segunda-feira, 12 de março de 2012

1938: A situação dos judeus na URSS

 

10mar
Do livro “URSS, Uma Nova Civilização”, por Sidney e Beatrice Webb. 1º volume, Editorial Calvino Limitada, edição de 1938, pp. 200-208.
A situação dos judeus na URSS
Não podemos deixar de mencionar uma importante minoria, mais racial e religiosa do que nacional, que constitui mais um problema com que se tem defrontado a União Soviética: a dos judeus. Sob o regime czarista, a opressão contra a mesma era severa e permanente (1). “Quando caiu o regime autocrático, o estrépito da queda soou aos ouvidos dos judeus como o bimbalhar dos sinos da liberdade. Com uma penada, o Governo Provisório aboliu a complicada rede legislativa organizada contra os judeus. Subitamente, foram eliminadas as correntes que os prendiam. Desapareceram todas as restrições… Os judeus podiam agora manter a espinha dorsal verticalmente e olhar o futuro sem receio” (2).
Infelizmente haveria ainda três ou quatro anos de guerra civil e de fome, durante os quais, à mercê dos exércitos invasores, a massa das populações judias haveriam de sofrer os maiores excessos. De um modo geral, os Exércitos Brancos eram extremamente brutais, enquanto que o Exército Vermelho fazia o possível para proteger essas pobres vítimas, apesar de- por esta ou por aquela razão, a maioria dos judeus não serem simpáticos, por algum tempo, ao Governo Bolchevista. A condenação do comércio baseado no lucro, que foi classificado como usura, feriu profundamente os judeus da Rússia Branca e da Ucrânia, cujas famílias haviam sido, durante séculos, excluídas da agricultura e de outras profissões, ficando confinadas em certos bairros das cidades. Em 1921, a Nova Política Econômica tornou possível a muitos deles voltar aos seus negócios. Mas, por volta de 1928, a campanha coletivista desencadeada por penalidades em dinheiro e medidas policiais, liquidaram praticamente todos os pequenos empreendimentos financeiros a que se dedicavam as famílias judaicas. Só os artesãos ficaram em condições um pouco melhores e os jovens, por sua vez, podiam pelo menos obeter emprego nas fábricas do governo.
O problema judaico apresentava-se ao Governo Soviético sob dupla modalidade. Tornava-se necessário libertar da miséria e encontrar trabalho para as famílias dos negociantes arruinados e lojistas das pequenas cidades da Rússia Branca e da Ucrânia. Além disso, era evidentemente desejável obter o apoio leal ao regime bolchevista por parte dos três milhões de judeus existentes na URSS. Afim de realizar a reabilitação econômica dos judeus (excetuados aqueles cuja educação e capacidade os tornava capazes de obter nomeações para cargos oficiais ou de exercer profissões liberais) o recurso principal foi o estabelecimento de colônias agrícolas judaicas, primeiramente no sul da Ucrânia e na Crimeia e, posteriormente, num território maior, escolhido para esse propósito, em Biro-Bidjan, no rio Amour, Sibéria oriental. Devido, em grande parte, à ajuda do governo em terras e créditos e à assistência de uma série de associações filantrópicas organizadas pelos judeus dos Estados Unidos, bem como pelos da URSS através da grande Sociedade de Colonização Judaica da URSS (OZEIT), umas quarenta mil famílias judias, compreendendo cento e cinquenta mil pessoas, foram incorporadas, nos últimos quinze anos, à população agrícola da União Soviética (3), sendo que um quarto das mesmas se encontra no Biro-Bidjan, elevado já à categoria de “região autônoma” e que será transformado em “República autônoma judaica” logo que possua a população suficiente (4).
A todos os agrupamentos de judeus, conquanto não reconhecidos como nação, o Governo Soviético concede a mesma espécie de “autonomia cultural” que faz em relação às minorias nacionais propriamente ditas. “Existem Soviets de judeus em toda parte onde se encontra um grupo considerável de elementos dessa raça. Eles tem sido organizados na Crimeia bem como na Rússia Branca. Nesta última, existem dezoito pequenos Soviets, sendo quatro rurais. Na Ucrânia, um mínimo de 1.000 ucranianos ou 500 não-ucranianos podem organizar um Soviet. Pelo menos 25.000 ucranianos ou 10.000 não-ucranianos tem o direito de eleger um Soviet regional. A 13 de abril de 1927 havia 115 Soviets judaicos da categoria mais elementar, tanto rurais quanto semi-urbanos, e um Soviet regional judaico no distrito de Kherson. A sede deste último é na velha colônia de Seidemenukka, hoje denominada Kalinindorf. O mesmo foi convocado pela primeira vez, a 22 de março de 1927 e a sessão realizada nessa ocasião foi muito festiva… A área do rayon (*) é de 57.636 dessiatines (**), 27.000 dos quais são ocupados por colonos judeus; e a sua população de 18.000 habitantes compreende 16.000 judeus, todos agricultores. Os delegados a esse Soviet regional são enviados por sete Soviets rurais, sendo que seis são constituídos por judeus… Há um comissário de polícia judeu, dispondo de uma força de três homens sob o seu comando, além de uma cadeia com duas salas arruinadas… É de esperar que um número maior desses Soviets sejam criados, num futuro próximo, nos distritos de Krivoi-Rog, Zaporoshie, e Mariupol… No Soviet judaico, praticamente, todos os atos oficiais, tanto orais como escritos, são praticados em yiddish (***); é esta a língua usada nas sessões, nos documentos oficiais e na correspondência… Há também certo número de côrtes baixas (36 na Ucrânia e 5 na Rússia Branca) onde as sessões se realizam inteiramente em yiddish… Esta é, naturalmente, a língua em que as crianças judias aprendem suas lições na escola, sendo usada também um certo número de instituições judaicas que se encarregam de cuidas das crianças judias… Pouco mais de 10% da população judaica da Ucrânia elege os seus Soviets” (5).
A política da União Soviética, em relação à sua população judaica, não tem sido universalmente aprovada pelos líderes dessa comunidade existentes através do mundo. A situação de milhares de famílias judaicas na Rússia Branca e na Ucrânia é ainda de pobreza, sendo necessário que seus correligionários as auxiliem financeiramente. Os velhos, principalmente, não podem dedicar-se a novas atividades. Mas a verdade é que essa gente sofre, não por sua qualidade de judeus, mas por serem comerciantes e usurários, atividades consideradas ilegais. Em compensação, no entando, são protegidos contra a violência como nunca o foram dantes. Podem frequentar suas sinagogas e fazer uso de sua língua vernácula. Seus filhos e filhas tem todas as facilidades para educar-se e podem seguir qualquer carreira. Muitos milhares de famílias tem recebido todo o apoio do governo que as conduz e localiza em colônias agrícolas. Onde quer que haja um grupo de família judaicas, é-lhes permitido organizar seu governo local, sendo-lhes concedida a autonomia cultural. Não lhes é proibido conservar seus costumes raciais. Mas tudo isso é ainda pouco em face dos ideais acalentados por muitos judeus, tanto na URSS quanto noutras partes do mundo. “A República Soviética Judaica — disse alguém (6) — imaginada pelos comunistas ortodoxos, difere fundamentalmente da concepção estatal de Herzl em Sion e da ideia de um território pátrio defendida por outros. Não se pretende conceder à raça judaica, através de todo o mundo, os direitos a uma vida política que, por tanto tempo, lhe tem sido negada. Nem a finalidade dessa República é a de tornar-se sede da civilização de uma raça… Presentemente, o Estado concede às massas judaicas a mesma coisa que oferece às outras minorias: instituições governamentais e culturais nas quais é permitido usar a língua nacional. Apesar de tudo quanto se refere à religião ser excluído dos programas escolares, as crianças cntinuam imbuídas do espírito judaico. A experiência racial é transmitida ás mesmas por intermédio dos escritores judeus, cujas obras são por elas estudadas e cuja língua elas usam não só em casa como também na escola”.
Não se pode negar, no entando, que os benefícios decorrentes da segurança contra os pogroms (****) e da liberdade para seguir qualquer profissão, benefícios esses que a URSS concede aos judeus, concorrem para que, na prática, os mesmos aceitem o regime soviético e contribuam, ao mesmo tempo, para a assimilação da raça. Em consequencia disso, a política da União Soviética defronta uma persistente oposição e até mesmo uma campanha difamatória por parte da organização sionista, espalhada por todo o mundo, e para a qual a ideia da criação de uma “pátria nacional” na Palestina não admite substitutivos.
A Solução do Problema
Devido à sincera adoção dessa política, baseada na concessão da autonomia cultural, bem como no fato de permitir que a administração local seja exercida, principalmente, pelos “nativos”, é que, segundo pensamos, a União Soviética, tal como nenhum outro país da Europa oriental, pode proclamar, com muita razão, haver resolvido o difícil problema criado pela existência de minorias nacionais dentro de um Estado fortemente centralizado (7). E essa solução foi encontrada, não como a França o fez, adotando o processo de absorver as minorias nacionais por meio da criação de uma superpoderosa unidade civilizadora através de todo o seu território; nem como tentou fazê-lo a Rússia czarista, procurando suprimir pela força todas as outras nacionalidades, em favor de uma raça dominadora; mas por meio de um processo inteiramente novo: separando as ideia de raça e nacionalidade da ideia de organização estatal. A despeito da predominância númerica da raça russa no conjunto da União Soviética e da sua indubitável preeminência cultural, a ideia de constituirem um Estado russo foi por estes definitivamente abandonada. A própria palavra “Rússia” foi deliberadamente retirada da denominação União Soviética. Todas as partes componentes da comunidade (excetuados os que foram privados da cidadania por motivos que não tem a ver com a raça ou a nacionalidade), gozam, de acordo com a lei, de iguais direitos e deveres, iguais privilégios e iguais oportunidades, através de toda a URSS. Essa igualdade não é apenas formal, isto é, estabelecida pela lei e pela Constituição federal. Em nenhuma parte do mundo existe mais perfeita igualdade em matéria de hábitos, costumes e opinião. Através de toda a área entre o Oceano Ártico, o mar Negro e as montanhas da Ásia Central, compreendendo raças e nacionalidades extremamente diferentes, homens e mulheres, sem que seja levada em conta a sua pele (inclusive até o próprio negro provindo dos Estados Unidos), podem associar-se livremente com quem lhe aprouver; viajar nos mesmos veículos públicos e frequentar os mesmos restaurantes e hotéis; sentar-se lado a lado dos mesmo colégios e locais de diversão; casar-se desde que haja uma inclinação mútua; dedicar-se, nas mesmas condições, a qualquer profissão para a qual possua qualificações; pagar os mesmo impostos e ser eleitos ou nomeados para qualquer cargo sem exceção. Acima de tudo, esses homens e mulheres, cidadãos da URSS, seja qual for a raça ou a nacionalidade a que pertençam, podem participar e, de fato, participam (dizendo-se até que as menores nacionalidades o fazem numa proporção maior que a devida) dos mais altos cargos do governo e da organização destinada à formação de líderes (Partido Comunista). O mesmo se dá em relação ao sovnarkoms (*****) e comitês executivos centrais das várias Repúblicas federadas e nos da URSS; também quanto ao Comitê Central do Partido Comunista (e seu presidium) e até mesmo quanto ao todo poderoso Politbureau. Os bolchevistas tem, pois, certa razão para lançarem o desafio desta pergunta: poder-se-á fazer semelhante afirmação a respeito de outro qualquer Estado em que existam tantas raças e nacionalidades diferentes?
Essa política de autonomia cultural e de auto-governo exercido por nativos é, na verdade, levada muito longe. Não fica adstrita às minorias mais importantes, nem aos grupos de certa magnitude. Em toda a parte onde se encontram um suficiente minimum de pessoas de uma raça ou cultura determinadas, as necessidades das mesmas são providas pela administração local (8). Dificilmente, qualquer das diferentes raças e culturas, nem mesmo os russo que dispõem de tão larga maioria, vivem fora de suas minorias locais. Por outro lado, algumas raças vivem completamente espalhadas, sendo encontradas em toda a parte. Por isso mesmo, a autonomia tem que ser concedida em bases muito amplas de forma a assegurar, mesmo ao menor dos grpos, completa autonomia em relação às escolas primárias e ao funcionalismo local contrariando embora a cultura da minoria dominante.
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