segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

A Indústria do “Israel Primeiro” e os Proventos dos Directores Executivos

ODiario.info

James Petras
17.Fev.14 :: Colaboradores
James PetrasAs organizações de solidariedade judaicas americanas passaram por uma profunda mudança no último meio século. De organizações de apoio, solidariedade e proximidade social passaram a grupos de pressão empenhados em comprar apoios políticos ao sionismo e ao expansionismo colonial de Israel. E os seus dirigentes são principescamente pagos para desempenhar esse papel.

Introdução
Durante a primeira metade do séc. XX, os judeus socialmente conscientes dos EUA organizaram uma vasta rede de associações de solidariedade e apoio financiada sobretudo através de pequenos donativos, rifas e quotizações de apoiantes operários e da classe média baixa. Muitas destas associações tratavam das necessidades diárias dos trabalhadores judeus, imigrantes e famílias necessitadas. Algumas estavam ligadas a sindicatos e partidos social-democratas e de esquerda. Os dirigentes eram em muitos casos pessoas que trabalhavam muitas horas empenhados na resolução de problemas e na intervenção em crises locais. Ganhavam um pagamento modesto (quando se dispunha de fundos) equiparado ao de um operário especializado. Alguns grupos de mulheres como o Hadassah iam de porta em porta sobretudo nos bairros comerciais judeus, abordando lojistas judeus e não-judeus com senhas de rifas para se comprar camas nos hospitais hebraicos na Palestina/Israel. A ética dominante era melhorar a vida dos judeus na América, com ligação à esquerda americana e a grupos operários em frentes unitárias contra o fascismo e as organizações suprematistas racistas. Até à fundação de Israel, as organizações sionistas eram minoritárias na comunidade judaica, especialmente entre os judeus da classe trabalhadora.
Criados numa comunidade multi-étnica da classe trabalhadora (Lynn, Massachusetts), a maior parte dos nossos amigos e vizinhos judeus eram operários e pequenos comerciantes, pintores, livreiros, carpinteiros, motoristas (Gatso Feldman), vidreiros (um rabi de longa barba branca), sucateiros (o sr. Stone) numa carroça puxada a cavalos apregoando o negócio com a sua voz rouca de uísque (“Rax, Rax, Rax”! (Rags! – Trapos, N.T.)), talhantes, padeiros, merceeiros, alfaiates (“Sam, fizeste as calças muito compridas”), operários de peles e couros (Goldie Goldstein), armazenistas e alguns proprietários. Do lado da rua à sombra, havia jogadores de bilhar (Marty Z), prostitutas (Sophie K) e gangsters (Louie F). A meio dos anos 50, judeus e não-judeus encontravam-se envolvidos em pancadaria no parque Boston Common com os reaccionários e anti-semitas feeneyitas (seguidores do padre jesuíta Leonard Feeney – N.T.).
Contudo, por volta do fim dos anos 40, começou a haver mudanças sob a pressão dos acontecimentos. Conforme o meu amigo do colégio judeu Paul L conta, “Um dia, a fotografia de Marx na sua sala de aula iídiche foi retirada e substituída por outra de Theodore Herzl, fundador do sionismo”. As razões foram duas. O anticomunista Joseph McCarthy vinha à cidade para interrogar e pôr na lista negra os dirigentes da United Electrical Workers da enorme fábrica local da General Electric em Lynn. Em segundo lugar, a fundação de Israel converteu os directores social-democratas iídiches de esquerda em sionistas – e os sionistas não estavam na agenda de McCarthy. A meio dos anos 50, a viragem à direita nas associações sindicais judaicas era visível – literalmente! Certa noite, depois das nossas aulas, encontrei-me com dois amigos judeus e fomos até ao bar Peter (cervejas a 10 cêntimos com sabor a ranço no fim). No caminho, os meus amigos discutiam a política da esquerda – Paul era pela social-democracia e Lenny pelo trotsquismo – eu era a audiência e potencial apoiante. Quando passávamos pela montra do Círculo do Trabalhador (uma organização iídiche pró-sindical) Lenny parou e apontou triunfalmente para um anúncio na montra – um cartaz de recrutamento para a marinha dos EUA! Paul ficou esmagado.
Com 14 anos de idade, fui trabalhar para a peixaria do meu pai na cidade vizinha de Revere, onde a grande maioria dos nossos clientes eram judeus, muitos deles imigrantes de Vilnius. Embora houvesse vários mercados de peixe de judeus, o meu pai concorria com sucesso devido às suas idas diárias a pé aos cais da avenida Atlantic em Boston para proporcionar aos clientes o peixe mais fresco, apanhado na noite anterior pelos pescadores italianos do North End.
Dos milhares de clientes, lembro-me apenas de dois ou três casos de supremacia judaica. Uma bem conhecida “yenta” (mulher desagradável) veio à peixaria, viu os nossos preços e disse “Por preços destes podia comprar a um judeu!” Desnecessário será dizer que foi corrida com um chorrilho de impropérios gregos e iídiches do meu pai e do seu amanhador a meio tempo Julius, “o bolchevique de Vilnius!”
A Grande Transformação
Nos últimos cinquenta anos, uma transformação de largo alcance teve lugar nas organizações judaicas entre os seus dirigentes e nas suas práticas e políticas. Actualmente, os dirigentes judeus converteram as obras de solidariedade, as sociedades de apoio social e os programas estrangeiros para judeus da classe trabalhadora em máquinas de fazer dinheiro para auto-enriquecimento, converteram as campanhas de fundos para programas de saúde destinados a judeus refugiados fugidos ao nazismo em financiamento do estabelecimento de colonatos ao serviço da intenção de sionistas fanáticos armados expulsarem palestinianos e organizaram uma poderosa máquina política que compra pessoas do Congresso dos EUA e penetra no governo de modo a servir os objectivos militares israelitas. Em vez da defesa dos direitos humanos e do combate ao fascismo, os dirigentes das principais organizações judaicas defendem toda e qualquer violação israelita dos direitos humanos dos palestinianos, desde as prisões arbitrárias de dissidentes não-violentos, à detenção de crianças em “gaiolas”. A kafkiana detenção administrativa prolongada e sem julgamento em Israel é aprovada pelos atuais dirigentes. No passado, os dirigentes judeus especialmente activistas laborais e socialmente empenhados uniam forças com a esquerda na oposição aos políticos sectários, às purgas macartistas e às listas negras. Hoje, os dirigentes praticam exactamente a mesma política reaccionária, de chantagem e de lista negra contra os críticos de Israel e seus apêndices sionistas.
Bom Dinheiro: A Indústria “Israel Primeiro”
No passado, os dirigentes judeus das organizações de apoio social recebiam salários modestos, não mais do que os de operários especializados. Hoje, os dirigentes das maiores organizações “não-lucrativas” judaicas são milionários ganhando anualmente entre 200 a 300 mil dólares, mais chorudos suplementos para “despesas comerciais” (transporte, alojamento, refeições, etc.) que acrescentam mais 30% ao seu rendimento.
O semanário judeu moderadamente social-liberal “The Forward” (tradução possível “O Avante” – N.T.) concluiu recentemente um estudo sobre os salários dos dirigentes judeus “não lucrativos” com a ajuda de um professor da Wharton School of Business (Universidade da Pensilvânia). De entre os maiores beneficiários, encontrava-se Abraham Foxman da Liga Anti-Difamação (ADL) ganhando 688.280 dólares, Howard Kohr do Comité de Assuntos Públicos Americano Israelita (AIPAC) – 556.232 $, David Harris do Comité Americano Judaico (AJC) - 504.445 $, Morton Klein da Organização Sionista da América (ZOA) - 435.050 $, Janice Weinman da Hadassah- 410.000 $, Malcolm Hoenlein de Presidentes das Maiores Organizações Judaicas (PMJO) - 400.815 $, Mark Helfield da Sociedade de Apoio à Imigração Hebraica – 268.834 $ e Ann Toback do Círculo das Trabalhadoras/Arbeiter Ring – 185.712 $. Estes salários e regalias colocam os dirigentes judeus “não-lucrativos” nos 10% superiores dos rendimentos nos EUA, a um abismo do não muito distante passado. De acordo com a análise pelo Forward e do grupo Wharton, ‘a maior parte dos executivos (CEO’s) são largamente sobre-remunerados, ganhando mais do dobro do que se espera que ganhe um responsável de uma organização de dimensão equivalente’
Enquanto em muitas organizações a filiação baixou, especialmente entre os judeus das classes trabalhadora e média-baixa, o financiamento aumentou e sobretudo os dirigentes plutocráticos abraçaram virulentas políticas externas militaristas e políticas internas repressivas. O Forward descreve Abraham Foxman como “desviando a ADL da sua auto-assumida missão de combate a todas as formas de fanatismo dentro e fora dos EUA para colocar a ADL firmemente do lado do fanatismo e da intolerância”. Podemos acrescentar que a ADL foi acusada de espiar grupos políticos nos EUA e desenvolveu actividades junto de instituições académicas para a expulsão de professores e junto de instituições cívicas para o cancelamento de eventos críticos para Israel e para a “Indústria Israel Primeiro” nos EUA.
A esmagadora reacção dos leitores judeus ao estudo do Forward foi de indignação, desgosto e revolta. Como um leitor comentou, “A discrepância entre os seus (dos CEO’s) salários e a média dos que contribuem para as suas campanhas é inaceitável”. Outro leitor indignado comentou sinteticamente: “Gonifs!” (Ladrões!). Muitos disseram acabar com futuros donativos. Um leitor ex-ortodoxo declarou “Antes quero dar a um mendigo na rua do que a eles”.
A baixa de donativos dos judeus da classe média-baixa terá no entanto pouco efeito na redução dos vencimentos dos CEO’s “não-lucrativos” ou na mudança das suas políticas, porque eles dependem cada vez mais das contribuições com seis ou sete dígitos dos milionários e bilionários judeus. Além disso, as contribuições dos grandes doadores estão ligadas à política de repressão interna e à garantia de ajuda militar multimilionária e aos programas de comércio com Israel do Tesouro dos EUA. Os doadores de milhares de milhões de dólares não se opõem ao financiamento dos dirigentes milionários, desde que eles concentrem os seus esforços na compra de votos de membros do Congresso e alinhem as suas políticas com os objectivos de guerra de Israel. Foxman continuará a ser “superpago” por dirigir uma organização com rápida diminuição de filiados e que não combate o fanatismo, enquanto garantir bom dinheiro dos doadores sionistas de direita que avaliam o seu êxito pela sabotagem do acordo intercalar Casa Branca / Irão e pela garantia de novas sanções do Senado contra o Irão.
Desse modo, em 2013 o director executivo da AIPAC Howard Kohr meteu ao bolso 556.232 $ de vencimentos mais 184,410 $ para “despesas” (total 740.647 $), por dedicar a maior parte do seu orçamento a grupos de pressão para lutarem por sanções dos EUA contra o Irão, apoiarem guerras por Israel no Médio Oriente, financiarem colonatos exclusivos para judeus na Palestina e garantirem vetos dos EUA às resoluções da ONU críticas para os crimes de guerra de Israel.
David Harris, director executivo do Comité Judaico Americano - AJC (504.445 $ mais despesas) dedicou a maior parte do tempo e recursos do AJC a pressionar o Congresso e o governo para satisfazerem o pedido de Netanyahu de sanções mais severas sobre o Irão. De acordo com o Forward, “A 1 de Julho (2013), algumas semanas depois da eleição de Hassan Rohani como novo presidente do Irão, Harris acusou Rohani de estar implicado no bombardeamento do AMIA, Centro Judaico em Buenos Aires, em 1994. Isto, uma semana após o Procurador-Geral argentino Alberto Nisman (e ardente sionista judeu) ter informado o editor do Times of Israel, David Horovitz, que Rohani nem estava indiciado, nem acusado de qualquer envolvimento”.
Conclusão
A Grande Transformação entre as organizações de solidariedade judaicas americanas é evidenciada pela mudança (1) do apoio social a trabalhadores judeus, imigrantes pobres e pessoas de idade vítimas do Holocausto, para o tráfico de influências políticas ao serviço do altamente militarizado estado de Israel, (2) do empenhamento no trabalho social a favor dos judeus americanos, para a influência política a favor das transferências militares para Israel, (3) da partilha de estilos de vida e de lutas entre os dirigentes populares e os doadores seus iguais, para CEO’s milionários entretendo bilionários sionistas e partilhando mesas por Israel na Casa Branca enquanto pagam influências no Congresso e (4) do aproximar e alinhar com americanos que lutam pela paz e justiça no Médio-Oriente, para abraçar todo e qualquer monarca de opereta e ditador que subscreva a anexação por Israel da terra da Palestina.
A chave para a transformação está na transformação ideológica e estrutural entre os dirigentes das organizações judaicas. O aumento de proeminência e de facto de centralidade dos doadores sionistas milionários e bilionários pôs em campo dirigentes que espelham o seu ponto de vista Israel Primeiro e que igualmente se enriqueceram. Em segundo lugar, a Grande Transformação das organizações judaicas de solidariedade resultou da ascendência de uma ideologia étnica suprematista que vê os “outros” como sujeitos inferiores que devem ser governados pela superior inteligência dos dirigentes políticos e comerciais judeus e que ordena que os “dissidentes” e “desobedientes sejam castigados como “anti-semitas” e punidos com cadeia, ostracismo dos media, censura, ameaças abertas e, mais vulgarmente, perda de emprego. Uma consequência chave da subida ao poder político das organizações judaicas antes socialmente conscientes é a perda da sua base popular de massas. Têm-se demitido membros em protesto contra o estilo de liderança autoritária e manipuladora dos CEO’s. Outros foram forçados a retirar-se através de expulsões e pressões., mas sobretudo a cega sujeição política das direcções à política do estado de Israel e o auto-enriquecimento afastaram um número crescente de jovens socialmente activos, tal como judeus de meia-idade desencantados com os seus líderes gonifs (do hebreu e iídiche “ladrão” – N.T.)
À medida que cresce o desencanto, os grupos organizados e os líderes atuam com maior severidade e agressividade para preservarem a sua falsa imagem de “representantes da comunidade judaica”. Os dissidentes judeus são silenciados ou isolados. Os “dirigentes” CEO e os seus aliados rabínicos difundem a etno-supremacia, a menorah (candelabro religioso – N.T.), a bandeira e a política do Israel Primeiro como poderoso instrumento de controlo interno. Vencimentos chorudos e enriquecimento pessoal ao serviço de Israel não são crime. São encarados como virtudes, pelo menos entre os respeitáveis… gonifs.
Lembro-me do irmão mais velho de um amigo meu de juventude, um judeu que se alistou na Brigada Lincoln e combateu do lado republicano na guerra civil espanhola. Mais recentemente, lembro-me de um jovem estudante da Universidade de Binghamton dizendo-me que ia para Israel servir nas Forças de Defesa Israelitas depois da licenciatura. Não tenho dúvida que a “militância” deste jovem americano sionista se há-de traduzir por partir as pernas de estudantes palestinianos em protesto. Sim, aconteceu uma “transformação”, mas devo confessar que prefiro a loja de rebuçados e histórias aos quadradinhos do Izzy Levine, onde os miúdos da vizinhança conviviam, juntando descendentes de sicilianos, judeus de Odessa, afro-americanos e gregos de Esparta, aos atuais CEO’s judio-cêntricos que mandam na industria “Israel Primeiro”. Izzy era muito melhor americano do que Abe Foxman, chantagista político, bufo da polícia e gonif milionário.
Tradução: Jorge Vasconcelos
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