23.Abr.13 :: Outros autores
A
esposa de Nelson Mandela, Graça Machel, a brilhante dirigente
moçambicana que se casou com o homem que todos designam pelo seu nome de
clã Madiba, continua a dizer o que pensa, inclusivamente quando o seu
esposo Nelson Mandela já não pode fazer o mesmo devido à sua idade e
estado de saúde. Graça Machel crê que África do Sul é uma nação
“encolerizada … à beira de algo muito perigoso”. Fez estas declarações
no funeral de um taxista moçambicano cuja morte às mãos da polícia foi
captada com uma câmara de telefone móvel e foi difundida por toda a
rede. Apesar do vídeo a polícia nega a sua brutalidade, o que indigna
ainda mais um país que parece estar cada vez mais farto de políticos que
saqueiam os seus recursos. Machel não poupou palavras, afirmou que a
África do Sul é uma sociedade que “sangra e respira dor”, e advertiu que
o ” problema mais profundo é um passado que não é abordado”. Esse
“problema mais profundo” evocava a transição negociada que levou ao
poder político o Congresso Nacional Africano (ANC), mediante eleições,
em princípios dos anos 90, mas que deixou o poder económico nas mãos de
uma elite, na sua maioria branca, dominada pelas grandes empresas e pelo
“complexo minero-energético”. O economista Sampie Terrablanche conta
essa historia no seu livro “Lost in Transformation”, a história de um
neoliberalismo imposto pela pressão das multinacionais, das instituições
financeiras internacionais e de governos estrangeiros como os EUA e o
Reino Unido. Há muitas vozes críticas. Mamphela Ramphele, antiga
camarada de Steve Biko, uma médica convertida em banqueira, perita em
pobreza e empresária, lançou um novo partido político, Agagng (que em
sesotho significa “construir”), para desafiar o ANC. Embora careça de
uma base com as raízes profundas do ANC na comunidade negra, a sua
análise ecoa com força. O seu programa, cujo objectivo é “reviver o
sonho de África do Sul”, afirma que “o país de nossos sonhos,
infelizmente, desvaneceu-se… O sonho desvaneceu-se para muitos que vivem
na pobreza e na indigência”. Num lírico apelo à memória e à militância
pergunta: “¿Recordas-te da nossa paciência e tranquila dignidade
enquanto esperávamos em longas filas para votar pela primeira vez como
cidadãos de uma África do Sul livre? ¿Recordas como te afogava a emoção e
se te punha a pele de galinha quando marcaste pela primeira vez a cruz
no boletim? ¿Recordas-te das lágrimas de alegria e de alívio quando
vimos o nosso primeiro presidente, Rolihlahla Mandela, honrado pelo voo
rasante dos caças de uma força aérea que ia a ter o seu primeiro
comandante em chefe eleito democraticamente? ….¿Recordas o sonho que
abraçámos de construir uma grande sociedade que fosse nossa, uma
próspera democracia constitucional unida na sua diversidade?”. Ramphele
critica a corrupção, mas os meios de comunicação se encarregarão de que a
nova iniciativa política tenha poucas possibilidades de êxito. Outros
partidos, incomodados por ela não se lhes ter aliado, mantêm-se
distantes, mesmo aqueles cujos líderes, como Mangosuthu Buthelezi, se
sentiram animados por esta iniciativa a lançar novas críticas contra o
ANC: “A mensagem do Estado da Nação da semana passada (do presidente
Jacob Zuma) deixou-nos sem a menor duvida de que chegou momento de
afastar do poder líderes que não são aptos para governar. Chegou o
momento de fechar as portas desta primeira República governada pelo ANC,
e acabar decididamente com todas as ineficiências, as deficiências e os
problemas que o ANC trouxe consigo. O ANC já não é o partido dos
visionários de 1912; o partido do Dr. Pixley ka Isaka Seme, de Inkosi
Albert Luthuli e Nelson Mandela. Este ANC é corrupto. Está a defraudar a
África do Sul”. O que Buthelezi e outros críticos do ANC parecem
esquecer é que o anterior governo, o regime branco de apartheid, era tão
ou mais corrupto, embora talvez mais discreto e controlava os meios de
comunicação de maneira que no havia perigo de que a coisa fosse
divulgada. Para além disso, sempre que alguém recebe dinheiro, alguém o
está a dar, tal como faziam as empresas estrangeiras de armamento que
recorriam ao pagamento de comissões para ganhar concursos na África do
Sul. Não será por isso que o que acontece agora se torna mais aceitável,
mas demonstra que existe um contexto mais profundo que implica algo
mais do que os funcionários do ANC. Não é só a comunidade negra que se
vê prejudicada ou envolvida nestas práticas. Os hindus e os brancos
também estão comprometidos. Num país chocado pela actual crise interna
de violações e abusos infantis, todos as primeiras páginas foram para o
caso do atleta paralímpico Óscar Pistorius, que disparou e matou a sua
noiva modelo. Ambos eram brancos. Como assinalou a Eurasia Review: “O
caso de Pistorius não pode … ser tratado isoladamente de uma cultura
complexa, o que faz com que o seu resultado final constitua um momento
decisivo para África do Sul. Que seja capaz de mudar a cultura
sociopolítica é farinha de outro saco. Entre 2011 e 2012, dois centros
de acolhimento importantes da Cidade do Cabo, que historicamente têm
dado resposta a diversas formas de violência de género, lutavam pela sua
sobrevivência”. A família de Pistorius defendeu o seu direito a deter o
arsenal de armas encontrado em sua casa, e que sem dúvida existe em
outros lares. A violência é endémica numa cultura da pobreza e da
insegurança pessoal porque o crime se converte num sistema de
redistribuição primitivo e desigual. A Eurasia Review acrescenta: “A par
desta luta pela sobrevivência, outros dois acontecimentos políticos
importantes tiveram lugar na África do Sul. O primeiro foi o assassínio
público dos mineiros em Marikana, que se atreveram a protestar para
exigir um salario digno; e o segundo foi a sucessiva apresentação e
retirada em varias ocasiões do projecto de lei sobre os tribunais
tradicionais … “Este projecto de lei é considerado um retrocesso nos
direitos das mulheres, ao fazer dos chefes tradicionais poderosos
senhores que não estão sujeitos a controlo democrático ou à prestação de
contas”. Deste modo, se se investiga um pouco abaixo da superfície de
quase qualquer tema, encontrar-se-ão correntes de dissensão e desacordo,
e denúncias coléricas contra aqueles considerados responsáveis. A
profundidade desta desafeição popular face ao governo e o desgosto pela
direcção que o país tomou não encontra reflexo adequado nos meios de
comunicação. O sentido de camaradagem, a unidade e o sentimento de
coesão social - o “nós”, não o “eu”- que unificou os sul-africanos
durante anos na luta parece estar a evaporar-se à medida que se
aprofunda a desigualdade e as pessoas lutam para sobreviver
economicamente como indivíduos numa economia que não está a crescer com
suficientemente rapidez para promover o desenvolvimento económico, e
permanece em grande medida controlada pelos proprietários brancos das
multinacionais e dos bancos. O sentido de solidariedade tradicional, a
coesão de classe e comunidade estão sendo questionados por um darwinismo
flagrante, a ponto de que até os pobres abraçam valores fundamentais do
capitalismo: “a caridade começa por si mesmo”, sobretudo quando os
serviços do governo, o que eles chamam “cumprir as promessas”, fracassam
ou não existem. No outro dia sentei-me junto a duas mulheres
sul-africanas, uma chamada Confiança, a outra viúva de um antigo
comandante do clandestino exército do ANC, o MK, que lutou pela
libertação do país. Ambas estão frustradas pela lentidão das mudanças, e
necessitam de cuidados médicos fora do seu alcance. Ambas trabalham,
mas os seus salários não cobrem as suas despesas. Anteriormente
politizadas, parecem agora passar a maior parte do tempo na Igreja,
orando para pedir a intervenção divina. Na sua autobiografia “Longo
caminho para a liberdade”, que se converterá em breve num filme de
longa-metragem, Nelson Mandela advertiu que quando se chega ao cimo da
montanha, aparece sempre outra a seguir que alguém terá de subir. Os
sul-africanos têm ainda muito que escalar.
Fonte: http://www.lahaine.org/index.php?p=68227
Fonte: http://www.lahaine.org/index.php?p=68227
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