Senão vejamos: de acordo com dados do
IBGE, a população brasileira conta atualmente com 202,7 milhões de
pessoas, sendo que, deste total, 53% se declara negra ou parda. Apesar
de serem a maioria da população, os trabalhadores negros ganham, em
média, pouco mais da metade (56%) do rendimento recebido pelos
trabalhadores brancos.
Trocando em miúdos, os negros possuem
uma média salarial de R$ 1.334,79, enquanto que a média dos assalariados
de cor branca é de R$ 2.396,74. Ou seja, tem razão Elza Soares quando
canta que “a carne mais barata do mercado é a carne negra”.
Quando observamos sob o ponto de vista
de gênero, as diferenças são ainda maiores: enquanto as mulheres brancas
recebem aproximadamente 70% daquilo que recebem homens brancos, as
negras ganham pouco mais de 40% daquilo que recebem os trabalhadores
brancos do sexo masculino.
Os dados acima reforçam algo que já é sabido: a população negra brasileira se concentra nas camadas mais pobres da sociedade.
Segundo pesquisa realizada pelo
Laboratório de Análises Econômicas, Históricas e Estatísticas das
Relações Raciais (Laeser), a partir de dados da PNAD 2006, entre as
pessoas que trabalham para outros exercendo funções sem remuneração (ou
seja, não recebem qualquer pagamento pelo trabalho), somente 16,8% são
homens brancos. Mulheres brancas e homens negros são 27%, e mulheres
negras somam 29%.
Entre os trabalhadores remunerados, 58%
das empregadas domésticas sem carteira assinada são mulheres negras,
enquanto 36% são brancas. Já entre as que possuem carteira assinada, 41%
são brancas e 48%, negras.
Nos setores em que a remuneração e a
estabilidade profissional são maiores, porém sem carteira assinada, os
homens negros são maioria (40%). Essa relação se inverte quando tratamos
de empregados com carteira assinada. Nesse caso, 34,3% são homens
brancos e apenas 28% são negros. As mulheres brancas são 22% das
trabalhadoras com carteira assinada, enquanto as negras são 13%.
As diferenças persistem quando tratamos
dos trabalhadores autônomos. Entre os que não possuem nível superior,
31% são homens brancos e 36% negros (as mulheres brancas e negras somam
16% cada). Para os que têm formação universitária, as diferenças raciais
aumentam, enquanto as de sexo diminuem: homens e mulheres brancas são
43% e 37%, respectivamente, ao passo que homens e mulheres negras somam
apenas 11% e 6,1%, cada.
Apenas no funcionalismo público, é que
as diferenças de cor da pele e sexo são um pouco menores. Homens brancos
são 24,7%, mulheres brancas 33,1%, homens negros 19,5% e mulheres
negras 21,9%.
Racismo e desemprego
O racismo e a desigualdade entre homens e
mulheres também estão presentes entre os desempregados. De acordo com o
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a taxa de desemprego
da população de 16 anos ou mais de idade, segundo sexo e cor da pele, em
2009, era para os homens brancos e negros de 5,3% e 6,6%,
respectivamente. Já entre as mulheres brancas e negras era de 9,2% e
12,5%.
Nem mesmo a maior escolaridade iguala os
salários de homens e mulheres, negros e brancos. Na comparação entre
homens com ensino fundamental, os negros recebem em média 76% do salário
dos brancos. Entre os que possuem ensino médio, os negros recebem 74%
do que ganham os homens brancos.
Segundo estudo do Dieese, quanto maior o
nível de escolaridade maior a diferença salarial entre brancos e
negros. Por exemplo, na indústria de transformação a desigualdade de
rendimento por hora dos negros em relação aos não negros é de 18,4%
entre os que possuem ensino fundamental incompleto, e de 40,1% para
aqueles com ensino superior completo.
Todos esses dados revelam o profundo
racismo existente na sociedade brasileira e nas relações de trabalho.
Apenas quando são levadas em conta somente as aptidões intelectuais dos
trabalhadores, as desigualdades racistas e machistas diminuem, como no
caso do serviço público, onde a maioria das admissões é realizada por
meio de concurso público, não importando a cor e (ou) sexo da pessoa.
Porém, é preciso relativizar este fato e identificar o racismo e o
machismo também aí, uma vez que a maioria dos postos de chefia no
serviço público ainda é ocupada por homens brancos.
O racismo no mercado de trabalho
Em 2013, a Associação Brasileira de
Recursos Humanos, de Santa Catarina, divulgou a existência de cerca de
sete mil postos de trabalho à disposição no Estado. De acordo com o
anúncio, o perfil procurado pelas empresas é de homem branco, entre 25 e
35 anos de idade. À época, nem todas as vagas foram preenchidas, pois
os candidatos não tinham “as habilidades e competências necessárias”, ou
seja, não correspondiam ao perfil exigido pelos patrões.
Apesar de tal fato ter passado impune,
impor condições raciais para contratar funcionários, em qualquer que
seja a empresa, é considerado pela Constituição ato racista, ou seja, é
ilegal. O que observamos todos os dias nas relações de trabalho no
Brasil é um racismo velado, no qual palavras referentes à cor da pele na
maioria das vezes não são citadas, mas estão implícitas nas escolhas
feitas na hora de contratar ou promover alguém.
No encontro nacional do Movimento de
Mulheres Olga Benario, realizado em maio deste ano, no Recife, vários
relatos de racismo no trabalho foram apresentados. “Se uma jovem branca,
de cabelos lisos, especialmente se for loira e de olhos azuis, aparecer
para ocupar uma vaga de emprego nos shoppings e estabelecimentos
comerciais daqui, uma pessoa negra não tem a menor chance de conseguir
aquela vaga, independente das qualificações das candidatas”, disse uma
das companheiras presentes.
Esse tipo de discriminação acontece, na
maioria das vezes, de forma inconsciente, pois o racismo e o machismo
estão enraizados em nossa cultura e na ideologia dominante da sociedade
de classes. Quem desconhece que os trabalhadores negros são direcionados
para ocupar os cargos de menor remuneração? Ou que as promoções no
emprego são preferencialmente para os homens brancos? Não faltam
justificativas para tal discriminação: dizem que os clientes preferem
ser atendidos por brancos, ou que os negros têm menor produtividade ou
uma “educação diferenciada”, etc.
A quem interessa o racismo?
Na sociedade capitalista, em que a
riqueza é resultado da exploração da força de trabalho dos operários e
das operárias, os capitalistas têm todo o interesse em pagar os menores
salários aos trabalhadores, pois, assim, seus lucros serão ainda
maiores.
A burguesia, por isso, tem todo o
interesse em manter e desenvolver o racismo e o machismo nas relações de
trabalho para justificar as diferenças salariais entre brancos e
negros, e entre homens e mulheres.
Logo, é evidente que o capitalismo,
mesmo após a abolição legal da escravatura, aproveita- se do racismo e
do machismo para aumentar a exploração sobre os trabalhadores, ainda
mais no Brasil, país onde a escravidão da população negra existiu por
quase 400 anos e mantém forte influência ainda hoje.
Quando a escravidão foi “abolida” em
nosso país, em 1888, a maioria dos postos de trabalho era ocupada por
negros, ainda escravos ou já libertos. A nova burguesia nascente
preferiu jogar essa massa de trabalhadores no desemprego e contratar em
seu lugar imigrantes europeus, sob a justificativa de que o trabalhador
branco era “superior” ao negro na cultura, na produtividade, etc., e que
traria “civilidade” ao Brasil republicano.
Os ricos foram além e passaram a dizer
que a responsabilidade pela pobreza existente no Brasil era da grande
quantidade de negros que aqui viviam. Assim, implementaram na Primeira
República o chamado “Projeto Eugenista para o Brasil”, que visava a
“embranquecer” a população.
Enquanto os imigrantes europeus tinham
emprego e moradia garantidos, os negros engrossaram o exército de
reserva do capitalismo e, sem terem onde morar, passaram a formar as
primeiras favelas do país. Além disso, os imigrantes não se
identificavam com o trabalhador negro, pois eram tratados de forma
diferenciada. Assim, a burguesia brasileira conseguiu, desde a formação
do nosso mercado de trabalho, implementar dois dos principais objetivos
dos capitalistas: reduzir o preço da mão de obra através do aumento do
desemprego, e dividir a classe trabalhadora, enfraquecendo sua luta
contra os patrões.
Porém, engana-se quem pensa que somente
os trabalhadores negros são prejudicados com o racismo. A flutuação dos
salários, assim como o preço de qualquer mercadoria, gira em torno de um
valor médio. Quanto mais baixos forem os salários, menor será a média
salarial paga ao conjunto da classe trabalhadora. Por isso, os
trabalhadores, brancos ou negros, homens ou mulheres, precisam estar
conscientes de que seu inimigo principal não é seu companheiro de
trabalho, mas o capitalista, e que qualquer “privilégio” racial ou de
gênero dado pelos patrões não tem outro objetivo senão o de dividir a
classe.
É preciso desenvolver a consciência de
que, quando um trabalhador se sente superior ao outro por ser branco ou
por ser homem, está reproduzindo a ideologia da classe que o explora e
se distancia dos outros trabalhadores.
Eloá dos Santos, Rio de Janeiro
jornal: A Verdade
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