quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
Pela manhã, CNV e USP-Ribeirão
apresentaram ao público de São Paulo laudos que desmontam a versão da
ditadura para a morte de Arnaldo Cardoso Rocha
O ex-escrivão de polícia Manoel Aurélio Lopes, 77 anos, que elaborou o
auto de apreensão de armas e documentos apreendidos com o militante da
ALN Arnaldo Cardoso Rocha, morto em 1973, admitiu em audiência pública
da Comissão Nacional da Verdade, realizada em parceria com a Comissão da
Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva", que viu torturas no
período em que trabalhava no Dops (1969-1972) e que sabia da existência
de tortura no Doi-Codi de São Paulo, onde atuou, cedido, entre 1972 e
1978.
Lopes foi convocado pela Comissão Nacional da Verdade e respondeu a
perguntas do presidente da Comissão Rubens Paiva, deputado Adriano
Diogo, do assessor da CNV Márcio Kameoka, do coordenador da Comissão de
São Paulo, Ivan Seixas, de Iara Xavier Pereira, que foi companheira de
Arnaldo, e de Maria Amélia Teles, assessora da CEV-SP.
Ao ser perguntado se havia tortura no Dops e no Doi-Codi, Lopes admitiu
que havia tortura em ambos. Que viu a tortura em que o preso é forçado a
se equilibrar, nas pontas dos pés, em latas de leite, com os braços
abertos, conhecida por alguns ex-presos como "Cristo Redentor", e a
cadeira do dragão, uma cadeira de ferro eletrificada. No Doi-Codi ele
disse que não era autorizado a acompanhar sessões de tortura, mas que
sabia da prática naquela unidade militar.
Contudo, o ex-policial civil, que admitiu utilizar no Doi-Codi o
codinome de escrivão Pinheiro, disse que o caso da rua Caquito, na
Penha, em que foram vítimas Arnaldo, Francisco Seiko Okama e Francisco
Emmanuel Penteado, era "nebuloso" para ele.
Ao tentar explicar melhor o que seria nebuloso no caso, ele disse haver
divergências nas versões das equipes de investigação. Lopes afirmou
também que não era comum o Doi elaborar autos de apreensão, muito menos
com quatro dias de intervalo entre o episódio e a análise. "Montaram, a
meu ver, esse documento, quatro dias mais tarde", disse.
"Lamento que eu não tenha convicção para falar mais", afirmou Lopes,
olhando na direção de Iara Xavier Pereira, que foi companheira de
Arnaldo e mãe de seu único filho. Ele admitiu ainda que, no Doi-Codi, os
escrivães não viam os produtos apreendidos para elaborar os autos de
apreensão.
Lopes admitiu ainda que um policial do Dops ser chamado para o
Doi-Codi era uma espécie de promoção, pois recebia uma remuneração extra
de Cr$ 25 mensais pela tarefa, o que equivaleria hoje a algo em torno
de R$ 100, segundo a Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do
Sul.
O ex-escrivão contou ainda que o Dops recebia apoio de grandes empresas
privadas. Segundo ele, o stand de tiro do Dops foi revestido pela Cofres
Bernardini e que os aparelhos de proteção para os ouvidos foram pagos
pela General Motors após um acidente sofrido por ele no stand no qual
perdeu parte da audição.
A audiência de ontem foi a segunda realizada pela CNV e pela Comissão
Rubens Paiva sobre oito casos de mortes de jovens integrantes da Ação
Libertadora Nacional (ALN) em São Paulo.
Na parte da manhã, a audiência contou com a participação da integrante
da CNV Maria Rita Kehl, que se disse impressionada com a qualidade do
trabalho dos médicos legistas e peritos, da USP Ribeirão Preto e da CNV
que elaboraram, respectivamente, o laudo de exumação dos restos mortais
de Arnaldo Cardoso Rocha e uma análise pericial sobre seu caso.
Ambos as apresentações, veja aqui e aqui, demonstraram que Arnaldo foi
torturado antes de morrer executado com tiros na cabeça, desconstruindo a
versão oficial da ditadura de que houve resistência à prisão, seguida
de morte.
O laudo de exumação elaborado sob a supervisão do médico legista Marco
Aurélio Guimarães, do Laboratório de Antropologia Forense da Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto (USP) foi solicitado pelo Ministério
Público Federal à Secretaria de Direitos Humanos a pedido de Iara
Xavier. O laudo da CNV foi produzido pelo perito da Secretaria de
Segurança Pública do DF, Celso Nenevê, e pelos peritos da CNV Mauro
Yared e Pedro Cunha.
Pela manhã, o professor universitário Amílcar Baiardi, ex-preso político
que integra a Rede Brasil de Memória Verdade e Justiça, confirmou em
depoimento à CNV e à Comissão Rubens Paiva que viu Francisco Seiko Okama
e mais uma vítima, da janela da sala onde estava preso no Doi-Codi,
sendo interrogados, apesar de feridos a bala, por agentes da repressão
que entraram na unidade armados e dando tiros para o alto e que xingavam
Okama, chamando-o de "japonês filho da puta".
Ele afirma que o fato se deu no início da tarde de 15 de março e que,
quando deixou a prisão, confirmou que uma das vítimas seria Okama, única
pessoa de origem oriental morto pela repressão naquela data. Baiardi
foi integrante da Colina e da Var-Palmares e não tinha ligação com a
ALN.
Segundo Baiardi, os dois jovens foram deixados com vida no pátio do
Doi-Codi, onde agonizaram até a morte. Depois, os corpos foram
recolhidos pelo IML e um faxineiro limpou o sangue. Baiardi, contudo,
diz que, em virtude dos ferimentos na outra vítima, não tem condições de
dizer se a outra vítima era Arnaldo ou Francisco Emmanuel Penteado.(Com
a CNV)
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