quarta-feira, 13 de março de 2013

Peru: “Ollanta Humala passou de uma proclamação nacionalista a uma posição de direita”


Entrevista a Ricardo Napurí, ex trabalhador mineiro e senador

Peru: “Ollanta Humala passou de uma proclamação nacionalista a uma posição de direita”

Mário Hernández
13.Mar.13 :: Outros autores

Ricardo NapuríNo Peru verifica-se um importante crescimento económico. Mas é necessário ver que realidade social e ambiental se revela por detrás dos números da exploração mineira e da economia informal, num país em que a pobreza atinge 60% da população.


Mário Hernandez (MH): Já está connosco Ricardo Napurí. Há algum tempo que queria conversar contigo porque no início de Dezembro uma nota publicada em Clarín assinada pelo analista internacional Jorge Castro dá conta de uma serie de dados relativos ao Peru, tema que nós temos abordado em mais de uma ocasião.
Aponta que o investimento estrangeiro directo aumentou 60% nos primeiros 6 meses de 2012, arrastado por uma percentagem maior na indústria mineira, onde cresceu 75%. O Peru cresceria 6.5% em 2012 depois de uma expansão de 6.9% em 2011, crescendo sustentadamente por 35 meses consecutivos com uma tendência para a subida, sem inflação.
Fala de uma nova classe media assente nos 500.000 empreendedores que surgiram nos últimos 20 anos, sobretudo na economia informal. É o segundo produtor de cobre a seguir ao Chile mas os custos de produção são 30% menores do que nesse país e a taxa de lucro é o dobro, daí que o investimento das transnacionais mineiras, que são cerca de 330 companhias, ascenda a U$S 50.000 milhões a executar nos próximos 10 anos, o que implica que a exportação de cobre se multiplicará por quatro na próxima década convertendo o Peru em primeiro exportador mundial.
Uma situação económica florescente aquela que descreve Jorge Castro - que recordarás foi assessor do ex presidente Carlos Menem - que contrasta com comentários que temos feito nestes microfones sobre a realidade peruana em mais de uma ocasião.
Gostaria que pudesses esclarecer os nossos ouvintes sobre a leitura destes números.

Ricardo Napurí (RN): Os números são reais, o que não quer dizer que a análise política seja correcta, porque o que Jorge Castro faz é econometria uma vez que mede a realidade de um país apenas através do crescimento económico.
O Peru é talvez o terceiro mais importante país mineiro do mundo. 80% das suas exportações são de minerais, alguns de ponta como o cobre, a prata e o ouro. A produção mineira é muito diversificada. Isso é totalmente certo. O que não menciona é que na concepção liberal estes investimentos milionários não produzem nenhuma multiplicação. A exploração mineira é feita a céu aberto, quer dizer, não é de tunelização, faz-se com pouca gente e a deterioração da natureza é muito grande.
Por detrás destes números de crescimento há uma depredação humana e da Natureza
MH: Tema de que falas com o conhecimento que te dá teres sido mineiro na tua juventude.
RN: Não só fui minero como também organizador no sul do país, através da mina de Cuajone, de um movimento de resistência contra o acordo que o governo militar tinha realizado com uma empresa multinacional para fazer uma exploração estratégica da zona.
Na zona de Moquegua foi tudo destruído. A água secou, a agricultura desapareceu, de tal maneira que a luta ecologista no Peru é muito antiga. Agora em Conga, tema que abordaste em varias oportunidades, os nativos estão protestando, e inclusivamente as entidades regionais, porque o investimento é mineiro mas o que não dizem é que atrás dele vem a desolação.
No Peru não existem regulamentos no sentido de exigir determinadas condições técnicas, de tal forma que as companhias mineras vêm para depredar. O Peru é visto como uma zona de depredação da natureza pelas mineiras que retiram disso altos rendimentos.
Há 30 mortos por resistência à mineração e cerca de 60 feridos graves nos 3 ou 4 confrontos que se verificaram em defesa do meio ambiente. Essa é a realidade.
Tão pouco se diz, porque não interessa às classes dirigentes, que no Peru 60% das pessoas são pobres. Esses 10 anos de crescimento de 8/9% do PIB e o investimento mineiro não tiveram efeito multiplicador nem produziram bem-estar social. Há 20 anos que não aumentam as reformas. O salario no fundamental não se alterou e é a quarta parte do valor calculado do cabaz familiar. Dos 60% de pobres, metade vive abaixo da linha de pobreza. A sua situação não variou um milímetro e devemos ter em conta que o governo actual ergueu como bandeira, proclamando-se nacionalista, chavista, nos primeiros momentos da sua gestão política, a luta contra o neoliberalismo e a exploração mineira de tipo genocida. Também ergueu outras bandeiras reformistas importantes mas, ¿por que será que estes governos ou personagens que têm consciência da depredação que produz o investimento mineiro abandonam esses princípios para capitular perante as companhias?
Em outras entrevistas que me fizeste disse-te que Ollanta Humala assentava praticamente todo o seu programa de governo numa política assistencialista fundamentada na ideia de resgatar entre 3000/5000 milhões de dólares das companhias mineras pelos contratos de carácter depredador assinados pelos seus antecessores, Fujimori e Alan Garcia. Comprometeu-se a obter esse dinheiro e disso dependia grande parte da sua gestão de governo assistencialista. Chegado à presidência, as transnacionais puseram-no em sentido e disseram-lhe que não havia garantia nenhuma de que os preços não baixassem, que o mais importante era manter o Peru como país mineiro e que o investimento mineiro não podia ser rejeitado, e então Ollanta capitulou converteu-se num governo que de um proclamado nacionalismo passou a uma posição de direita, alinhando-se com os governos do Chile, Colômbia, Panamá e México na Frente do Pacífico com os EUA, e abandonando o seu programa eleitoral.
As análises económicas não podem ser feitas fora da realidade social e política de um país, muito mais se é andino e mineiro como o Peru, e daí há que perguntar se a mineração é ou não favorável às grandes maiorias populares.
A classe media cresceu de forma exponencial porque beneficiou, tal como na Argentina e em outros países, do boom económico, mineiro no caso do Peru, mas os sectores excluídos estão mais pobres e marginalizados do que nunca. Mas a eles a realidade social não lhes interessa, apenas o crescimento económico, por isso temos que alertar que detrás dos números que colocam o Peru como um país de ponta no crescimento, seguramente garantido por muitos anos, há uma depredação humana e da natureza de tal magnitude que a resistência popular já é muito forte e tudo anuncia uma maior radicalização face à exclusão das grandes maiorias populares de qualquer projecto de bem-estar.
Ollanta Humala e Keiko Fujimori são dois personagens estranhos à política
MH: Estava a ler que no que diz respeito às futuras eleições de 2016, e embora me pareça um pouco prematuro, as duas personalidades que encabeçam as sondagens são mulheres: Keiko Fujimori e a esposa de Ollanta Humala, Nadine Heredia.
RN: Ollanta não pode ser reeleito e prepara a sua mulher para que lhe suceda, assessorada por Favre, um analista político, irmão do argentino Jorge Altamira, que trabalha para o Brasil, preparando-a pacientemente para que seja una espécie de nova Evita ou Cristina na realidade peruana, a fim de poder derrotar Keiko Fujimori, que surpreendentemente tem uns 25% de votos cativos. O seu pai fez um governo depredador, assassino e entreguista mas ocupou-se muito bem de fazer um populismo que, num país miserável como o Peru onde as pessoas não têm nada, se lhes dás um pouco de água, comida e alguma coisita mais é uma novidade. Ele fê-lo e por isso a sua filha tem uns 25% de votos cativos, sobretudo em Lima.
Ollanta Humala trata de construir a figura da sua esposa para lhe ganhar. O pano de fundo é a realidade peruana, a crise política brutal, social, o retrocesso das esquerdas, depois da derrota de Sendero Luminoso e da esquerda institucional parlamentar, que determinou o aparecimento personagens como Humala, um obscuro major do exército inclusivamente suspeito de crimes de lesa humanidade, ou de Keiko, que é a filha de um presidente corrupto e assassino, que se chegam à frente e são votados. No caso de Keiko porque pode apoiar-se nos votos cativos do seu pai e no de Ollanta porque prometeu aos pobres e às províncias uma posição nacionalista e de resgate da soberania do povo em matéria dos direitos fundamentais. Estes dois personagens são estranhos do ponto de vista do que poderia ser uma análise culta da política, mas são a expressão da realidade presente.
No Peru houve uma derrota histórica importante depois do grande ascenso de massas dos anos‘70/80, que permitiu que se instalem estes personagens. Tudo indica que os de baixo não têm muitas opções e se apoiam em quem lhes prometa algo. O resto dos candidatos são oligarcas confessos e terríveis. Há um divórcio entre a consciência popular mínima e esses liberais de ultradireita, por isso apoiam-se nestes dois personagens que fazem populismo, como lhe chamam agora, demagogia, e lhes prometem o maná do céu a fim de capturar os seus votos. Por isso estamos presenciando a possibilidade da disputa entre estes dois candidatos. O problema da esposa de Ollanta é que a Constituição não lhe permite candidatar-se por ser parente do actual presidente, por isso movimentam-se no sentido de um pacto político com o APRA e o fujimorismo para modificar a Constituição e poder ser candidata.
Esse é outro capítulo da obscuridade da vida política do país que se tornou, como em outros casos em América Latina, numa ética política de baixo estofo por via da qual um pacto permitiría a reforma constitucional para que a mulher de Ollanta possa aspirar à presidência.
Ollanta está a calcular com lápis e papel fino o momento para indultar Fujimori
MH: ¿Seria moeda de troca o indulto a Fujimori?
RN: Naturalmente, é garantido. Tentaram-no várias vezes, o que acontece é que estão a negociar o momento e o calendário para não pagar um custo político muito alto. Têm que o fazer no momento oportuno, e estão a calculá-lo com lápis e papel fino, mas para os analistas políticos está perfeitamente determinado que estes acordos já existem sobretudo no Parlamento e que culminariam no momento de definir a reforma constitucional.
Seria um indulto sem sanções para que Fujimori tenha a possibilidade de participar na contenda política, ele que é um ladrão, assassino e genocida. Voltaria como já o fez Banzer na Bolívia, que de ditador passou a ser presidente por via democrática.
Bachelet foi una administradora da herança pinochetista
MH: É indubitável que nos últimos tempos a América Latina, a partir dos seus governos progressistas, populistas ou neo-desenvolvimentistas, tem estado na vanguarda política mundial. Entretanto, começa a haver certas turbulências, uma zona perigosa onde poderia desperdiçar-se uma vez mais esta situação favorável que se tem configurado nos últimos anos. ¿Qual é a tua opinião a esse respeito?
RN: A tua pregunta é boa porque há uma tendência para aceitar da realidade só o que nos é mais conveniente. Todo o mundo repete “governos progressistas” como papagaios, mas não clarificam que problemas enfrentam estes governos numa realidade em evolução e qual é o futuro.
Por exemplo, dizem que Bachelet pode ser presidente, mas já o foi, reprimiu os estudantes e foi uma administradora da herança pinochetista, nunca se integrou no Mercosul e o Chile continuou a pertencer ao Bloco do Pacífico. Não há nada de progressivo, a não ser que fizesse uma mudança revolucionária se viesse a ser novamente presidente.
Na Argentina não se sabe o que pode ocorrer porque a direita está muito activa. No Uruguai, Pepe Mujica e o Frente Amplio administraram sem mudar pouco mais do que um tímido assistencialismo e a direita pode voltar ao poder. Evo Morales está sempre em cheque face à possibilidade de golpes diversos e à própria limitação de um país interior. No Equador a figura nacionalista de Correa não pode sair da dolarização da economia que se baseava na venda de petróleo e nas remessas do exterior que eram a segunda fonte de rendimentos. Em consequência da crise europeia as remessas praticamente desapareceram e o petróleo não é garantia, por isso está procurando desesperadamente investimento mineiro, mas já se deparou com a resistência dos defensores do meio ambiente e os movimentos sociais questionam-no.
Todos estes governos têm problemas no quadro de uma realidade económica em que quase todos os analistas coincidem em considerar que a crise mundial vai durar ainda por muito tempo. Não há para nenhuma economia a garantia de um período de crescimento. Nesse quadro os problemas nacionais vão ser múltiplos. Não podemos analisar estes governos progressistas fora do contexto da realidade mundial e das relações de classe porque se vão deparar com resistências dos de abaixo porque em casos como os de Peru ou do Chile a repartição da riqueza é totalmente desigual. Vão a ser uma sandwich entre a pressão da direita, os mercados e o imperialismo e os sectores populares. Não há nenhuma garantia de que estes governos possam manter-se.
O caso da Venezuela é notável porque tem mantido com uma política de reformas avançadas mas é um país que recebeu 70.000 milhões de dólares pelo petróleo. Também a sua economia depende dos jogos do mercado mundial. Se há uma baixa nos preços isso vai repercutir-se internamente.
O outro facto, que custou praticamente a vida a Chávez, foi ganhar uma eleição, porque a direita tem quase a metade de los votos, ou seja que por essa via da reacção democrática, na medida em que estes governos reformistas não mudam as instituições, podem recapturar democraticamente o poder, tal como o perdeu Daniel Ortega na Nicarágua às mãos de Violeta Chamorro em outra ocasião.
Não há que pormo-nos todos contentes dizendo ¡que lindo que há governos progressistas que fazem frente aos liberais! Há sim que ter em conta que a realidade complexa do mundo indica que vêm aí momentos graves e que há que analisar que futuro têm e se serão ou não capazes satisfazer as reivindicações populares cada vez mais urgentes num mundo capitalista em derrocada.
La Haine
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