domingo, 23 de setembro de 2012

Atílio Boron critica um Forum de São Paulo omisso e com razão.

O Fórum de São Paulo e os seus desafios: resposta a Valter Pomar


Atilio A. Boron

23.Set.12 :: Outros autores

Atilio A. BoronEnfrentamos a pior crise do capitalismo em toda a sua história, uma crise cuja resolução é impossível dentro do capitalismo. Vivemos numa época em que as contradições desse modo de produção se potenciaram exponencialmente, criando as condições objectivas para um salto revolucionário. Perante esta situação não podemos continuar a pensar ou a fazer o mesmo que antes. Se o Fórum de São Paulo não for capaz de, na próxima edição, encarar e discutir estes temas com a profundidade que merecem, o risco que se corre é que o destino deste espaço latino-americano seja o mesmo de tantas outras bem-intencionadas instituições internacionais: primeiro o rigor mortis da sua burocratização e finalmente o seu desaparecimento, em consequência da incapacidade para responder aos desafios da época.


O Secretario Executivo do Fórum de São Paulo, Valter Pomar, escreveu uma vitriólica resposta ao meu artigo “Fórum de São Paulo: balanço a partir de Caracas”. Uma leitura cuidadosa do texto não faz mais do que confirmar o acerto das teses centrais do meu artigo, como tratarei de fundamentar seguidamente. Chama a atenção que enquanto no meu escrito eu falo de política no seu Pomar fala de psicologia. Em lugar de discutir os argumentos acerca do “ecleticismo ideológico” do fórum ou das debilidades da Declaração final (onde ao longo de oito páginas não é dita nem uma palavra sobre os massivos protestos estudantis contra a privatização da universidade que estão a abalar a política de Chile, Colômbia, México, República Dominicana e inclusive Québec, ou em apenas se mencionam vagamente as bases militares dos Estados Unidos na região, sendo que Pomar é militante de um partido cujo país é aquele que se encontra mais completamente cercado por esse tipo de mortíferas instalações) o que sobressai na sua pretensa réplica são supostas caracterizações da minha pessoa e do meu comportamento. Assim, diz que é “aterrador” escrever o que escrevi; qualifica-me como suposto “mensageiro” de Chávez; ou de “pontificar” em vez de investigar; “meio descontente” e, mais adiante, “mal-humorado” com o êxito do foro; de dizer “tolices” ao fazer uma crítica teórica da Declaração do FSP; de elaborar “caricaturas ridículas”; de pecar por falta de “tolerância”; de “simplificar” a situação ao comparar ao FSP com o Fórum Social Mundial (FSM); de actuar com “má-fé” ao insinuar uma possível relação entre o esquecimento do golpe contra Aristide com a presença da MINUSTAH em Haiti; e de “não saber” que as declarações finais do FSP “são consensualizadas” nas reuniões de Grupo de Trabalho. Brilham pela ausência as categorias de análise política ou económica enquanto sobram as de tipo psicológico. Por alguma razão será.
A verdade é que a sua atitude não faz mais do que confirmar a escassa vontade do Secretário Executivo do FSP em aceitar dissidências e facultar a discussão sobre temas candentes. Tudo, absolutamente tudo, deveria estar aberto à discussão e à reconsideração, máxime numa organização que pretende representar a esquerda na América Latina e que supostamente não admite a infalibilidade dos dirigentes como princípio organizativo. Atitude intolerante que se reflecte no facto de que pelo menos até ao dia 14 de Julho no sitio web do FSP apenas aparecia a nota crítica que Pomar dedicou ao meu artigo – em castelhano e também numa tradução em inglês- sem que os visitantes do sitio pudessem ler o meu texto. [1] No meu blogue, em contrapartida, desde el primeiro momento incluí junto ao meu próprio texto a Declaração final do FSP e a nota de Pomar. [2] Censurar ou ocultar opiniões contrárias é sempre má prática, e em organizações de esquerda as suas consequências são nefastas. É tempo de que alguém dê indicação ao Secretario do FSP para que acabe com essa prática, para bem do próprio fórum. Em breve poderemos verificar a sorte que estará destinada a estas linhas.
Pomar diz que há “equívocos de facto” na minha nota. Em primeiro lugar questiona a minha afirmação em relação à forma insolidária e até irrespeitosa como que foi tratada nas sessões do FSP Piedad Córdoba, representante da Marcha Patriótica de Colômbia. Lamentavelmente para ele, uma Carta Aberta que me foi dirigida pela ex Senadora Piedad Córdoba e por Carlos Lozano Guillén, porta-voz da Marcha Patriótica, ratificam o que eu disse e refutam as explicações de Pomar. [3] O mesmo se aplica em relação à atitude, igualmente preconceituosa e indiferente, para com os companheiros hondurenhos de LIBRE, cuja heroica resistência nas ruas durante seis meses contra o golpe não foi suficiente para que lhes fosse permitido explicar aos assistentes ao XVIII Encontro quais eram os desafios que enfrentava esse partido perante as eleições do próximo ano. Uma carta que me foi enviada no dia 13 de Julho, Gilberto Ríos Munguía, Coordenador de la Comissão Internacional do partido Libertad y Refundación (LIBRE) põe fim a qualquer especulação. Nela é dito textualmente que o “Advogado Enrique Flores Lanza solicitou o uso da palavra para se dirigir aos assistentes do Fórum e ela foi-lhe negada. Não entendemos porque não nos foi permitido falar perante o plenário, e de igual modo agradecemos o teu artigo que faz referencia ao que aparentemente constituiu uma arbitrariedade por parte do companheiro Valter, embora não estejamos certos de que tal não tenha tido alguma coisa a ver com a agenda e os regulamentos; o que é certo é que um minuto para uma saudação não deveria ter sido negado.” Em conclusão, o que Pomar caracteriza como “equívocos de facto” são factos irrefutáveis, corroborados pelos actores directamente envolvidos ou por testemunhos qualificados. [4] Quem está errado é Pomar. Assunto concluído.
O Secretario do FSP censura-me por ter escrito que “ Chávez colocou uma nova agenda”. Recomendo-lhe que veja el vídeo e tome nota de las palavras do Comandante, de uma claridade meridiana e que en síntese dizem o seguinte: “Quando nos despedirmos hoje , e amanhã regressemos aqui e ali, aos nossos países: ¿onde está a organização, o comando, o plano de batalha, plano científico como diria Carlos Marx? … E Lula disse-nos uma vez em Manaus: ‘Chávez, se não vencemos a burocracia é impossível a integração’. A burocracia dos nossos governos é uma cosa terrível.” ¡Verdade que o é !, e se fosse necessária ainda mais uma prova, a forma burocrática como o FSP abordou as questões mencionadas acima acrescentaria um novo testemunho à confirmação dos receios expressos por Lula. [5] Nesse vídeo ver-se-á Chávez preguntando onde está Piedad Córdoba e em seguida a expor uma agenda que não se encontra na Declaração do FSP. Em relação também a este discurso Pomar diz que “concordo com algumas coisas e discordo de outras daquilo que Chávez disse no discurso final”. Dado que ocupa a Secretaria Executiva do FSP não seria má ideia que exprimisse quais são os seus pontos de coincidência e de discrepância com o que foi dito pelo líder da Revolução Bolivariana. Parece-me que não se trata de um assunto menor, dado que Chávez não é um activista mais que passou ocasionalmente pelo el fórum, mas alguém que está investido de uma representatividade e de uma projecção internacional que seria absurdo não ter en conta. E a dar-se o caso de que houvesse discordâncias em relação às suas palavras seria bom que fossem conhecidas e não que fossem mantidas em segredo e, naturalmente, que ambas as posições fossem submetidas a uma discussão aberta e democrática .
Por último a comparação entre o FSP e o FSM não corresponde a nenhuma simplificação uma vez que toma precisamente em conta a ausência comum en ambos os foros de um pensamento estratégico acerca de como avançar no sentido de um horizonte pós-capitalista . ¿É suficiente chegar al governo para construir o socialismo? ¡Claro que não! Os tremendamente difíceis avanços registados na Venezuela, Bolívia e Equador e a demora da entrada em andamento deste projecto no Brasil, Uruguai e El Salvador –três países onde governam partidos ou coligações fundadoras do FSP- são claros sintomas das enormes dificuldades com que tropeça a construção do socialismo na Nossa América, uma área que como recordava o Che constitui a “reserva estratégica do império.” É preciso debater os espinhosos temas da organização do campo popular , a imprescindível articulação internacional das suas lutas e a estratégia e táctica da transição, assuntos sobre os quais não se fala nem no FSM nem no FSP. No primeiro devido a que predominou nele uma absurda atitude de repúdio face à política , aos partidos e a qualquer tentativa de organizar as energias canalizadas no fórum no sentido da conquista do poder , o que acabou por esterilizar e debilitar irreparavelmente uma iniciativa que perdeu a oportunidade de se consolidar como uma força de positiva projecção universal na cena contemporânea . ¿ Podem os povos do mundo lutar sem organização nem articulação internacional nenhuma, confiando apenas na eficácia da resistência instintiva contra a sua exploração, face a uma burguesia imperial que aperfeiçoou ao máximo a sua capacidade organizativa e executiva no plano mundial? As resistências no FSP têm uma origem diferente, uma vez que aí se privilegia de modo exclusivo uma só forma de organização, o partido político, e uma só estratégia derivada dessa forma organizacional: a eleitoral. Entretanto, os grandes avanços democráticos dos últimos tempos foram resultado de poderosas insurreições populares e não do oleado funcionamento do sistema de partidos. Tal foi o caso da criação de uma ordem democrática em Nicarágua e El Salvador, nos anos setenta e oitenta do século passado, e em Equador e Bolívia na primeira década deste século. E, faz apenas um ano, na Tunísia e Egipto. Em ambos os casos a premissa silenciosa que se oculta detrás destas posturas equivocadas é, ou a ingénua crença de que o socialismo sobrevirá como a queda de uma fruta madura, o que a história já desmentiu, ou, pior ainda, a cínica convicção de que o socialismo é um projecto que já fracassou , que se afundou com a União Soviética ou com o metabolismo do capital que impera na China, como diria István Mészáros. O que é certo certo é que não haverá socialismo sem uma revolução anticapitalista. Como recordava uma e cem vezes Lénine, “o capitalismo não cai sozinho; apenas cairá se o fizermos cair”, e para o fazer cair é necessária a presença de um sujeito plural e multifacético mas organizado, consciente e capaz de desenvolver as estratégias e tácticas adequadas para travar a longa batalha pelo socialismo. E se mencionei a advertência de Chávez sobre este tema não foi para me amparar com a sua autoridade (como acusa Pomar) mas para sublinhar com as suas palavras a actualidade da crítica do marxismo clássico – e especialmente de Lénine e Rosa Luxemburg- ao evolucionismo social-democrata de Bernstein e seu inexorável remate: o reformismo burguês .
O FSP desempenhou um papel positivo no decurso das suas mais de duas décadas de existência , mas os tempos mudaram: enfrentamos a pior crise do capitalismo em toda a sua história, uma crise cuja resolução é impossível dentro do capitalismo. Vivemos numa época em que as contradições desse modo de produção: as que contrapõem o capital ao trabalho e à natureza, se potenciaram exponencialmente, criando as condições objectivas para um salto revolucionário. Os multimilionários “resgates” com que beneficiaram os causadores da crise puseram a nu o carácter de classe das democracias capitalistas, cuja legitimidade foi irreparavelmente afectada. E o império, perante a sua lenta mas inexorável decadência, lança-se numa contra-ofensiva brutal para recuperar controlo absoluto da América Latina , procurando em vão fazer retroceder a história até ao período anterior à Revolução Cubana, quando os Estados Unidos prevaleciam sem contrapeso nesta parte do mundo. Perante esta situação não podemos continuar a pensar ou a fazer o mesmo que antes. Tenho a esperança de que na próxima edição do FSP estes temas possam ser encarados e discutidos com a profundidade que merecem. A não ser assim, o risco que se corre é que o destino deste espaço latino-americano seja o mesmo de tantas outras bem-intencionadas instituições internacionais: primeiro o rigor mortis da sua burocratização e finalmente o seu desaparecimento, em consequência da incapacidade para responder aos desafios da época.
[1] Ver ( http://forodesaopaulo.org/?p=1573 )
[2] Ir a http://www.atilioboron.com.ar/2012/07/10.html
[3] Ver “Austeridad, entereza y compromiso”, em Página/12 , quinta-feira 12 de Julho, 2012: http://www.pagina12.com.ar/diario/elmundo/4-198471-2012-07-12.html
[4] Ver as observações coincidentes que sobre o tema faz Narciso Isa Conde:” XVIII Foro de Sao Paulo: examen microscópico”, en http://www.alainet.org/active/56452&lang=es
[5] O discurso de Chávez pode ver-se em http://www.youtube.com/watch?v=_7U0j4MVAxU&feature=relmfu , (ir a la marca 3:27:00)
Rebelión publicou este artigo com autorização do autor mediante uma licença de Creative Commons, respeitando a sua liberdade de o publicar em outras fontes
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