A Casa de Saud pode estar aprontando alguma na Crimeia. Pivoteêmo-nos de volta ao deserto, para ver como isso pode ser possível.
Há uma semana, o ministro da Informação e da Cultura Abdelaziz Khoja
proclamou que a Casa de Saud "renova sua firme posição de condenar o
terrorismo em todas as suas formas." Foi o preâmbulo, antes de dizer que
todos os cidadãos sauditas, jihadistas ou não, abandonem a
Síria. Cometeram um crime, decretou, cada dia mais perto de encontrar-se
com seu Criador, o rei Abdullah, saudita.
Então, a Arábia
Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Bahrain, todos esses, tiraram
seus embaixadores do Qatar, sob o pretexto de que Doha continua a apoiar
"mídia hostil", tipo Al Jazeera.
Finalmente, a Arábia Saudita declarou oficialmente que a Fraternidade Muçulmana, a Frente Al-Nusra (ramo sírio oficial da Al-Qaeda) e o Estado Islâmico do Iraque e Levante [Islamic State of Iraq and the Levant, ISIL] - jihadistas
bandidos que lutam contra ambos, o governo de Assad na Síria, e de
Maliki, no Iraque - são organizações terroristas. Qualquer membro
saudita de qualquer desses grupos que não esteja de volta ao Reino
dentro de 15 dias, será preso por até 30 anos.
Por decreto, o
ministro saudita do Interior (por via das dúvidas) também declarou
terroristas os rebeldes xiitas huthis no norte do Iêmen, além de um
grupo obscuro, com base na Arábia Saudita, chamado "Hezbollah Dentro do
Reino". Nenhum desses pode, sequer, manter conta no Facebook.
Implosão da petromonarquia
É de rir, essa implosão épica da primeira coleção do que o ocidente
chama de "nossos filhos da puta" - as petromonarquias do Conselho de
Cooperação do Golfo (CCG), codinome Club Contrarrevolucionário do Golfo
(CCG).
Legenda: Ministro do Interior saudita, príncipe Mohammed bin Nayef (Reuters/Hamad I Mohammed)
E, sim, rapidamente a coisa degenerou em arranca-rabo vicioso entre
árabes, marca registrada. Para os qataris, por exemplo - acusados pelos
sauditas de "intromissão" - quem se intromete são, de fato, os sauditas,
que apoiaram o golpe militar de agosto de 2013 no Egito e são
responsáveis pela confusão gigante entre os grupos que combatem na
Síria. Como era de prever, magotes de jornalistas sauditas e dos
Emirados deixaram os empregos em muitos veículos da mídia qatari, vários
deles depois de 'polidamente' convidados a sair pelo ministro saudita
de Cultura e Informação.
E é ainda mais complicado. O decreto
real saudita aparece depois de uma lei de contraterrorismo
ultra-linha-dura, que proíbe qualquer tipo de crítica à Casa de Saud.
Quer dizer: não se trata só de a Casa de Saud estar aterrorizada ante o
risco de um revide interno, pelos magotes de jihadistas
linha-dura, que aprimoraram seus talentos e habilidades no Levante.
Estão terrificados ante qualquer coisa que se mova dentro e em volta da
Arábia Saudita. Imaginem o que sentem ante o grande mundo em geral.
Estão terrificados ante os sauditas jovens e ocidentalizados, com ideias 'revolucionárias'. Estão terrificados antes jihadistas freelancers.
Estão terrificados ante a Fraternidade Muçulmana apoiada pelos primos
dos sauditas no Qatar - os quais o ocidente (e é muito engraçado)
avaliam que pratiquem um ramo 'mais moderado' do wahabismo medieval. O
velho emir Hamad al Thani - que recentemente se autodepôs em favor de
seu filho Tamim - manipulou habilmente a Fraternidade, como principal
alavanca das ambições de Doha no vasto Oriente Médio.
Para
temperar o mingau saudita-qatari, só há um príncipe saudita na família
real que é a favor de algum tipo de acomodação, seguindo as ordens de
seus patrões excepcionalistas norte-americanos. E o herdeiro aparente,
príncipe Nayef, ministro perene do Interior de 1975 a 2012, está, agora,
morto.
Agora já está perfeitamente visível que Riad e Doha
põem-se aos murros sobre virtualmente tudo e qualquer coisa - da
Palestina e Egito à Síria. Afinal de contas, todos os grãos de areia dos
desertos do sudeste da Ásia sabem que a Casa de Saud é a favor dos
salafistas, enquanto a política de estado de Doha sempre foi apoiar os
Irmãos da Fraternidade Muçulmana [orig. o Ikhwan].
Agora é fácil: ou você está conosco, ou você é terrorista. Ora... o
governo Bush-Cheney nos EUA fez a mesma coisa, muito antes. A diferença é
que, com tantos freelancers, a empresa Jihad Inc.
gerou um problema monstro de Relações Públicas, e os financistas usuais
do Golfo, principalmente os sauditas e os emiradistas, perderam o
controle da manada.
Agora, pela nova ordem, qualquer commando,
mercenário, suicida-bomba ou degolador têm de rezar pelo manual
norte-americano-saudita; ou não será armado até os dentes, ou, pior,
vira candidato à incineração por um míssil Hellfire, arma preferencial
de Obama. O Império quer vocês, rapazes, mas vocês têm de se comportar.
Ônibus para Simferopol?
E isso, não por acaso, nos leva à Crimeia. Ouvi, de fonte saudita muito
boa, que eu ficasse de olho nas maquinações da Casa de Saud na Ucrânia;
eles parecem imensamente interessados no que está acontecendo ali.
Acontece depois da destituição do excessivamente volátil Bandar bin
Sultan, codinome Bandar Bush, de seu poleiro como comandante supremo da
inteligência na guerra contra a Síria (o secretário de Estado John Kerry
dos EUA teve papel crucial na queda de Bandar); da substituição de
Bandar pelo ministro do Interior príncipe Mohammed bin Nayef, que é
muito popular em Washington; e do 'toque de recolher' dos combatentes
sauditas no Levante.
Os tártaros na Crimeia são muçulmanos.
Estão às vésperas de 'celebrar' o 70º aniversário de sua deportação em
massa, por Stalin. Voltaram à Crimeia no final dos anos 1980s, e hoje
são cerca de 250 mil na Crimeia; 13% da população majoritariamente
russa, com taxa de desemprego de, no mínimo, 50%.
Refat
Chubarov, presidente do Parlamento, a Assembleia Nacional dos Tártaros
da Crimeia, considera o referendo crimeano de 16 de março uma "ameaça" à
Ucrânia. Não está promovendo uma jihad, mas, como muitos
representantes tártaros, já antevê "sérias consequências" se o estatuto
da Crimeia for modificado. Há provas do apoio tártaro aos
neofascistas/neonazistas do tipo partidos Svoboda e Setor Direita em Kiev. Dessa 'aliança' até a jihad, a distância é um suicida-bomba.
Aconteça o que acontecer na Crimeia, a Casa de Saud está aprontando
alguma. Bandar Bush vangloriou-se para o presidente Putin de que
controlava os jihadistas do Cáucaso e podia movê-los como bem
entendesse. Seu sucessor bem pode sentir-se tentado a movê-los não no
Cáucaso, mas por uma linha direta de ônibus, do deserto sírio para
Simferopol. Que espetacular favor prestado aos patrões norte-americanos.
O imperador, afinal, em breve visitará Riad. *****
11/3/2014, Pepe Escobar, Russia Today
http://rt.com/op-edge/Crimeia-terrorism-saudi-tatars-050/
http://rt.com/op-edge/Crimeia-terrorism-saudi-tatars-050/
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