terça-feira, 13 de novembro de 2012

Oportunidades e desafios do ingresso da Venezuela no Mercosul




(Publicado em La Pupila insomne, 27.07.2012)
13.Nov.12 :: Outros autores
A integração da Venezuela no Mercosul constituiu um passo político e económico de grande importância, tanto para o processo da Revolução Bolivariana como para a América Latina no seu conjunto. Mas coloca desafios muito complexos para que essa integração contribua para derrotar o desemprego, a pobreza, a desigualdade e a exclusão social, nos termos de um processo sustentado no alcançar da soberania produtiva e da independência económica, e não apenas com base no investimento social da renda petroleira.


A política de substituição de importações foi executada através de uma baixa tarifação à importação de matérias-primas e maquinarias, e alta tarifação da importação de bens de consumo final, com a finalidade de proteger a manufactura local da concorrência estrangeira. Com a imposição das políticas neoliberais foi desmontada a protecção outorgada pelo Estado à produção doméstica, dando inicio a uma acelerada abertura comercial e desregulação dos investimentos estrangeiros e dos fluxos de capitais. No seu formato inicial, o Mercosul propôs-se criar um mercado comum para a livre circulação de bens, serviços e pessoas entre os países membros. Através de uma tarifação externa comum, os países acordaram abrir-se e integrar-se entre si e proteger-se para fora da concorrência de terceiros.
A decisão de ingressar no Mercosul
Um dos princípios orientadores da política externa do Governo Bolivariano tem sido fazer frente à agenda neoliberal do Consenso de Washington e aprofundar a integração latino-americana, como única via para derrotar a estratégia anexionista das grandes corporações transnacionais, interessadas em controlar as fontes de energia e de matérias-primas do continente e, ao mesmo tempo, convertê-lo num mercado cativo para as suas exportações.
Desde o início do seu primeiro governo em 1999, o Presidente Chávez anunciou a decisão de gerir a integração da Venezuela no Mercosul. Em 2002 é assinado em Brasília o acordo CAN-Mercosul e em 2004 Equador, Colômbia e Venezuela ingressam como membros associados segundo os Acordos de Complementação Económica de ALADI. Abortando este processo, Colômbia e Perú decidem assinar primeiro um TLC com os EUA, concedendo à grande potência do norte melhores condições do que aos seus parceiros da CAN. Esta decisão unilateral provocou a retirada da Venezuela do acordo andino e obrigou o Governo Bolivariano a concentrar a sua atenção no ingresso no Mercosul. Na Cimeira Presidencial celebrada em Montevideo em 2005, é aprovado o Acordo Quadro com o qual é dado início à integração formal da Venezuela no Mercosul. É criado um Grupo Ad Hoc para negociar o Protocolo de Adesão e acordar os cronogramas para a implementação da normativa vigente. Em 2006 o referido protocolo foi assinado em Caracas, protocolo que entraria em vigor logo que os parlamentos dos países membros o tivessem aprovado. Mas o objetivo declarado do Governo venezuelano de dar prioridade à luta contra o desemprego, a pobreza e a exclusão social – a acrescentar à inércia neoliberal interessada em assinar os TLC-, desencadeou férreas resistências à incorporação da Venezuela no Mercosul. O Senado do Paraguai dedicou-se a partir de então a impedir este processo.
“Os governos vão de cimeira em cimeira enquanto os povos vão de abismo em abismo”
Em cada cimeira presidencial a Venezuela reclamou tempo para abordar os problemas que realmente afectam a vida dos povos, tais como o desemprego, a pobreza e a exclusão social. “Os governos vão de cimeira em cimeira enquanto os povos vão de abismo em abismo”, costumava Chávez denunciar. Esta prioridade ao social está em aberta contradição com o objetivo das transnacionais de explorar, sem quaisquer controlos, as vantagens comparativas associadas à força de trabalho barata e à abundancia de recursos naturais e energéticos dos países latino-americanos. É a ideia neoliberal da integração dos mercados que se choca frontalmente com a proposta da integração dos povos. Foi essa e não outra a verdadeira razão para impedir a incorporação da Venezuela. Após a suspensão do Paraguai devido à manobra orquestrada para derrubar o Presidente Lugo, foi possível remover o único obstáculo que impedia o ingresso de Venezuela como membro de pleno direito do Mercosul.
As oportunidades no Mercosul
Ainda que os encontros bilaterais com os países do Mercosul tenham revelado o potencial de um intercâmbio comercial inexplorado e desconhecido, a Venezuela não pode apresentar-se no Mercosul somente como um mercado aberto, disposto a comprar todo o que lhe seja oferecido.
A Venezuela é um país rico em recursos petrolíferos, gasíferos e minerais, mas pobre em capacidades tecnológicas para os transformar em produtos de maior valor acrescentado. O mais importante é saber aproveitar a oportunidade que se apresenta para complementar capacidades e recursos em função do desenvolvimento de um novo tipo de integração económica baseado na transferência de tecnologia, na qualificação do talento humano nacional, na assistência técnica à economia social e à incorporação de um crescente valor acrescentado nacional nos projectos de investimento. Apenas assim a integração da Venezuela no Mercosul contribuirá para transformar uma economia rentista e importadora num novo modelo produtivo que permita gerar trabalho digno e bem remunerado, substituir eficientemente importações e diversificar exportações para os mercados que o Mercosul oferece.
O Governo do Presidente Chávez tem-se sempre oposto a qualquer acordo comercial que ponha em perigo o débil aparelho produtivo local e os empregos que ali são gerados. Com acordos unicamente comerciais, que mantêm as causas estruturais da exploração do ser humano e a depredação da natureza, não será possível avançar no sentido de uma autêntica integração que se traduza em melhoria da qualidade de vida e no bem-estar das pessoas. Não se trata apenas de uma integração dos mercados. A integração mais importante tem que ser protagonizada pelos povos. Apenas assim poderá ser reduzida a distancia entre os cidadãos e os seus governos, e fazer da integração latino-americana um processo irreversível, independente dos interesses económicos que as corporações transnacionais pretendem impor.
Os desafios do ingresso no Mercosul
O ingresso da Venezuela no Mercosul coloca importantes desafios que é necessário tomar em consideração para que seja alcançada uma integração positiva, que potencie as capacidades e recursos que o país possui a partir de uma relação “ganhar-ganhar” com os demais integrantes do acordo. Entre os desafios más importantes destacam-se:
• A instabilidade financeira e monetária que resulta da crise capitalista global mundial, a qual se repercute inevitavelmente nos processos de complementação económica devido às manipulações dos tipos de câmbio e dos diferenciais de taxas de lucro entre os países.
• As diferentes e até contraditórias condições e posições que podem protelar ou anular iniciativas e esforços integradores, limitando-os a declarações de boas intenções mas sem resultados concretos.
• A existência de grandes assimetrias e disparidades devido às diferenças de dimensão territorial dos países do Mercosul, desequilíbrio entre os seus níveis de desenvolvimento económico, desigual dotação em recursos naturais, humanos, tecnológicos e infraestrutura, um conjunto de circunstâncias que não pode ser superado através da simples liberalização comercial.
• Grandes mudanças geopolíticas à escala internacional capazes de alterar radicalmente as relações internacionais e regionais, desafio que impõe a necessidade de construir posições comuns em outros foros internacionais que repercutem sobre os processos de integração latino-americana, tais como a OMC, o G20, etc.
Esta complexa problemática não será resolvida pela dinâmica do mercado, requer a vontade política dos governantes chamados a impulsionar iniciativas solidarias que contribuam para reduzir tais desequilíbrios estruturais. Alcançar com eles uma unidade de critérios que assegure coerência na acção é chave para que a integração da Venezuela no Mercosul contribua para derrotar o desemprego, a pobreza, a desigualdade e a exclusão social, a partir de um processo sustentado no alcançar da soberania produtiva e da independência económica, e não apenas com base no investimento social da renda petroleira. Apenas desse modo poderá conseguir-se o carácter irreversível da Revolução Bolivariana, ao torná-la cada vez menos vulnerável face ao comportamento errático do rendimento petroleiro.
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