450 Bases e ainda não terminou
Os planos do Pentágono para prisões, drones e operações secretas
Nick Turse*
20.Fev.12 :: Outros autores
Ninguém deverá ficar surpreendido pelo facto de o Exército dos EUA estar simultaneamente a construir e a destruir bases no Afeganistão, e que muita da nova construção tenha lugar em mega-bases, enquanto as pequenas no interior são abandonadas. É exactamente o que se esperaria duma força de ocupação que procura reduzir o seu “rasto” e pôr termo a operações maiores de combate, mantendo ao mesmo tempo uma presença permanente.
No final de Dezembro, o terreno era apenas um grande descampado; contentores de metal vermelho escuro assentes numa extensão de cascalho esbranquiçado, vedada por uma cerca com arame farpado. Os militares norte-americanos no Afeganistão não querem falar nisso, mas, em breve, será uma nova base para a guerra de drones no Grande Médio Oriente [1].
No próximo ano, este descampado será uma base de dois andares em cimento armado para a guerra de drones norte-americana, fortemente iluminada e equipada com potentes computadores, mantidos num confortável ambiente controlado, num país onde a maioria da população não tem acesso a electricidade. Terá quase 7 000 metros quadrados de escritórios, salas para reuniões e conferências e um grande centro de operações de “processamento, exploração e divulgação”; e, claro, vai ser pago com o dinheiro dos impostos norte-americanos.
Não que seja anormal. Apesar de tudo o que se disse sobre reduções e a retirada, houve um impulso de construção no Afeganistão que dura há anos e que mostra poucos sinais de abrandamento. No início de 2010, a Força de Assistência à Segurança Internacional (ISAF), liderada pelos EUA, tinha cerca de 400 bases no Afeganistão. Hoje, afirmou à TomDispatch o Tenente Lauren Rago, das Relações Públicas da ISAF, o número ultrapassa 450.
O centro ultra secreto, tecnologicamente avançado e super seguro na enorme base aérea em Kandahar é apenas um dos muitos projectos de construção que o Exército dos EUA actualmente tem previstos, ou em curso, no Afeganistão. Enquanto algumas bases americanas estão realmente a fechar ou a ser transferidas para o governo afegão e se diz que as operações de combate estão a diminuir ou que devem terminar no próximo ano, enquanto se fala da retirada das forças de combate norte-americanas do Afeganistão em 2014, os militares norte-americanos estão, ainda assim, a preparar-se para ficar mais tempo em mega-bases como Kandahar e Bagram. O mesmo se aplica a alguns campos de menor dimensão, bases de operações avançadas (FOBs) e postos avançados de combate (COPs) espalhados pelo interior do país. “Bagram está a atravessar uma transição significativa que irá durar de um a dois anos” afirmou recentemente o Tenente-coronel Daniel Gerdes, da sede em Bagram do Corpo de Engenharia do Exército dos EUA à Freedom Builder, uma publicação do Corpo de Engenheiros. “Estamos em transição… para uma visão de longo prazo, cinco anos, dez anos, para a base.”
Se os militares dos EUA ficarão no Afeganistão cinco ou dez anos ainda teremos que confirmar, mas estão a ser tomadas medidas para tornar isso possível. Publicações militares dos EUA, planos e esquemas, documentos de contratos e outros dados oficiais examinados pela TomDispatch, constituem um catálogo de centenas de projectos de construção no valor de milhares de milhões de dólares que se prevê que comecem, continuem ou terminem em 2012.
Enquanto muitos desses esforços estão a ser dirigidos para estruturas para as forças afegãs ou para instituições civis, um número considerável envolve instalações norte-americanas, algumas das mais importantes dedicadas às modalidades de combate norte-americanas em ascensão: operações com drones e missões com unidades de elite para operações especiais. Os planos disponíveis para a maior parte destes projectos sugerem longa duração. “As estruturas que estão a ser implementadas são em cimento armado e argamassa, em vez de contraplacado e tela”, afirma Gerdes. Em Dezembro último, o seu gabinete esteve envolvido em 30 projectos de construção afegãos para os EUA ou para os parceiros da coligação internacional no valor de quase 427 milhões de dólares.
A construção da grande base
Recentemente, o New York Times reportou que o Presidente Obama irá provavelmente aprovar um plano que irá transferir a maior parte do esforço norte-americano no Afeganistão para forças de operações especiais. Estas tropas de elite poderiam então levar a cabo missões para matar / capturar, e treinar as tropas locais muito para além de 2014. Os recentes empreendimentos de construção no país sustentam esta hipótese.
Um projecto essencial na Base Aérea de Bagram, por exemplo, envolve a construção de um complexo para forças de operações especiais, uma base clandestina dentro de uma base, que permitirá manter em segredo as tropas que executarão estas operações e uma quase total autonomia em relação a outras forças dos EUA e da Coligação. Iniciado em 2010, este projecto de 29 milhões de dólares deverá estar terminado em Maio deste ano e unir cerca de 90 pontos por todo o país onde foram colocadas tropas do Comando de Operações Especiais Conjuntas para o Afeganistão.
Noutro ponto de Bagram, dezenas de milhões de dólares estão a ser gastos em projectos não tão sensuais, mas não menos essenciais ao esforço de guerra, como a pavimentação de estradas e a melhoria de sistemas de drenagem na mega-base. Em Janeiro, o Exército dos EUA atribuiu um contracto de 7 milhões de dólares a uma empresa turca para construir um centro de 2 200 m2 de comando e controlo. Há também planos em curso para um novo centro de operações para apoio a missões de caças tácticos, um novo posto de combate a incêndios na zona de voo, bem como maior iluminação e outros melhoramentos para apoio à guerra norte-americana nos ares.
No mês passado, o presidente afegão Hamid Karzai ordenou a transferência da prisão dirigida pelos EUA em Bagram para o controlo afegão. Nos finais de Janeiro, os EUA haviam firmado um contracto de 36 milhões de dólares para a construção, no prazo de um ano, de uma nova prisão na base. Embora os pormenores sejam escassos, os planos o centro de detenção apontam para um centro totalmente moderno, de alta segurança, com torres de vigília, sistemas de vigilância avançada, recursos administrativos, e capacidade para receber cerca de 2 000 prisioneiros.
Na base aérea de Kandahar, ao novo centro de informação para a guerra dos drones, juntar-se-á uma estrutura de dimensões semelhantes, dedicada a operações administrativas e tarefas de manutenção associadas a missões aéreas robóticas. Poderá acomodar 180 pessoas em simultâneo. Com um orçamento estimado de cerca de 5 milhões de dólares, ambos os edifícios estarão integralmente ao dispor da Força Aérea e, possivelmente, de operações da CIA que envolvam o drone MQ-1 Predator e o seu descendente mais avançado e mais pesadamente armado, o MQ-9 Reaper.
O Exército guarda as informações relativas a estes centros de drones com grandes precauções. Recusaram responder a perguntas sobre se, por exemplo, a construção destes novos centros para a guerra robótica estão de alguma forma relacionados com a perda da base aérea de Shamsi, no vizinho Paquistão enquanto centro de operações com drones, ou se admitem esforços para aumentar a duração das missões com drones nos próximos anos. O Chefe do Comando Conjunto Internacional para as Operações de Informação, Vigilância e Reconhecimento (ISR), ao corrente de que essas questões seriam colocadas, recuou perante uma entrevista combinada com o site TomDispatch.
“Lamentavelmente, o nosso chefe ISR aqui no Comando Conjunto Internacional não vai poder responder às vossas questões”, explicou, por e-mail, o Tenente Ryan Welsh do Comando Conjunto da ISAF para os Média, a poucos dias da data marcada para a entrevista. Também deixou claro que qualquer pergunta sobre operações com drones no Paquistão estava fora de questão. “As questões que coloca estão fora do âmbito em que operamos, portanto não podemos atender a este pedido de entrevista.”
Quer a construção em Kandahar tenha como objectivo libertar estruturas noutros pontos ao longo da fronteira com o Paquistão para operações da CIA com drones, quer se relacione apenas com missões no Afeganistão, sugere fortemente um aumento das operações não tripuladas. É, contudo, apenas uma parte da construção que continua na base aérea. Este mês, um projecto de 26 milhões de dólares para a construção de 11 novas estruturas para a manutenção de veículos tácticos deverá ser concluído. Com dois grandes edifícios para manutenção e reparação, um apenas para se concertarem pneus, outro para a pintura de veículos, lavagem de veículos de tamanho industrial e centros administrativos e de armazém, o impulso de construção na grande base não mostra sinais de diminuir.
Construção e Reconstrução
Este, ano, na base aérea de Herat, na província do mesmo nome na fronteira com o Turquemenistão e o Irão, os EUA deverão encetar um projecto de muitos milhões de dólares para expandir as operações aéreas das suas forças especiais. Estão a ser desenvolvidos planos para expandir a área de estacionamento (onde os aviões podem ser estacionados, abastecidos, carregados e descarregados) para helicópteros e aviões, bem como para construir novas vias para táxis e abrigo para as aeronaves.
O projecto é apenas um de quase 130, conjuntamente avaliados em cerca de mil milhões e meio de dólares, que deverão ser executados nas províncias de Herat, Helmand e Kandahar durante este ano, de acordo com documentos do Corpo de Engenharia do Exército, que o TomDispatch examinou. Estes também incluem esforços em Camp Tombstone e Camp Dwyer, quer na província de Helmand, quer nas FOBs Hadrien e Wilson. O exército também firmou recentemente um contracto para aumentar a área de estacionamento numa base em Kunduz, uma nova entrada de segurança e novas estradas para a FOB Delaram II, e novos recursos e estradas em FOB Shank, enquanto os Marines construíram recentemente uma capela em Camp Bastion.
Há sete anos, a FOB Sweeney, localizada a 1,6 kms de altitude numa zona de montanha na província de Zabul, era uma base norte-americana bem equipada, ainda que remota. Depois do Exército dos EUA se retirar, a base ficou ao abandono. No mês passado, as tropas norte-americanas regressaram em força e começaram a reconstruir a base, construindo tudo, desde novos alojamentos para as tropas a um novo centro de armazenamento. “Construímos muitos edifícios, montámos muitas tendas, enchemos muitos sacos de areia e aumentámos a protecção das nossas forças significativamente”, disse o Capitão Joe Mickley, comandante dos soldados que estão a instalar-se na base, a um repórter militar.
Desactivar e desmantelar
As barreiras Hesco são, essencialmente, grandes sacos de areia [2]. Têm até cerca de 2m de altura, são feitos de tecido resistente e malha de arame e formam muros de protecção à volta dos postos avançados por todo o Afeganistão. São elas que sustêm o pior das salvas de metralhadoras, granadas de espingarda, até mesmo granadas de morteiro, mas há uma coisa que pode destruí-las por completo: o 9º Batalhão de Engenheira de Apoio dos Marines.
No princípio de Dezembro, o 9º Batalhão estava a construir bases e a encher barreiras Hesco na província de Helmand. No fim do mês, estavam a deitar outras abaixo.
Armados com picaretas, pás, alicates, poderosas serras eléctricas, escavadoras, começaram a “desmilitarizar” as bases, a cortar inúmeras barreiras (que custam 700 dólares, ou mais, cada lote) transformando-as montes de sucata cortada, e a terraplenar bermas, preparando-se para a retirada dos EUA do Afeganistão. Na base Saenz, por exemplo, os Marines apanhavam banhos de fagulhas de solda vermelhas à medida que avançavam pelo metal, deixando os detritos e um país já assombrado pelos fantasmas das bases inglesas e russas com mais uma base estrangeira extinta. Depois de Saenz, prepararam-se para mais uma base marcada para destruição.
Contudo, nem todas as bases avançadas no interior estão a ser destruídas. Algumas estão a ser entregues ao Exército ou à Polícia afegãos. E há um número cada vez maior de novos centros a serem construídos para as forças locais. “Se as projecções actuais permanecerem ajustadas, iremos firmar 18 contratos em Fevereiro”, afirmou Bonnie Perry, que gere os contratos dos Corpos de Engenharia do Exército para o Sul do Afeganistão, à repórter militar Karla Marshall. “No próximo trimestre, estimamos que os valores permaneçam elevados, com o maior número de contractos a ocorrer em Maio”. Um dos projectos em curso é uma grande base perto de Herat, que irá incluir aquartelamentos, refeitórios, escritórios e outros serviços para os Comandos Afegãos.
Como irá isto acabar?
Ninguém deverá ficar surpreendido pelo facto de o Exército dos EUA estar simultaneamente a construir e a destruir bases, e que muita da nova construção tenha lugar em mega-bases, enquanto as pequenas no interior são abandonadas. É exactamente o que se esperaria duma força de ocupação que procura reduzir o seu “rasto” e pôr termo a operações maiores de combate, mantendo ao mesmo tempo uma presença contínua no Afeganistão. Considerando a retirada planeada do Exército dos EUA para as suas bases gigantes e um maior recurso às operações secretas para matar / capturar, bem como missões aéreas não tripuladas, também não surpreende que estes projectos personalizados incluam um novo complexo militar para operações especiais, centros clandestinos de drones, e uma nova prisão militar.
Restam poucas dúvidas de que a Base Aérea de Bagram continuará a existir por mais 5 ou 10 anos. Quem irá ocupá-la é, contudo, menos claro. Afinal, no Iraque, a Administração Obama negociou um qualquer meio de aí implantar uma força militar significativa (10 000 tropas ou mais) para além de um prazo para retirada inequivocamente firmado há anos. Enquanto um número simbólico de tropas e um contingente altamente militarizado do Departamento do Estado aí permanecem, o Governo iraquiano anulou em grande medida os esforços dos EUA; e, neste momento, mesmo a presença do Departamento do Estado está a ser reduzida para metade.
É menos provável que este seja o caso no Afeganistão, mas mantém-se uma possibilidade. Ainda assim, é claro que o Exército está a construir neste país como se uma presença duradoura estivesse garantida. Seja qual for o desfecho, os vestígios do impulso na construção de bases irá permanecer e tornar-se parte do legado norte-americano no Afeganistão.
No terreno de Bagram destaca-se uma estrutura chamada “Ninho do Corvo”. É uma velha torre de controlo construída pelos soviéticos para coordenar as operações militares no Afeganistão. Essa força estrangeira abandonou o país em 1989. A própria União Soviética desapareceu do mapa menos de três anos depois. Mas a torre perdura.
A nova prisão dos EUA em Bagram irá sem dúvida permanecer também. Só não sabemos quem serão os guardas e quem serão os prisioneiros daqui a 5 ou 10 anos. Mas, considerando a história (marcada pela tortura e mortes) do tratamento chocante infligido aos prisioneiros em Bagram e, de um modo geral, da brutalidade face a prisioneiros de todas as partes do conflito ao longo dos anos, em cenário algum o resultado será bonito de ver.
*Nick Torse é editor associado da TomDispatch.com. Jornalista premiado, o seu trabalho figurou no Los Angeles Times, The Nation e, regularmente, na TomDispatch. Este artigo é o sexto na sua nova série sobre as mudanças no imperialismo Norte-Americano, subscrito pela Lannan Foundation. Pode segui-lo no Twitter @NickTurse, no Tumblr, e no Facebook.
Copyright 2012 Nick Turse
Notas da tradução:
[1] O autor recupera uma expressão introduzida por George W. Bush, numa reunião do G8, em 2004, para referir um novo espaço de intervenção norte-americana, que se estenderia de Marrocos até ao Paquistão, na “guerra contra o terrorismo”.
[2] As barreiras Hesco são usadas para o controlo de inundações e para fortificação militar. Trata-se de contentores colapsáveis feitos de malha de arame e tecido resistente, que são enchidos com areia, terra ou gravilha.
Tradução de André Rodrigues P. da Silva
No próximo ano, este descampado será uma base de dois andares em cimento armado para a guerra de drones norte-americana, fortemente iluminada e equipada com potentes computadores, mantidos num confortável ambiente controlado, num país onde a maioria da população não tem acesso a electricidade. Terá quase 7 000 metros quadrados de escritórios, salas para reuniões e conferências e um grande centro de operações de “processamento, exploração e divulgação”; e, claro, vai ser pago com o dinheiro dos impostos norte-americanos.
Não que seja anormal. Apesar de tudo o que se disse sobre reduções e a retirada, houve um impulso de construção no Afeganistão que dura há anos e que mostra poucos sinais de abrandamento. No início de 2010, a Força de Assistência à Segurança Internacional (ISAF), liderada pelos EUA, tinha cerca de 400 bases no Afeganistão. Hoje, afirmou à TomDispatch o Tenente Lauren Rago, das Relações Públicas da ISAF, o número ultrapassa 450.
O centro ultra secreto, tecnologicamente avançado e super seguro na enorme base aérea em Kandahar é apenas um dos muitos projectos de construção que o Exército dos EUA actualmente tem previstos, ou em curso, no Afeganistão. Enquanto algumas bases americanas estão realmente a fechar ou a ser transferidas para o governo afegão e se diz que as operações de combate estão a diminuir ou que devem terminar no próximo ano, enquanto se fala da retirada das forças de combate norte-americanas do Afeganistão em 2014, os militares norte-americanos estão, ainda assim, a preparar-se para ficar mais tempo em mega-bases como Kandahar e Bagram. O mesmo se aplica a alguns campos de menor dimensão, bases de operações avançadas (FOBs) e postos avançados de combate (COPs) espalhados pelo interior do país. “Bagram está a atravessar uma transição significativa que irá durar de um a dois anos” afirmou recentemente o Tenente-coronel Daniel Gerdes, da sede em Bagram do Corpo de Engenharia do Exército dos EUA à Freedom Builder, uma publicação do Corpo de Engenheiros. “Estamos em transição… para uma visão de longo prazo, cinco anos, dez anos, para a base.”
Se os militares dos EUA ficarão no Afeganistão cinco ou dez anos ainda teremos que confirmar, mas estão a ser tomadas medidas para tornar isso possível. Publicações militares dos EUA, planos e esquemas, documentos de contratos e outros dados oficiais examinados pela TomDispatch, constituem um catálogo de centenas de projectos de construção no valor de milhares de milhões de dólares que se prevê que comecem, continuem ou terminem em 2012.
Enquanto muitos desses esforços estão a ser dirigidos para estruturas para as forças afegãs ou para instituições civis, um número considerável envolve instalações norte-americanas, algumas das mais importantes dedicadas às modalidades de combate norte-americanas em ascensão: operações com drones e missões com unidades de elite para operações especiais. Os planos disponíveis para a maior parte destes projectos sugerem longa duração. “As estruturas que estão a ser implementadas são em cimento armado e argamassa, em vez de contraplacado e tela”, afirma Gerdes. Em Dezembro último, o seu gabinete esteve envolvido em 30 projectos de construção afegãos para os EUA ou para os parceiros da coligação internacional no valor de quase 427 milhões de dólares.
A construção da grande base
Recentemente, o New York Times reportou que o Presidente Obama irá provavelmente aprovar um plano que irá transferir a maior parte do esforço norte-americano no Afeganistão para forças de operações especiais. Estas tropas de elite poderiam então levar a cabo missões para matar / capturar, e treinar as tropas locais muito para além de 2014. Os recentes empreendimentos de construção no país sustentam esta hipótese.
Um projecto essencial na Base Aérea de Bagram, por exemplo, envolve a construção de um complexo para forças de operações especiais, uma base clandestina dentro de uma base, que permitirá manter em segredo as tropas que executarão estas operações e uma quase total autonomia em relação a outras forças dos EUA e da Coligação. Iniciado em 2010, este projecto de 29 milhões de dólares deverá estar terminado em Maio deste ano e unir cerca de 90 pontos por todo o país onde foram colocadas tropas do Comando de Operações Especiais Conjuntas para o Afeganistão.
Noutro ponto de Bagram, dezenas de milhões de dólares estão a ser gastos em projectos não tão sensuais, mas não menos essenciais ao esforço de guerra, como a pavimentação de estradas e a melhoria de sistemas de drenagem na mega-base. Em Janeiro, o Exército dos EUA atribuiu um contracto de 7 milhões de dólares a uma empresa turca para construir um centro de 2 200 m2 de comando e controlo. Há também planos em curso para um novo centro de operações para apoio a missões de caças tácticos, um novo posto de combate a incêndios na zona de voo, bem como maior iluminação e outros melhoramentos para apoio à guerra norte-americana nos ares.
No mês passado, o presidente afegão Hamid Karzai ordenou a transferência da prisão dirigida pelos EUA em Bagram para o controlo afegão. Nos finais de Janeiro, os EUA haviam firmado um contracto de 36 milhões de dólares para a construção, no prazo de um ano, de uma nova prisão na base. Embora os pormenores sejam escassos, os planos o centro de detenção apontam para um centro totalmente moderno, de alta segurança, com torres de vigília, sistemas de vigilância avançada, recursos administrativos, e capacidade para receber cerca de 2 000 prisioneiros.
Na base aérea de Kandahar, ao novo centro de informação para a guerra dos drones, juntar-se-á uma estrutura de dimensões semelhantes, dedicada a operações administrativas e tarefas de manutenção associadas a missões aéreas robóticas. Poderá acomodar 180 pessoas em simultâneo. Com um orçamento estimado de cerca de 5 milhões de dólares, ambos os edifícios estarão integralmente ao dispor da Força Aérea e, possivelmente, de operações da CIA que envolvam o drone MQ-1 Predator e o seu descendente mais avançado e mais pesadamente armado, o MQ-9 Reaper.
O Exército guarda as informações relativas a estes centros de drones com grandes precauções. Recusaram responder a perguntas sobre se, por exemplo, a construção destes novos centros para a guerra robótica estão de alguma forma relacionados com a perda da base aérea de Shamsi, no vizinho Paquistão enquanto centro de operações com drones, ou se admitem esforços para aumentar a duração das missões com drones nos próximos anos. O Chefe do Comando Conjunto Internacional para as Operações de Informação, Vigilância e Reconhecimento (ISR), ao corrente de que essas questões seriam colocadas, recuou perante uma entrevista combinada com o site TomDispatch.
“Lamentavelmente, o nosso chefe ISR aqui no Comando Conjunto Internacional não vai poder responder às vossas questões”, explicou, por e-mail, o Tenente Ryan Welsh do Comando Conjunto da ISAF para os Média, a poucos dias da data marcada para a entrevista. Também deixou claro que qualquer pergunta sobre operações com drones no Paquistão estava fora de questão. “As questões que coloca estão fora do âmbito em que operamos, portanto não podemos atender a este pedido de entrevista.”
Quer a construção em Kandahar tenha como objectivo libertar estruturas noutros pontos ao longo da fronteira com o Paquistão para operações da CIA com drones, quer se relacione apenas com missões no Afeganistão, sugere fortemente um aumento das operações não tripuladas. É, contudo, apenas uma parte da construção que continua na base aérea. Este mês, um projecto de 26 milhões de dólares para a construção de 11 novas estruturas para a manutenção de veículos tácticos deverá ser concluído. Com dois grandes edifícios para manutenção e reparação, um apenas para se concertarem pneus, outro para a pintura de veículos, lavagem de veículos de tamanho industrial e centros administrativos e de armazém, o impulso de construção na grande base não mostra sinais de diminuir.
Construção e Reconstrução
Este, ano, na base aérea de Herat, na província do mesmo nome na fronteira com o Turquemenistão e o Irão, os EUA deverão encetar um projecto de muitos milhões de dólares para expandir as operações aéreas das suas forças especiais. Estão a ser desenvolvidos planos para expandir a área de estacionamento (onde os aviões podem ser estacionados, abastecidos, carregados e descarregados) para helicópteros e aviões, bem como para construir novas vias para táxis e abrigo para as aeronaves.
O projecto é apenas um de quase 130, conjuntamente avaliados em cerca de mil milhões e meio de dólares, que deverão ser executados nas províncias de Herat, Helmand e Kandahar durante este ano, de acordo com documentos do Corpo de Engenharia do Exército, que o TomDispatch examinou. Estes também incluem esforços em Camp Tombstone e Camp Dwyer, quer na província de Helmand, quer nas FOBs Hadrien e Wilson. O exército também firmou recentemente um contracto para aumentar a área de estacionamento numa base em Kunduz, uma nova entrada de segurança e novas estradas para a FOB Delaram II, e novos recursos e estradas em FOB Shank, enquanto os Marines construíram recentemente uma capela em Camp Bastion.
Há sete anos, a FOB Sweeney, localizada a 1,6 kms de altitude numa zona de montanha na província de Zabul, era uma base norte-americana bem equipada, ainda que remota. Depois do Exército dos EUA se retirar, a base ficou ao abandono. No mês passado, as tropas norte-americanas regressaram em força e começaram a reconstruir a base, construindo tudo, desde novos alojamentos para as tropas a um novo centro de armazenamento. “Construímos muitos edifícios, montámos muitas tendas, enchemos muitos sacos de areia e aumentámos a protecção das nossas forças significativamente”, disse o Capitão Joe Mickley, comandante dos soldados que estão a instalar-se na base, a um repórter militar.
Desactivar e desmantelar
As barreiras Hesco são, essencialmente, grandes sacos de areia [2]. Têm até cerca de 2m de altura, são feitos de tecido resistente e malha de arame e formam muros de protecção à volta dos postos avançados por todo o Afeganistão. São elas que sustêm o pior das salvas de metralhadoras, granadas de espingarda, até mesmo granadas de morteiro, mas há uma coisa que pode destruí-las por completo: o 9º Batalhão de Engenheira de Apoio dos Marines.
No princípio de Dezembro, o 9º Batalhão estava a construir bases e a encher barreiras Hesco na província de Helmand. No fim do mês, estavam a deitar outras abaixo.
Armados com picaretas, pás, alicates, poderosas serras eléctricas, escavadoras, começaram a “desmilitarizar” as bases, a cortar inúmeras barreiras (que custam 700 dólares, ou mais, cada lote) transformando-as montes de sucata cortada, e a terraplenar bermas, preparando-se para a retirada dos EUA do Afeganistão. Na base Saenz, por exemplo, os Marines apanhavam banhos de fagulhas de solda vermelhas à medida que avançavam pelo metal, deixando os detritos e um país já assombrado pelos fantasmas das bases inglesas e russas com mais uma base estrangeira extinta. Depois de Saenz, prepararam-se para mais uma base marcada para destruição.
Contudo, nem todas as bases avançadas no interior estão a ser destruídas. Algumas estão a ser entregues ao Exército ou à Polícia afegãos. E há um número cada vez maior de novos centros a serem construídos para as forças locais. “Se as projecções actuais permanecerem ajustadas, iremos firmar 18 contratos em Fevereiro”, afirmou Bonnie Perry, que gere os contratos dos Corpos de Engenharia do Exército para o Sul do Afeganistão, à repórter militar Karla Marshall. “No próximo trimestre, estimamos que os valores permaneçam elevados, com o maior número de contractos a ocorrer em Maio”. Um dos projectos em curso é uma grande base perto de Herat, que irá incluir aquartelamentos, refeitórios, escritórios e outros serviços para os Comandos Afegãos.
Como irá isto acabar?
Ninguém deverá ficar surpreendido pelo facto de o Exército dos EUA estar simultaneamente a construir e a destruir bases, e que muita da nova construção tenha lugar em mega-bases, enquanto as pequenas no interior são abandonadas. É exactamente o que se esperaria duma força de ocupação que procura reduzir o seu “rasto” e pôr termo a operações maiores de combate, mantendo ao mesmo tempo uma presença contínua no Afeganistão. Considerando a retirada planeada do Exército dos EUA para as suas bases gigantes e um maior recurso às operações secretas para matar / capturar, bem como missões aéreas não tripuladas, também não surpreende que estes projectos personalizados incluam um novo complexo militar para operações especiais, centros clandestinos de drones, e uma nova prisão militar.
Restam poucas dúvidas de que a Base Aérea de Bagram continuará a existir por mais 5 ou 10 anos. Quem irá ocupá-la é, contudo, menos claro. Afinal, no Iraque, a Administração Obama negociou um qualquer meio de aí implantar uma força militar significativa (10 000 tropas ou mais) para além de um prazo para retirada inequivocamente firmado há anos. Enquanto um número simbólico de tropas e um contingente altamente militarizado do Departamento do Estado aí permanecem, o Governo iraquiano anulou em grande medida os esforços dos EUA; e, neste momento, mesmo a presença do Departamento do Estado está a ser reduzida para metade.
É menos provável que este seja o caso no Afeganistão, mas mantém-se uma possibilidade. Ainda assim, é claro que o Exército está a construir neste país como se uma presença duradoura estivesse garantida. Seja qual for o desfecho, os vestígios do impulso na construção de bases irá permanecer e tornar-se parte do legado norte-americano no Afeganistão.
No terreno de Bagram destaca-se uma estrutura chamada “Ninho do Corvo”. É uma velha torre de controlo construída pelos soviéticos para coordenar as operações militares no Afeganistão. Essa força estrangeira abandonou o país em 1989. A própria União Soviética desapareceu do mapa menos de três anos depois. Mas a torre perdura.
A nova prisão dos EUA em Bagram irá sem dúvida permanecer também. Só não sabemos quem serão os guardas e quem serão os prisioneiros daqui a 5 ou 10 anos. Mas, considerando a história (marcada pela tortura e mortes) do tratamento chocante infligido aos prisioneiros em Bagram e, de um modo geral, da brutalidade face a prisioneiros de todas as partes do conflito ao longo dos anos, em cenário algum o resultado será bonito de ver.
*Nick Torse é editor associado da TomDispatch.com. Jornalista premiado, o seu trabalho figurou no Los Angeles Times, The Nation e, regularmente, na TomDispatch. Este artigo é o sexto na sua nova série sobre as mudanças no imperialismo Norte-Americano, subscrito pela Lannan Foundation. Pode segui-lo no Twitter @NickTurse, no Tumblr, e no Facebook.
Copyright 2012 Nick Turse
Notas da tradução:
[1] O autor recupera uma expressão introduzida por George W. Bush, numa reunião do G8, em 2004, para referir um novo espaço de intervenção norte-americana, que se estenderia de Marrocos até ao Paquistão, na “guerra contra o terrorismo”.
[2] As barreiras Hesco são usadas para o controlo de inundações e para fortificação militar. Trata-se de contentores colapsáveis feitos de malha de arame e tecido resistente, que são enchidos com areia, terra ou gravilha.
Tradução de André Rodrigues P. da Silva
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