quarta-feira, 5 de março de 2014

Ser Árabe ou Arabizado?


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Por Mohammed Hadjab.*
Encontram-se muitas polemicas ao redor da definição da identidade árabe e o do ser árabe. Enquanto existe uma diferença entre os países lusófonos e a Lusitânia bem como os países hispanófonos e a Espanha, não parece existir tal diferença quando se trata dos países arabófonos chamados mais geralmente como países árabes embora sejam importantes as diversidades culturais, cultuais, étnicas e linguísticas neste imenso espaço geográfico.
Existem varias interpretações e maneiras de definir o que é ”ser árabe”. O mundo árabe hoje assim chamado e que eu prefiro nomear “mundos árabes” se refere a um conjunto cultural complexo que associa povos e culturas de línguas árabes (considerando as variedades de dialetos árabes presentes nos países árabes) bem como povos e línguas de origem não árabe que por meio da integração dos seus elementos nas culturas árabes possibilitaram enriquecê-las e serem arabizados pela dita cultura. O grande intelectual árabe Ibn Khaldun[1] (1332-1406) costumava falar dos “Musta’rabun”, ou seja, “os arabizados” ao definir a maioria dos árabes e em particular aqueles do Norte da África (Maghreb) sem se esquecer dos povos dessas regiões conquistadas pelos árabes que não eram árabes e que falavam idiomas até hoje faladas e ensinadas como no caso dos berberes no Maghreb árabe e os siríacos e coptas no oriente médio.
Assim ao falar de civilização arabo-muçulamana, se deve pensar em uma civilização elaborada e enriquecida por árabes (muçulmanos e cristãos) bem como muçulmanos não árabes (otomanos, da Pérsia) e por povos nem muçulmanos e nem árabes como os judeus.
Ser árabe é um conceito que não define um povo pela sua origem genética árabe, mas que trata de um conceito cujo signo distinto é de ter conservado um elemento linguístico dominante árabe favorecendo dessa maneira o traço árabe que a população utiliza geralmente para se comunicar, falar, cantar, escrever ou tocar música. Isso faz que um argelino da região de Tlemcen[2] fale um dialeto árabe (dáridja ou maghrebiya) que um beduíno árabe da região do Hejaz[3] na península arábica mal compreenderia e vice-versa! Porém os dois pretendem se comunicar em árabe. Existe um exemplo muito engraçado que os argelinos costumam utilizar e que simboliza bem esse reconhecimento. No dialeto árabe argelino é possível dizer e afirmar a frase seguinte: “Crazatu ´l machina wa ramassawah morço bel morço” a tradução mais adequada seria; O trem passou encima dele e o recolheram pedaço por pedaço” Nessa frase falada em árabe dáridja ou seja dialetal , não existe nem uma palavra de origem árabe sendo todas, de origem francesas, ou seja, “ La machine (le train) l´a écrasé et ils l´ont ramassé morceau par morceau”. Ao ouvir essa afirmação, nenhum falante da língua francesa poderia imaginar que se trata da língua francesa arabizada. Arabizado deveria ser na minha opinião a palavra que deveria ser empregada quando se refere á maioria dos povos que falam árabe (na exceção dos árabes da península arábica) ou seja, de cultura árabe ou de fala árabe devido ao elemento condutor e difusor dessa cultura: as línguas árabes.
O que define os árabes de hoje não é um elemento da historia de cada povo escolhido entre outros, mas o conjunto desses elementos que esculpem e formam a suas identidades. Embora seja fundamental o elemento fenício no Líbano (ou na Tunísia ou outros países tal como a Espanha), o esplendor da cultura libanesa tal como na época da Nahda[4] (renascimento em árabe) do século 19 desenvolvida pelas famílias Al-Bustani e El Yazigi no Líbano, foi elaborado por intelectuais cuja língua, escrita poesia, ou canções foram criadas em árabe libanês e não em fenício. A língua libanesa, a musica, a cozinha ou o próprio povo libanês podem ter conservados traços e presenças da cultura fenícia, mas isso não o torna um povo fenício 100%. Embora haja um orgulho por parte dos libaneses ou de alguns libaneses de cultivar ou se orgulhar do traço fenício na cultura deles, eles não podem isolá-lo do traço grego, turco, romano, e obviamente do árabe que constituem essa fantástica cultura presente no mundo inteiro. Da mesma maneira hoje em dia, nenhum francês poderia afirmar não ser francês senão gaulês ou um italiano afirmar que é simplesmente romano.
Essa ênfase fenícia que muitos libaneses reivindicam é natural, legítima como se tratassem de marcar um território e de cantar as belezas e as particularidades do Líbano. Porém, será que não haja também hoje em dia, um mal estar de ser definido como árabe ou libanês em razão de uma diabolização constante e crescente dos árabes no mundo e na mídia em particular tal como citado no artigo de Patrícia Dario El Moor[5] que se refere á imagem dos palestinos na Telenovela da GLOBO? Esse fenômeno é também presentes em alguns iranianos que se definem como persas e não iraniano devido á imagem negativa do Irã difundida pela cultura ocidental no planeta desde a revolução islâmica de 1979 embora fosse anterior a mudança do nome pelo Xá Reza Pahlavi quando assumiu o trono em 1925.
Cabe a esses países arabizados de definir, refletir se há necessidade ou não de repensar a maneira como nos definimos dentro desse espaço rico em diversidade, em costume e opiniões que possuem esses mundos árabes.
Mohammed Hadjab é pós graduando em Relações Internacionais na Universidade do Vale do Rio dos Sinos - POA, Rio Grande do Sul
[1] Ibn Khaldun: polímata árabe considerado como um precursor várias disciplinas científicas sociais: demografia, história cultural, historiografia, filosofia da História, e sociologia.
[2] Tlemcen: Cidade localizada no Norte Oeste da Argélia
[3] Hejaz: Região localizada na parte oeste da Arábia Saudita
[4] Movimento transversal de renascimento árabe moderno de natureza literária, política, cultural e religiosa.
[5]  Patrícia Dario El-Moor é doutoranda em Sociologia pela Universidade de Brasília.
Contato presencaarabe@gmail.com
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