domingo, 19 de outubro de 2014

Crise sistémica global/2015: O mundo vira para Leste

Crise sistémica global

2015: O mundo vira para Leste

por GEAB [*]
Nas últimas quatro semanas verificaram-se factos transcendentais. Por um lado, a China tornou-se a primeira potência económica mundial, ultrapassando oficialmente os Estados Unidos, com um peso económico oficial (números do FMI) de 17,61 mil milhões de dólares (contra 17,4 para os EUA). Apesar de os media "de referência" não terem dado a mínima importância a esta informação, nossa equipe, em contrapartida, considera que se trata de um acontecimento histórico: os Estados Unidos já não são a primeira potência económica mundial e, forçosamente, isso muda tudo! [1]

Tanto mais porque, em paralelo à ultrapassagem deste marco, os Estados Unidos, depois de terem tentado impressionar o planeta com um militarismo arrogante durante a crise ucraniana, revelam uma fraqueza estratégica importante na sua "gestão" da crise iraquiana. A política musculada, que parecia obrigar o mundo a ficar sob a tutela americana por um tempo indefinido, torna-se insuficiente.

Estes dois indicadores permitem discernir um ponto de inflexão importante no desenrolar da crise sistémica global: a passagem de um mundo americano a um mundo chinês...

Europa, Rússia – Estabelecimento de um plano Marshall "à chinesa" 

Este emergir evidente do actor chinês foi precipitado pela crise ucraniana. Se bem que a China tivesse interesse em ir amadurecendo o seu emergir de modo discreto, enquanto os russos mantinham a distância uma China inevitavelmente invasiva, e apesar de os europeus também manterem condições para um emergir suave deste mega-actor, a crise ucraniana acelerou a mutação e em parte escapou ao controle dos actores.

Já fizemos notar que a crise ucraniana e a política de sanções pressionaram os russos a aceitar assinar um preço menos interessante do que esperavam no famoso acordo gasista russo-chinês. A Ucrânia fez com que os russos ficassem em desvantagem na negociação deste acordo com a China.

Por estes dias, o primeiro-ministro chinês está em visita oficial à Europa e à Rússia [2] . Eles traz molhadas de contratos, projectos de investimentos e perspectivas de negócios [3] , um verdadeiro plano Marshall de reconstrução das economias europeias e russas, parcialmente destruídas pela guerra ucraniana [4] ... Um plano irresistível, certamente. Mas estarão agora reunidas as condições para sermos realmente cauteloso na preservação da nossa independência em relação a esta nova potência? Recordemos que o plano Marshall contribuiu para encadear a Europa do pós-guerra aos Estados Unidos.

A City de Londres já foi salva da falência pela China que dela fez a primeira praça financeira fora do seu território a poder obrigações em yuan [5] . Por isso, a Inglaterra tornou-se uma fervorosa promotora da agregação do yuan aos Direitos Especiais de Saque (DES) do FMI. O próprio BCE começou a considerar acrescentar o yuan às suas reservas internacionais [6] . E a Europa encontra-se a desempenhar o papel que lhe cabe de facilitar da transição sistémica entre o mundo de antes e o mundo de depois da crise. Mas para desempenhar tal papel, teria sido preferível que fosse movida por uma visão [7] ao invés da cobiça do ganhou ou mesmo por simples reflexo de sobrevivência.

Toda esta actividade entre a Europa, a Rússia e a China vai culminar nos próximos dias com a realização da cimeira ASEM, em Milão, dias 16 e 17 de Outubro. Este acontecimento tem toda a probabilidades de deixar uma marca nos livros de história, uma que vai reunir a Europa e a Ásia e proporcionar a plataforma de resolução da crise do Euro, da crise ucranianas, da crise euro-russa, da crise sistémica global... permitindo assim a transição para o mundo do pós crise. Teria sido mais "multipolarizante" que o acto fundador do mundo de depois fosse selado numa cimeira Euro-BRICS [8] , mas há urgência e, afinal de contas, três dos cinco BRICS estarão presentes (Rússia, Índia e China)... A cimeira ASEM tem em comum com a ideia de uma cimeira Euro-BRICS sobretudo o facto de ser representativa das novas realidades globais (peso económico, comercial, demográfico) e de não contar com os Estados Unidos, que doravante e até novo aviso apenas lança uma sombra sobre toda tentativa de adaptação do sistema mundial às novas realidades.

O êxito deste encontro vai tornar evidente para todos o contraste entre as perspectivas oferecidas pela aliança com os Estados Unidos (que tratam sobretudo de questões de guerra) e aquelas oferecidas por uma aproximação estratégica com a Ásia (ou se trata sobretudo da questão da recuperação económica) [9] . Nossa equipe antecipa que as esperanças trazidas por esta cimeira terão nomeadamente como efeito dar o golpe de graça ao tratado transatlântico, o controverso TTIP [10] .

Nossos leitores sabem que a nossa equipe não teme a irresistível ascensão do poder da China. Mas não é possível fazer antecipação sem por em perspectiva hipóteses de futuro que incluem mudanças de regimes, derivas próprias às posições dos todo-poderosos, endurecimentos conjunturais... Assim, face à chegada de um novo patrão na cena internacional, a Europa (e todo o mundo) deve ser capaz de simultaneamente acolher positivamente a nova realidade e cuidar de repensar as condições de preservação da sua independência.

Nesta matéria, nossa equipe permite-se uma ponta de optimismo. As primeiras gerações de estudantes formadas na Europa (graças ao programa Erasmus e às dinâmicas trans-europeias em matéria de ensino superior) têm agora 45-50 anos, a idade em que se começa a influenciar, quer nos círculos políticos quer nos económicos. Sua capacidade para se integrar num mundo multipolar é infinitamente superior àquelas das elites saídas das gerações anteriores, formadas nacionalmente ou nos Estados Unidos, não falando no melhor dos casos senão o inglês. Graças ao Erasmus, a Europa tem todos os trunfos na mão para influir à escala global apesar da sua pequena dimensão relativa: multilinguismo, multiculturalismo natural que facilita a abertura ao mundo e a compreensão da complexidade, etc.

Em conclusão, a emergência do mundo multipolar retoma seu curso de acordo com as antecipações do LEAP... A retomada terá sido apenas mais dolorosa e o mundo será um pouco mais chinês do que uma transição organizada teria permitido.
Notas: 
(1) Menos espalhafatoso, mas ainda assim emblemático de uma mudança de paradigma, o facto de a China anunciar que adopta um novo modo de cálculo do PIB, integrando outros parâmetros além do crescimento. Uma decisão cuja pertinência objectiva e a base de aplicação (China) pode relegar o velho PIB à categoria das ferramentas da pré-história económica. O nevoeiro estatístico vai tender a baixar e a paisagem já não terá mais nada a ver com o que conhecemos! Fonte: Europe Solidaire, 09/10/2014.

(2) Fontes: China Daily , 08/10/2014.

(3) Fontes: Business Insider , 14/10/2014; China Daily , 09/10/2014.

(4) A crise euro-russa e a política de sanções mútuas são evidentemente as causas principais da considerável desaceleração económica do continente nestes últimos meses. Esta realidade, que não é objecto de qualquer comentário na imprensa, foi no entanto posta em evidência pelos números catastróficos da economia alemã... como que por acaso nos últimos seis meses. Fontes: The Telegraph , 06/10/2014; International Business Times , 09/10/2014. 

(5) Fonte: Wall Street Journal , 09/10/2014. 

(6) Fonte: Malay Mail , 11/10/2014. 

(7) Ao promover activamente a emergência de uma mundo multipolar graças a uma aproximação Euro-BRICS tal como desde 2009 tem preconizado Franck Biancheri e o LEAP.

(8) Tal como temos promovido activamente desde 2009. Ver projecto Euro-BRICS do LEAP.

(9) O GlobalEuromètre o testemunha desde há alguns meses: muitas pessoas na Europa estão conscientes do facto de que as dinâmica do futuro se situam mais do lado dos BRICS que dos Estados Unidos.

(10) O TTIP de que sempre antecipamos que não veria a luz, a não ser sob uma forma totalmente edulcorada (para que Bruxelas e Washington não percam a face), mas que o deslocamento ideológico "ocidentalista" destes últimos meses, desconectando a Europa da realidade e aniquilando sua capacidade de reacção natural aos acontecimentos, fez realmente correr o risco de uma assinatura forçada deste acordo. 

15/Outubro/2014

[*] Global Europe Anticipation Bulletin.

O original encontra-se em www.leap2020.eu/... 


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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