1936:ENTREVISTA DE STÁLIN A ROY HOWARD
Esta entrevista se encontra completa no vol. XIV,
pág. 133-147 das Obras Completas de Stálin, em inglês. No Brasil as obras de
Stálin foram lançadas apenas até o volume VI.
No dia 1º de março de 1936, o Camarada Stálin deu
uma entrevista a Roy Howard, presidente da Scripps-Howard
Newspapers.
[...]
Howard: Que situação ou condição, na sua opinião,
fornece a principal ameaça de guerra hoje?
Stálin:
O capitalismo.
Howard: Qual aspecto específico do
capitalismo?
Stálin:
Seu aspecto imperialista, usurpatório. Lembre-se de como a Primeira Guerra
começou. Ela surgiu do desejo de redividir o mundo. Hoje nós temos o mesmo
cenário. Há estados capitalistas que consideram que foram trapaceados na última
redistribuição de esferas de influência, territórios, fontes de matérias-primas,
mercados, etc, e que gostariam de uma outra redivisão que lhes favorecesse. O
capitalismo, na sua fase imperialista, é um sistema que considera a guerra um
instrumento legítimo para decidir controvérsias internacionais, um método legal
de fato, se não uma lei.
Howard: Não poderia haver um elemento de perigo no
medo existente por parte dos países que você chama de capitalistas em relação a
uma tentativa da União Soviética de forçar suas teorias políticas sobre outras
nações?
Stálin:
Não há justificação alguma para tais receios. Se você pensa que o povo soviético
quer mudar os estados vizinhos, e ainda mais por meio da força, você está
completamente enganado. Claro, o povo soviético gostaria de ver os estados
vizinhos transformados, mas isso é uma questão dos estados vizinhos. Eu não
consigo ver que perigo esses estados podem perceber nas idéias do povo soviético
se eles estão realmente andando na linha.
Howard: Isso significa, então, que a URSS abandonou
seus planos de uma revolução mundial?
Stálin:
Nós nunca tivemos tais planos.
Howard: Mas você sabe, Sr. Stálin, que grande parte
do mundo tem uma impressão diferente sobre isso.
Stálin:
Isso é consequência de uma má interpretação.
Howard: Uma trágica má
interpretação?
Stálin:
Não, uma cômica má interpretação. Uma tragicômica, talvez.
Veja que nós, marxistas, acreditamos que a
revolução acontecerá em outros países. Mas ela só acontecerá quando os
revolucionários destes países acharem que isso é possível, ou necessário.
Exportar a revolução não faz sentido. Cada país fará sua própria revolução se
quiser, e se não quiser, não fará revolução nenhuma. Nosso país, por exemplo,
quis fazer uma revolução e a fez, e agora estamos contruindo uma nova sociedade,
sem classes. Mas afirmar que nós queremos fazer uma revolução em outros países,
interferir em suas vidas, é dizer uma inverdade, é afirmar o que nunca
defendemos.
[...]
Howard: Reconhecidamente o comunismo ainda não foi
alcançado na Rússia. Um socialismo de estado é o que foi construído. Mas não
afirmam o fascismo na Itália e o Nacional-Socialismo na Alemanha terem obtido
resultados semelhantes? Não chegaram a isso às custas da liberdade individual
sacrificada pelo bem do estado?
Stálin:
O termo "socialismo de estado" é inexato. Muitas pessoas tomam este termo como
significando o sistema sob o qual uma certa parte da riqueza, algumas vezes uma
parte considerável dela, passa para as mãos do estado, ou fica sob o seu
controle, enquanto que na maioria absoluta dos casos a maquinaria, as fábricas e
as terras permanecem como propriedade privada das pessoas. Isso é o que algumas
pessoas entendem por "socialismo de estado". Algumas vezes este termo significa
um sistema sob o qual o estado capitalista, visando preparar ou financiar uma
guerra, administra um certo número de empreendimentos privados às suas próprias
custas. A sociedade que nós construímos não pode de forma alguma ser chamada de
"socialismo de estado". Nossa sociedade soviética é uma sociedade socialista,
pois a propriedade privada das fábricas, da maquinaria, da terra, dos bancos e
do sistema de transporte foi abolida e a propriedade pública foi colocada em seu
lugar. A organização social que nós criamos pode ser chamada uma organização
socialista soviética, não totalmente completa, mas fundamentalmente, uma
organização socialista da sociedade. O fundamento dessa sociedade é a
propriedade pública: estatal, isso é, nacional, e também propriedade rural
cooperativa, coletiva. Nem o fascismo italiano nem o Nacional-"Socialismo"
alemão tem alguma coisa em comum com tal sociedade. Principalmente porque a
propriedade privada das fábricas e da maquinaria, da terra, dos bancos, do
transporte, etc permaneceu intacto e, portanto, o capitalismo permanece com
força total na Alemanha e na Itália.
Sim, você está certo, nós ainda não construímos uma
sociedade comunista. Não é fácil construir tal sociedade. Você provavelmente
está ciente da diferença entre uma sociedade socialista e uma comunista. Numa
sociedade socialista algumas desigualdades na propriedade ainda existem. Mas
numa sociedade socialista não há mais desemprego, não há mais exploração, nem
opressão das nacionalidades. Numa sociedade socialista todos são obrigados a
trabalhar, apesar de não receber, como pagamento por seu trabalho, de acordo com
as suas necessidades, mas sim de acordo com a quantidade e a qualidade do seu
trabalho. Isso é a razão de os salários e, além disso, os salários desiguais,
ainda existirem. Apenas quando conseguirmos criar um sistema sob o qual, em
retorno por seu trabalho, as pessoas receberem da sociedade não de acordo com a
quantidade e a qualidade do seu trabalho, mas de acordo com as suas
necessidades, será possível dizer que construímos uma sociedade
comunista.
Você diz que para construir nossa sociedade
socialista nós sacrificamos a liberdade individual e passamos por privações. A
sua pergunta sugere que a sociedade socialista nega a liberdade individual. Isso
não é verdade. Claro, para construir algo novo uma pessoa precisa economizar,
acumular recursos, reduzir o consumo por algum tempo e pegar emprestado de
outras pessoas. Se uma pessoa quer construir uma casa ela economiza dinheiro,
corta algumas despesas por um tempo, pois de outra forma a casa nunca seria
construída. E quanto mais isso não se aplica quando se trata de construir uma
nova sociedade humana? Nós tivemos que reduzir as despesas por um tempo, coletar
os recursos necessários e empregar um grande esforço. Isso é exatamente o que
nós fizemos e assim construímos uma sociedade socialista.
Mas nós não construímos essa sociedade para
restringir a liberdade pessoal mas sim para que o indivíduo possa se sentir
realmente livre. Nós o construímos por causa da verdadeira liberdade individual,
liberdade sem aspas. É difícil pra mim imaginar que "liberdade pessoal" é
desfrutada por uma pessoa desempregada, que quase passa fome e não pode
encontrar emprego. A verdadeira liberdade só pode existir onde a exploração foi
realmente abolida, onde não há opressão de uns pelos outros, onde um homem não é
assombrado pelo medo de amanhã estar sem trabalho, sem casa e sem pão. Apenas em
tal sociedade a liberdade pessoal e qualquer outro tipo de liberdade possível
são reais, não apenas de papel.
[...]
Howard: Uma nova constituição está sendo elaborada
na URSS, estabelecendo um novo sistema eleitoral. Como poderia este novo sistema
alterar a atual situação na URSS na qual apenas um partido participa das
eleições?
Stálin:
Nós devemos provavelmente adotar nossa nova constituição no final deste ano. A
comissão responsável por elaborar a constituição está trabalhando e deve
terminar seu trabalho em breve. Como já foi anunciado, de acordo com a nova
constituição, o sufrágio será universal, igual, direto e secreto. Você deve
estar confuso pelo fato de apenas um partido participar das eleições. Você não
pode ver como as disputas eleitorais podem ocorrer nessas condições.
Evidentemente os candidatos serão lançados não apenas pelo Partido Comunista,
mas por toda sorte de organizações públicas, não partidárias. E nós temos
centenas delas. Nós não temos mais partidos de oposição da mesma forma que não
temos mais uma classe capitalista se opondo à classe trabalhadora, a qual é
explorada pelos capitalistas. Nossa sociedade consiste exclusivamente de
trabalhadores livres da cidade e do campo - operários, camponeses, intelectuais.
Cada um destes grupos pode ter interesses especiais e expressá-los por meio de
numerosas organizações públicas que existem. Mas como não há classes, como as
linhas divisórias entre as classes foram eliminadas, desde que apenas um
pequena, mas não fundamental, diferença entre os vários estratos numa sociedade
socialista permaneceram, não há espaço para a criação de partidos de oposição.
Onde não há várias classes não pode haver vários partidos, pois um partido é
parte de uma classe.
Sob o Nacional-"Socialismo" há também apenas um
partido. Mas de nada adianta este sistema unipartidário fascista. A questão é
que na Alemanha, o capitalismo e as classes ainda existem e irão emergir para a
superfície a despeito de qualquer coisa, mesmo na luta entre os partidos os
quais representam as classes antagônicas, como aconteceu na Espanha, por
exemplo. Na Itália há também apenas um partido, o Partido Fascista. Mas de nada
vai adiantar pelas mesmas razões.
Por que será o nosso sufrágio universal? Porque
todos os cidadãos, exceto aquelas privados de direitos políticos pelos
tribunais, terão o direito de eleger e serem eleitos.
Por que será o nosso sufrágio igual? Porque nem as
diferenças de propriedade (que ainda existem em certa medida), nem raciais ou
afiliações nacionais acarretará algum privilégio ou inaptidão. As mulheres terão
os mesmos direitos de eleger e serem eleitas que os homens. Nosso sufrágio será
realmente igual.
Por que secreto? Porque nós queremos dar liberdade
completa ao povo soviético para votar em quem eles querem eleger, em quem eles
acreditam que defenderão os seus interesses.
Por que direto? Porque eleições diretas para todas
as instituições representativas, inclusive para os órgãos supremos, irão
defender melhor os interesses dos trabalhadores de nosso país sem
fronteiras.
Você pensa que não haverá disputas eleitoras. Mas
haverá, e eu estou prevevendo campanhas eleitorais muito animadas. Há
instituições em nosso país, e não poucas, que trabalham muito mal. Ocorrem casos
em que este ou aquele órgão do governo local não consegue satisfazer as
multivariadas e crescentes exigências dos trabalhadores da cidade e do campo.
Você construiu uma boa escola ou não? Você melhorou as condições de moradia?
Você é um burocrata? Você ajudou a fazer o nosso trabalho mais efetivo e nossas
vidas mais civilizadas? Tais serão os critérios pelos quais milhões de eleitores
medirão a aptidão dos candidatos, rejeitandos os inapropriados, riscando seus
nomes das listas de candidatos, e promovendo e indicando os melhores. Sim, as
campanhas eleitorais serão animadas, serão conduzidas em torno de numerosos e
críticos problemas, principalmente de natureza prática, de primeira classe para
o povo. Nosso novo sistema eleitoral irá enxugar todas as instituições e
organizações e obrigá-las a melhorar seu trabalho. O sufrágio secreto, universal
e direto na URSS será um chicote nas mãos da população contra os órgãos do
governo que trabalham mal. Em minha opinião nossa nova constituição soviética
será a mais democrática constituição do mundo.
Pravda
5 de março de 1936
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