual governo de Juan Manuel Santos o acordo sofreria um retrocesso e seria desautorizado pela Corte Suprema da Colômbia.
Ao fazermos um balanço dos dois mandatos dos presidentes Lula e Uribe, verificaremos que houve mais aspectos convergentes que divergentes entre os dois governos em temas de segurança e defesa na fronteira comum entre os dois países, apesar das desconfianças iniciais entre ambos. Enquanto Uribe via em Lula um aliado das FARC-Exército do Povo (FARC-EP), Lula desconfiava da submissão uribista à nova doutrina de segurança e defesa norte-americana, adotada pelo regime colombiano no âmbito interno.
No entanto, de fato a cooperação entre Brasil e Colômbia se intensificou entre 2003 e 2010, tendo a Colômbia continuado como o principal parceiro entre os países amazônicos. Em 2003 foi formado o Grupo de Trabalho Bilateral para a Repressão da Criminalidade e do Terrorismo. Em visita a Bogotá, o recém-falecido ex-ministro da justiça, Márcio Thomas Bastos assina, em 14 de dezembro de 2005, com o então ministro da defesa da Colômbia, Camilo Osorio Bernal, o Memorando de Entendimento sobre Cooperação Policial que em seu preâmbulo afirma que os delitos praticados pelas organizações criminosas transnacionais, tais como o tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias psicotrópicas, o tráfico ilícito de armas, a lavagem de ativos e o terrorismo, têm dimensão e alcance global e constituem sérias ameaças à segurança e à estabilidade regionais, enquanto o Decreto 5.815, de 2006, estabelece o acordo bilateral para o combate ao tráfico de aeronaves ilícitas. Em 19 de julho de 2008 os chanceleres do Brasil e da Colômbia assinam em Bogotá o Memorando de Entendimento para a Cooperação no Combate à Fabricação e ao Tráfico Ilícito de Armas de Fogo, Munições, Acessórios, Explosivos e outros Materiais Relacionados. Foi precisamente a partir de 2006 que este autor começou a se preocupar com a visita ao Brasil de emissários e assessores da polícia nacional da Colômbia que, a meu ver, estavam imbuídos da missão de convencer as elites empresariais e, por conseguinte, as autoridades de segurança pública das “bondades” da nova doutrina de segurança aplicada no país vizinho e batizada com o eufemismo de “segurança democrática”.
Um desses emissários foi o ex-prefeito de Bogotá, principal palestrante do Fórum Internacional Violência Urbana e Segurança Pública Cidadã, promovido pelo Centro Industrial do Ceará em maio de 2007. Membro do Partido Verde, Antanas Mokus, o “super-herói” que fez de um pedaço de cano de PVC (Pacífica Vivência Cidadã) uma espécie de “colar da cidadania”, enquanto animava os bogotanos a imitá-lo, chegou mesmo a se vestir de “super-herói” para mostrar que as grandes metrópoles necessitam de verdadeiros heróis para enfrentar a violência e no dia das bruxas visitou discotecas da capital em campanha pela “lei cenoura”, que estabelecia o consumo de bebidas alcoólicas até 1 hora da madrugada. Esse personagem deu e continua dando palestras em universidades e centros empresariais de várias capitais brasileiras (financiado pelo BID) para nos ensinar sobre seus métodos pedagógicos de combate à violência baseados no que define como cultura cidadã. No entanto, o expoente principal da propaganda dessa política de segurança pública no Brasil é o sociólogo colombiano Hugo Acero Velásquez, ex-assessor do então diretor da polícia nacional da Colômbia, Óscar Naranjo Trujillo durante o regime de Álvaro Uribe Vélez (2003-2010). O currículo de Hugo Acero Velásquez informa que ele é sociólogo pela Universidade Nacional da Colômbia e professor das universidades de Los Andes e Externado da Colômbia, com especialização em “convivência urbana” e formação em “gestão de crises e terrorismo” pela Universidade de Defesa dos EUA. Foi também assessor dos Conselhos presidenciais de Paz e de Segurança Nacional, Subsecretario de Assuntos para a convivência e Segurança da prefeitura Maior de Bogotá, além de consultor do PNUD, do BID, do Banco Mundial e do Corpovisionarios, com os quais assessorou na elaboração de planos integrais de “convivência e segurança cidadã” em diferentes cidades colombianas, equatorianas e de países centro-americanos. A presença no Brasil do emissário Hugo Acero Velásquez foi recorrente a partir de 2007 em vários estados onde proferiu palestras sobre a estratégia de “segurança democrática” aplicada em Bogotá e Medelín pela polícia nacional da Colômbia. Esse obscuro personagem chegou a ser convidado pelo Centro Industrial do Ceará – CIC e foi o principal conferencista do II Fórum Internacional sobre Violência Urbana e Segurança Cidadã, realizado em 25 de novembro de 2010. A ideia central expressa por este personagem em seu périplo pelo Brasil é a de que com a política de “segurança democrática” se procura criar um ambiente favorável para o investimento estrangeiro e a implementação de mega-projetos. A este ambiente ele define como confiança investidora.
ORIGEM E IMPLATAÇÃO DAS CHAMADAS “UNIDADES DE POLÍCIA PACIFICADORAS” E SUAS CONSEQUENCIAS
Segundo o economista e analista político Wilson Diniz, em artigo publicado no jornal O Dia, edição de 22 de julho de 2014, intitulado UPPs no do debate” esse projeto foi idealizado pelo sociólogo colombiano Hugo Acero Velásquez. O modelo, segundo o analista, tem como premissa o conceito integrado de “Política de Segurança Cidadã”, baseado nos eixos de prevenção (mão amiga) e no uso da força (mão dura) do aparelho policial ancorado pelo Judiciário e com inserções de políticas sociais das prefeituras para inibir avanços dos delitos em vias urbanas e no combate aos crimes ligados ao narcotráfico. Portanto, tem legislação específica diferenciada, comparada com preceitos constitucionais que regem e hierarquizam as autonomias dos poderes das polícias nos estados brasileiros. Nos comentários finais do texto vazado pelo Wikileaks sobre o “Programa de Pacificação das Favelas” produzido pelo Consulado Geral dos EUA no Rio de Janeiro, o diretor Dennis W. Hearne, faz as seguintes observações sobre esse projeto: COMENTÁRIO 11. (SBU) O Programa de Pacificação das Favelas compartilha algumas características com a estratégia dos Estados Unidos de contra-insurgência no Afeganistão e no Iraque. Como contra-insurgência, a população da cidade do Rio de Janeiro é o verdadeiro centro de gravidade, e o sucesso do programa vai depender não só da coordenação eficaz e sustentada entre governos estaduais / municipais e a polícia, mas da percepção dos moradores das favelas em relação à legitimidade do Estado. Um dos principais desafios neste projeto é convencer a população das favelas de que os benefícios de se submeter à autoridade do Estado (segurança é a propriedade sobre o legítimo direito ao território e à educação) superam os custos (impostos, taxas de serviços públicos, obediência civil). Como a doutrina americana de contra-insurgência, não devemos esperar resultados da noite para o dia. Se o programa se limitar à campanha de 2010 para a reeleição do governador Cabral ou se se constituir em pouco mais que uma iniciativa criada para amparar a candidatura do Rio de Janeiro em 2016 para os Jogos Olímpicos, como alguns críticos têm acusado, oferece pouca chance de sucesso. Se, no entanto, o programa ganhar mais “corações e mentes” nas favelas, e continuar a desfrutar de um verdadeiro apoio do governador e do prefeito, reforçado pela iniciativa privada e atraído pelas perspectivas de reintegração de cerca de um milhão de moradores de favelas em mercados tradicionais, este programa poderia refazer o tecido social e econômico do Rio de Janeiro. Publicar e trabalhar em estreita colaboração com as autoridades estaduais competentes para facilitar o intercâmbio, com seminários e parcerias institucionais para esse fim. End Comment. Hearne”.
Segundo o professor Eduardo Rodrigues, mestre em geografia e militante do Grupo de Educação Popular (GEP) do Morro da Providência/RJ) estudos recentes trazem alguns elementos importantíssimos para o debate, ao demonstrar como a “pacificação” funciona como um dos pilares do atual modelo “empreendedorista” de gestão do espaço urbano carioca. Seja através da conjugação de processos como especulação imobiliária, gentrificação ou regularização autoritária da economia das favelas, ou mesmo pela sua dimensão enquanto controle disciplinar e biopolítico dos favelados, as UPPs condensam processos que vão muito além de um mero mecanismo de “segurança” para a realização da Copa de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. Se os megaeventos criaram condições mais propícias para a operacionalização do projeto, eles, de forma alguma, encerram os objetivos da “paz”. De qualquer forma, segundo Eduardo Rodrigues, a ideia de “inimigo ligado ao ideário do Comunismo” tão comum no discurso e nas estratégias de contra-insurgência dos militares durante o período da ditadura, vai passar gradativamente para o lado da criminalidade ordinária nas décadas seguintes. Não por acaso, segundo Rodrigues, as favelas passaram a ser o local, ou melhor, o espaço habitado pelos novos “inimigos” a serem combatidos pelas forças policiais. Se antes siglas como VPR, VAR-Palmares, ALN ou MR-8 faziam parte do horizonte de preocupações das agências de inteligência nacional, novas siglas como CV, ADA, TCP ou PCC irão assumir essa posição gradualmente. Se no passado as ações da polícia se centravam na descoberta e destruição de “aparelhos” da guerrilha, agora elas serão direcionadas para a violação de barracos nas favelas em busca de traficantes de drogas.
Não é exagero afirmar, de acordo com o mesmo autor, que na visão das atuais instituições policiais, que ainda se encontram imbuídas do espírito da antiga Doutrina da Segurança Nacional do “inimigo interno”, cada favela se transforme em um novo e potencial “Araguaia”. E, não obstante, o crescente uso das próprias FAs em operações em favelas é outro sintoma cabal do problema exposto acima – inclusive como forças de apoio à polícia no atual processo de “pacificação”. Ainda segundo Rodrigues, nos dias de hoje, quando encontramos um país atravessado por Copa, Olimpíadas, Bolsa-Família, “nova classe média” e pela retomada de um projeto (sub) imperialista pelo Estado brasileiro, as questões se tornam ainda mais complexas. A militarização das favelas cariocas não pode ser tomada como um processo descolado do atual contexto político-econômico experimentado pelo Brasil e pelo Rio, nem muito menos limitado aos inúmeros (e legítimos) problemas que isso traz para a vida de todos os favelados. A expansão das empresas brasileiras no exterior é acompanhada pelo avanço militar no Atlântico Sul: o continente africano é um dos alvos.
Nesse sentido, conclui Rodrigues, o programa das UPPs se configuraria hoje como um importante mecanismo no campo da “segurança”, articulado com o atual modelo de desenvolvimento escolhido pelo Brasil e desdobrado no Rio de Janeiro do petróleo e dos “megaeventos”. Uma leitura possível do processo de “pacificação”, segundo o mesmo autor, aponta para a seguinte premissa: a militarização das polícias, ou mesmo da “segurança pública” num sentido mais amplo, torna-se hoje condição necessária para garantir o funcionamento do atual modelo de desenvolvimento sócio-econômico-cultural do país. Em outras palavras, militarizar e policializar são verbos que transitam até a seara da “integração” dos pobres (e não só dos pobres brasileiros!) ao corolário do “Brasil – potência”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos concluir que, militarizar aqui significa garantir condições suficientes de captura e transformação violenta do favelado enquanto indivíduo mais “útil”, ou mesmo “civilizado” pela pedagogia do capital. Já no plano externo, as UPPs abrem caminho para o desenvolvimento de novas ferramentas de controle a serviço das ambições (sub)imperialistas brasileiras, em especial na sua área de influência geopolítica por excelência: América do Sul e Atlântico Sul. O Brasil hoje participa direta e indiretamente de inúmeras “missões de paz” nesta região, com destaque para a campanha no Haiti operada desde 2004 (MINUSTAH). Junto com as FAs, percebe-se também um movimento paralelo de expansão da influência brasileira nesta região através de suas transnacionais como a Petrobrás, Odebrecht, Vale, Aracruz celulose, entre outras. É preciso ter em mente que qualquer projeto geopolítico de dominação não pode prescindir do uso das FAs.
O modelo de segurança das UPPs, até por se inspirar no modelo colombiano de policiamento por quadrantes de Bogotá e Medelín, guarda semelhanças com a política de “segurança democrática” do ex-presidente colombiano Álvaro Uribe Vélez, continuada com o eufemismo da Política Integral de Segurança e Defesa para a Prosperidade, do atual presidente Juan Manuel Santos. Semelhanças na medida em que se baseia no controle social militarizado de populações de territórios onde são oferecidas melhores condições de segurança para a instalação, sobretudo, de empresas multinacionais de petróleo, de mineração e empreiteiras enquanto as UPPs são prioritariamente implantadas nos morros e favelas do entorno da zona sul da cidade do Rio de Janeiro, onde habitam as elites ricas e onde a especulação imobiliária e a indústria de turismo são predominantes. Por isso, em artigo intitulado Militarização de Favelas é Terrorismo de Estado denuncio os acordos de cooperação policial que o governo federal mantém com o regime neoliberal colombiano que procura, com uma linguagem habilidosa, típica das democracias liberais, empregar termos como “participação”, “cooperação” e “solidariedade”, para resignificar sua verdadeira essência militarista e guerreirista. Por outro lado, os supostos benefícios para os setores mais pobres e marginalizados são amplamente questionados na medida em que as ações militares continuam prejudicando a população rural e urbana, ao expulsá-las para a periferia das grandes cidades, gerando mais violência e criminalidade, em benefício dos grandes proprietários e do capital transnacional que, amparados pelo terrorismo do Estado, conseguem garantir o êxito de seus mega-projetos de infra-estrutura, de extração de recursos e do agro-negócio.
Por último, os movimentos sociais articulados em torno do Encontro Popular sobre Segurança Pública e Direitos Humanos (ENPO), ao argumentarem que vivemos em cidades extremamente militarizadas e que esta lógica serve apenas para manter privilégios de alguns enquanto a maioria da população sofre com a repressão, especialmente as mais pobres, negras e moradores de periferias, defendem uma pauta de desmilitarização, que consideram fundamental como: a) Fim das polícias militares e desmilitarização das polícias. Pelo desmonte da ideologia militar que vigora em todas as instituições de segurança pública. b) Fim de toda forma de militarização dos territórios a partir das UPPS, Força Nacional, operações militares, entre outros. O Estado deve agir nas favelas e periferias a partir da garantia de direitos e não da militarização. c) Controle popular externo da polícia com ouvidorias e corregedorias independentes e autonomia das perícias.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- Marques, Adriana (2004). A Estratégia Amazônica do Exército Brasileiro e o surgimento de uma Comunidade de Segurança no Sul da América Latina, working paper. Hamburgo: Institut for Iberoamerican Studies.
- Zirker, D. & Filho, J. (2000). Nationalism, National Security and Amazonia. Armed Forces and Society, vol. 27, pp. 105-129.
- Beltrán Villegas, Miguel Ángel (2013). Colombia: de la ―Seguridad Democrática‖ a la ―Política integral de Seguridad y Defensa para la Prosperidad‖. Revista Conflicto Social - Año 6, Nº 9 – enero a junio de 2013.
- Da Silva Guevara, Gisela. Brasil y Colombia: Líderes de un nuevo modelo de seguridad cooperativa en América Latina. Revista VIA IURIS, núm. 12, enero-junio, 2012, pp. 121-136. Fundación Universitaria Los Libertadores. Bogotá, Colômbia. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=273925462007
*Membro pesquisador da Rupal-UFC
decaas@oi.com.br
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