sábado, 24 de novembro de 2012

O efeito bumerangue nos Balcãs

O efeito bumerangue nos Balcãs

23.11.2012, 18:02, hora de Moscou
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Antiga Iugoslávia Croácia Tribunal Internacional de Haia Sérvia Discriminação racismo
© www.icty.org

Em 16 de novembro, o Tribunal Internacional Penal para a antiga Iugoslávia (ICTY, sigla inglesa) decidiu-se pela absolvição de dois generais croatas que comandaram a operação militar Tempestade, levada a acabo na República Sérvia de Krajina em 1995. A operação militar resultou na morte de milhares de sérvios, enquanto que 250 000 mil se viram forçados a abandonar os seus lares.

A República Sérvia de Krajina foi proclamada em 1991 como uma resposta à intensificação das tendências separatistas dos poderes croatas. Após a Tempestade, a maior parte da república passou a fazer parte do território da Croácia.
Quando o presidente do Tribunal Internacional, Theodor Meron, declarou que os generais croatas Ante Gotovina e Mladen Markac tinham sido absolvidos e seriam postos em liberdade, na Croácia tiveram lugar ações de regozijo. Na maior praça de Zagreb - Josipa Jelacica - estiveram reunidos milhares de manifestantes, que entoarem o nome do general Ante Gotovina. Na Sérvia, a iniciativa foi encarada com maus olhos, tendo sido qualificada como uma ofensa dirigida tanto ao país, como às vítimas e aos refugiados.
Cumpre acentuar que desde que foi instituído, o Tribunal condenou 60 sérvios, 12 croatas, 5 bósnios e 2 albaneses. As penas totais impostas aos sérvios ascendem a 1112 anos, aos croatas, apenas a 166. Quanto aos bósnios e aos albaneses, as penas de prisão sumárias constituem 41,5 e 19 anos, respectivamente. Quatro sérvios foram condenados à pena de prisão perpétua. Importa frisar que tal sentença não foi lavrada a nenhum croata, bósnio ou albanês. Outro pormenor interessante: o Tribunal deliberou pôr em liberdade 2 sérvios, 7 croatas, 3 bósnios e 2 albaneses. Antes de lhes ser aplicada a sentença, morreram na penitenciária 13 sérvios, 2 croatas e 1 bosníaco.
A antiga procuradora-geral do Tribunal, Carla del Ponte, a qual dificilmente pode ser chamada de amiga dos sérvios, comentando a libertação de Gotovina e de Markac, disse em entrevista ao periódico sérvio Blic:
"É incrível acreditar nisso depois de o Tribunal ter condenado Gotovina à pena de prisão de 24 anos. Não posso concordar com a decisão do juiz. Estou solidária com o povo da Sérvia e as vítimas da operação militar. O Tribunal tinha à sua disposição todas as provas convincentes da culpa dos croatas, mas acabou por tomar uma deliberação dúbia".
O autor destas linhas trabalhou nos Balcãs naquela altura e, como membro da equipa de repórteres da TV russa, pôde ver as consequências nefastas da operação militar croata: casas destruídas, queimadas e abandonadas, animais domésticos assustados e enlouquecidos. No ar dominava o cheiro da morte. Tais cenas hediondas e trágicas não se esquecem.
Em Knin, onde os vencedores semi-bêbedos celebravam a vitória, conseguimos entrar no guartel militar. A nossa visita causou grande surpresa aos oficiais croatas. Foi ali que conheci o general Ante Gotovina que comandava na altura o Corpo Militar de Knin. Claro que nos recusou a entrevista e ordenou que nos levassem, como testemunhas inconvenientes, para fora da cidade o mais depressa possível. Mais tarde, o chefe do serviço de reconhecimento militar obrigou o operador a eliminar uma parte da fita gravada no vídeo. Os militares não queriam que os espectadores russos vissem as cenas horrorosas que filmámos.
Ao cabo de uma semana, fomos recebidos pelo presidente croata, Franjo Tudman. Falou-nos da operação Tempestade e se gabou de seu triunfo. Pareceu feliz e entusiasmado com a independência da Croácia. Também se referiu aos heróicos generais e soldados, sem confessar o facto de a operação ter sido orquestrada pelos serviços secretos dos EUA e pelo embaixador norte-americano em Zagreb, Peter Galbraith. Soube disso mais tarde em uma conversa com colegas jornalistas.
Há dias, Ante Gotovina acabou por reconhecer o fato. Em 17 de novembro, entrevistado pelo jornal Kurir, editado em Belgrado, disse convidar "todos os refugiados a regressarem para suas casas abandonadas em 1995". "A minha pátria é vossa", salientou. Todavia, esquivou-se a comentar em que estado se encontram as casas de mais de 200 mil deslocados de guerra, sem precisar quem é que vai arcar com as despesas pela viagem de regresso e indenizar os danos materiais e morais.
Hoje em Haia prepara-se um novo choque para Belgrado. Não se exclui que o juiz Meron pronuncie a sentença de absolvição em relação ao albanês Ramush Haradinaj, do Kosovo. O Kosovo já se prepara também para receber com a pompa o seu herói nacional, que poderá seguir a carreira política.
Os antigos comandantes responsáveis por operações de "limpeza", semelhantes à Tempestade em 1995, têm a reputação de "heróis nacionais". Entretanto, os juízes do Tribunal de Haia devem entender que os habitantes dos Balcãs têm uma longa memória histórica. O bumerangue lançado em novembro, poderá atingir aqueles que não querem ou não podem revelar a verdade sobre os acontecimentos dramáticos, ocorridos na antiga Iugoslávia na década de 90 do século passado.
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