domingo, 29 de junho de 2014

Thierry Meyssan /Jihadismo e indústria petrolífera

Tradução: Alva
A refinaria de Baiji.
A refinaria de Baiji.

Enquanto os média ocidentais apresentam o Emirado islâmico no Iraque e no Levante como um grupo de jihadistas recitando o Corão, este iniciou a guerra do petróleo no Iraque. Com a ajuda de Israel, o EIIL cortou o aprovisionamento da Síria e garantiu o roubo do petróleo de Kirkuk pelo governo local do Curdistão. A venda será assegurada pela Aramco, que camuflará este desvio aumentando a produção «saudita».

Para a imprensa atlantista o Emirado islâmico no Iraque e no Levante (EIIL), que acaba de invadir o Norte e o Oeste do Iraque, é um grupo de jihadistas animado pela sua fé, o Corão numa mão e a kalachnikov na outra. Para aqueles que sofreram as exações deles, nomeadamente na Síria, é um exército privado – composto de mercenários dos quatro cantos do mundo e enquadrado por oficiais norte-americanos, franceses e sauditas— que divide a região, para melhor permitir o seu controlo pelas potências coloniais.
Se concebermos os membros do EIIL como crentes armados, não se consegue imaginar que por trás do seu ataque estão escuros interesses materiais. Mas, se admitirmos que se trata de bandidos manipulando a religião, para dar a ilusão que Alá abençoa os seus crimes, teremos que estar mais atentos.
Ao mesmo tempo que vai vertendo lágrimas de crocodilo pelos milhares de vítimas iraquianas desta ofensiva, a imprensa atlantista alarma-se pelas consequências deste novo conflito sobre o preço do petróleo. Em alguns dias o barril voltou a subir até aos $ 115 US, quer dizer o preço ao nível de setembro de 2013. Os mercados ficaram preocupados aquando dos combates pela refinaria de Baiji, perto de Tikrit. Na realidade esta refinaria só produz para o consumo local, que poderia entrar rápidamente em escassez de carburante e de eletricidade. A alta do petróleo (preço- ndT) não é imputável à interrupção da produção iraquiana, mas sim à perturbação dos fornecimentos. Ela não durará pois, já que os mercados são excedentários.
Marrom: região invadida pelo EIIL (mapa As-Safir)
A Arábia Saudita anunciou que ia aumentar consideravelmente a sua produção para mitigar a baixa da oferta, consequente à interdição de comercialização pelo EIIL. Mas os especialistas estão cépticos e sublinham que o reino nunca produziu muito mais que 10 milhões de barris por dia.
A imprensa atlantista que nega o apadrinhamento da Otan (ao EIIL-ndT), explica, eruditamente, que o EIIL ficou repentinamente rico ao conquistar poços de petróleo. O que era já o caso no Norte da Síria, mas que ela não tinha notado. Ela esforçara-se por tratar as lutas entre a Frente al-Nosra e o Emirado islâmico como uma rivalidade exacerbada pelo «regime», quando estas visavam o apoderar-se dos poços de petróleo.
Entretanto levanta-se uma questão à qual a imprensa atlantista nunca responde: como podem os terroristas vender petróleo no mercado internacional, tão controlado por Washington? No mês de março os separatistas líbios de Bengazi falharam a tentativa de venda do petróleo que tinham capturado. A marinha de guerra dos E.U. havia interceptado o navio-tanque Morning Glorye tinha-o reconduzido à Líbia [1].
Se a Frente al-Nosra e o EIIL são capazes de vender petróleo no mercado internacional, é porque a isso são autorizados por Washington e estão ligados a companhias petrolíferas, com escritórios públicos estabelecidos.
O acaso fez com que o congresso mundial anual das companhias petrolíferas se realizasse, de 15 a 19 junho, em Moscovo (Moscou-Br). Pensava-se que lá se ia falar da Ucrânia, mas tratou-se apenas do Iraque e da Síria. Soube-se que o petróleo roubado pela Frente al-Nosra na Síria é vendido pelaExxon-Mobil (a sociedade dos Rockefeller que reina sobre o Catar), enquanto o do EIIL é explorado pela Aramco (EUA / Arábia Saudita). Lembremos, de passagem, que durante o conflito líbio, a Otan tinha autorizado o Catar (quer dizer a Exxon-Mobil) a vender o petróleo dos «territórios libertados» pela al-Qaida.
Podemos, portanto, ler os combates actuais —tal como todos os do século XX no Próximo-Oriente— como uma guerra entre as companhias petrolíferas. [2] O facto de o EIIL ser financiado pela Aramco basta para explicar que a Arábia Saudita afirme ser capaz de compensar a baixa da produção iraquiana: o reino simplesmente colocará o seu selo sobre os barris roubados para os legalizar.
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O êxito do EIIL permite-lhe controlar os dois principais oleodutos: de um lado para Banias, e que aprovisiona a Síria, enquanto o outro transporta o crudo para o porto turco de Ceyhan. O Emirado Islâmico cortou o primeiro, causando cortes de energia adicionais na Síria, mas, estranhamente, deixa funcionar o segundo.
É que este gasoduto é usado pelo governo local, pró-Israelita, do Curdistão, para exportar o petróleo que acaba de roubar em Kirkuk. Ora, tal como expliquei na semana passada [3], o ataque do EIIL é coordenado com o do Curdistão afim de cortar o Iraque em três pequenos estados, de acordo com o mapa da remodelagem do «Próximo-Oriente alargado», estabelecido pelo estado-maior norte-americano em 2001, que o exército dos E.U. não conseguiu impôr em 2003, mas que o senador Joe Biden fez adotar pelo Congresso em 2007. [4]
O Curdistão iniciou as suas exportações de petróleo, de Kirkuk, via oleoduto controlado pelo EIIL. Em poucos dias foi capaz de carregar dois navios-tanques em Ceyhan, fretados pela Palmali Shipping & Agency JSC, a empresa do bilionário turco-azeri Mubariz Gurbanoğlu. Entretanto, depois que o governo de al-Maliki— que não foi ainda derrubado por Washington— emitiu uma nota denunciando este roubo, nenhuma das companhias trabalhando habitualmente no Curdistão (Chevron, Hess, Total) ousou comprar este petróleo.
Não conseguindo encontrar comprador, o Curdistão declarou-se pronto a vender os seus carregamentos a metade do preço, 57,5 dólares o barril, continuando sempre o seu tráfico. Dois outros navios-tanque estão à carga, sempre com a bênção do EIIL. O facto do tráfico continuar, na ausência de saída, mostra que o Curdistão e o EIIL estão convencidos que conseguirão vender, portanto que o seu tráfico dispõe dos mesmos apoios de Estado: Israel e Arábia Saudita.
A possível divisão de Iraque em três não deixará de refazer as cartas do petróleo. Diante do êxito do EIIL, todas as companhias petrolíferas reduziram o seu pessoal. Alguns muito mais que os outros: é o caso da BP, da Deutsch Shell (a qual emprega o xeique Moaz al-Khatib, o geólogo ex-presidente da Coligação nacional síria), da Türkiye Petrolleri Anonim Ortakligi (TPAO), e das companhias chinesas (Petrochina, Sinopec e CNOOC).
Os perdedores são, portanto, os Britânicos, os Turcos e, sobretudo, os chineses que eram, de longe, os primeiros clientes do Iraque. Os vencedores são os Estados Unidos, Israel e a Arábia Saudita.
Os jogos não têm, pois, nenhuma relação com um combate pelo «verdadeiro Islão».
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[1] «Fuerzas estadounidenses abordan el tanquero “Morning Glory” en el Mediterráneo » («O Pentágono vistoria o “Morning Glory” no Mediterrâneo»-ndT), Red Voltaire , 18 de marzo de 2014.
[2] «Irak, las páginas borradas de la historia» («Iraque, as páginas de história apagadas»-ndT), por Manlio Dinucci, Il Manifesto, Red Voltaire , 19 de junio de 2014.
[3] «Washington relança seu projecto de partição do Iraque», por Thierry Meyssan, Traduction Alva, Al-Watan, Rede Voltaire, 16 de junho de 2014.
[4] «La balcanización de Irak» («A balcanização do Iraque»-ndT), por Manlio Dinucci, Il Manifesto, Red Voltaire , 18 de junio de 2014.
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Thierry MeyssanThierry Meyssan Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).
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