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3. O caráter de classe e a luta nas relações internacionais*
Cap. II – SOBRE QUESTÕES INTERNACIONAIS ATUAIS 3. O caráter de classe e a luta nas relações internacionais*
por Elisseos Vagenas Membro do CC do KKE e responsável da sua Secção de Relações Internacionais A descida da bandeira vermelha do Kremlin em Dezembro de 1991 assinalou um dos acontecimentos mais trágicos da história contemporânea, o termo do processo contrarrevolucionário na URSS, o derrube do socialismo e a restauração do capitalismo.
O KKE advertira que este acontecimento privaria os povos de um apoio fundamental na luta pela paz e o progresso social, que era a União Soviética. A vida deu razão aos comunistas e refutou as previsões dos restantes partidos – esquerdistas, socialdemocratas e os“modificados” partidos de excomunistas –, que consideraram a contrarrevolução como um “avanço positivo” e um “caminho de paz e bemestar”.
Hoje, quase vinte anos passados, o Direito Internacional, tal como os povos o conheceram quando a URSS existia, já não existe. Despedaçouse! Por um lado, as organizações internacionais substituíramse aos EUA, à NATO e outras forças imperialistas na promoção dos seus interesses. Por outro lado, tornaramse num campo de conflitos e compromissos provisórios entre os grandes poderes imperialistas.
As despesas militares aumentam constantemente. Segundo dados publicados, em 2008 registouse um novo recorde absoluto em despesas militares, que chegaram aos 1,464 milhão de biliões de dólares a nível mundial, aumentando 4% em relação a 2007. Cabe assinalar que o aumento das despesas militares durante os últimos dez anos foi de 45% enquanto o número de participantes nas chamadas “missões de paz”e “operações de paz”, que são intervenções imperialistas, aumentaram em 11% no prazo de um ano, chegando às 187 585 pessoas1.
Os EUA, a pretexto do “combate ao terrorismo”, levaram a cabo grandes operaçõesinvasões militares e ocuparam países como o Iraque e o Afeganistão, apesar de, segundo cálculos, o seu custo ter chegado aos 903 mil milhões de dólares (só para os EUA).
A NATO, a máquina políticomilitar do imperialismo euroatlântico, expandiuse e adaptouse e já está a ser usada para planos sanguinários à custa da classe operária e das camadas pobres da população, em muitos países de todo o mundo.
A UE, com a sua Política Externa e de Segurança Comum (PESC), está a formar o seu “euroexército” e abre o seu próprio “ciclo” de intervenções militares, frequentemente em cooperação com a NATO.
Com as suas alianças políticomilitares (Organização do Tratado da Segurança Colectiva e Organização para a Cooperação de Shangai), a Rússia, como força imperialista poderosa e emergente, segue a mesma linha, defendendo a qualquer custo os interesses da sua oligarquia, inclusive através de meios militares.
Em todos os países imperialistas, dos maiores aos mais pequenos, existe uma tendência aberta para a transformação das “doutrinas de defesa” em doutrinas militares agressivas. É assim que se desenvolvem as “guerras humanitárias” e as “guerras contra o terrorismo”.
Nestas condições, há cada vez mais “vozes” a clamar pela necessidade da “democratização” das relações internacionais e das organizações internacionais. Segundo estas opiniões, uma nova“arquitectura” poderia impedir os conflitos militares e criar um ambiente de “paz e cooperação”, deixando intactos os fundamentos do sistema capitalista. Uma alteração na correlação de forças na pirâmide imperialista Mas quem coloca esta tema e porquê? À parte as forças políticas que colocam perguntas idênticas, os líderes das forças imperialistas defenderam a necessidade de “maior democratização” das relações internacionais e da sua “nova arquitectura”. Consideram que nas condições actuais a “importância especial” na tomada de decisões a nível global deve “elevarse”à altura da sua força económica, política e militar.
Assim, os círculos dominantes da Rússia, que procuram capitalizar as contradições no seio da UE e da NATO relativamente às grandes contradições energéticas e económicas, pedem constantemente uma “nova arquitectura” na Europa. Segundo esta “nova arquitectura”, a Rússia desempenhará um papel ao lado da OSCE, da NATO e da UE, tal como na Organização do Tratado da Segurança Colectiva (OTSC), composta pela Rússia, Arménia, Kazaquistão, Kirguizistã0, Bielorrússia, Uzbekistão, Tajikistão e outras organizações regionais, como a Comunidade de Estados Independentes (CEI) e a Comunidade Económica Euroasiática (CEEA).
Neste sentido, a Rússia propõe uma “nova Helsínquia”, em que, além dos países da Europa, dos Estados Unidos e do Canadá, que participam na OSCE, as organizações imperialistas como a NATO, a UE, a OTSC, a CEI e a CEEA também participem.
O princípio que move a liderança russa não é o da“segurança comum”, considerando que “o aumento da segurança de um país não deve prejudicar a segurança de outro”. Isto, segundo a Rússia, somente pode ser garantido através de uma reforma das organizações interestatais da Europa.
Na realidade, a geral e camuflada… posição“humanitária” da Rússia tem como objectivo básico obstruir o alargamento da NATO a um espaço que considera como a sua “esfera de influência” (Ucrânia e Geórgia). Alargamento que Moscovo tem caracterizado como uma“ameaça” para a sua segurança. De maneira indirecta, a Rússia está a tratar de impor o seu “veto” à adesão destes países à NATO, sem que ela seja membro desta.
A longo prazo, Moscovo procura fortalecer o seu papel nos assuntos europeus, fortalecendo e aprofundando os laços com a NATO, a UE ou, pelo menos, com algumas das principais forças destas alianças.
Há, contudo, outras forças que fazem “apelos” semelhantes para a reforma das organizações internacionais. Assim, por exemplo, enquanto a crise internacional capitalista se desenvolve, os países “BRIC”(Brasil, Rússia, Índia e China) fizeram um apelo ao G20 para a aceleração da reforma das instituições económicas, num comunicado publicado à margem da cimeira dos ministros de Economia do G20, em Londres2.
Nos últimos anos, reforçase o debate sobre a necessidade de alargar o Conselho de Segurança da ONU a novos membros permanentes – hoje tem 5 membros permanentes com direito a veto (EUA, Rússia, China, Grã Bretanha e França) – e fazemse propostas concretas em relação à integração do Brasil, Índia, Japão e Alemanha, para que “a sua nova composição reflicta o atual equilíbrio de forças global e responda aos desafios do século XXI”3. A proposta é, contudo, que não concedam o direito de veto aos novos países membros, entre os quais havia quem quisesse também a África do Sul. Estas propostas provocam com frequência reacções de outros países (por exemplo, o Paquistão está contra a integração da Índia no Conselho de Segurança e a Itália contra a integração da Alemanha)4. Sobre as palavras de ordem de “democratização”e “nova arquitectura” Todos os principais partidos políticos do nosso país, menos o KKE, participam no esforço de semear falsas ilusões quanto ao mundo capitalista.
Assim, o actual primeiroministro G. Papandreou, como presidente do PASOK e da Internacional Socialista, expressou em todas as oportunidades o seu apoio à“nova arquitectura” e à“democratização” das relações internacionais: “A recente crise económica mundial é o resultado da corrupção e da falta substancial de normas democráticas ou da desvalorização da democracia. Creio que, com a derrocada do sistema financeiro, as instituições democráticas estão atualmente cativas da concentração do poder, da acumulação do capital e do poder político em poucas mãos […] Na minha opinião, o desafio a nível internacional é a democratização do governo mundial”5.
Também ele promove a consigna de “uma revisão radical e democrática do governo do nosso planeta”6 e pede a«democratização do sistema mundial de governo»,aumentando a importância do papel da UE nas relações internacionais, “a reforma das instituições à escala mundial e especialmente o fortalecimento das Nações Unidas”7. Fala de “humanização da globalização”,de “arquitetura mundial”, para “haver um governo democrático mundial” e acrescenta que “historicamente seria uma tragédia se, com as mudanças que se operam hoje nos EUA, a União Europeia não conseguisse desempenhar um papel activo, essencial, no que respeita à formação de um governo mundial neste novo mundo multipolar que está a surgir. […] Fortalecendo a ONU, a UE deve reformar as instituições internacionais para desempenhar, assim, um papel construtivo no desenvolvimento de relações de igualdade, cooperação entre todos os países e, sobretudo, entre os EUA, Rússia, China, Índia, Brasil, bem como África e, especialmente, África do Sul”8.
Por outro lado, quadros do governo anterior do partido da Nova Democracia proclamavam que “trabalhamos com todas as nossas forças, cooperamos e tomamos iniciativas para que a ONU seja mais democrática e mais eficaz no mundo contemporâneo”9.
O anterior governo da ND recebeu o encontro de ministros dos Negócios Estrangeiros da OSCE em Corfú em finais de Junho de 2009 e manteve uma atitude positiva para com alterações relevantes, que foram descritas como “Processo de Corfú”,com o objectivo de “iniciar um diálogo estruturado sobre a arquitectura europeia de segurança”10. De facto, o governo da ND elaborou um texto de reflexão que apresentou aos restantes estados membros da OSCE. “Este texto confirma os princípios da OSCE, destaca a necessidade de ter em conta as preocupações da Rússia, reafirma a importância das instituições euroatlânticas como a NATO e a UE, ao mesmo tempo que coloca em cima da mesa todos os aspectos de segurança”.
O SYN/SYRIZA não dissimula o seu culto pelas“instituições” europeias e mundiais. Saudou desde o primeiro momento a Cimeira da OSCE em Corfú, falando de“fortalecimento” do papel da OSCE e do “Conselho de Segurança Europeu”, que vai consolidar o “sistema paneuropeu de segurança”, que de facto vai contar com“subsistemas”!
O SYN sublinha: “A nossa opinião é que a OSCE tem características específicas e serve de base para a construção de um novo modelo de segurança europeia no século XXI […] A OSCE deve ser ligada à ONU como“organização regional de segurança” (artigo 5 da Carta da ONU). Deve ter competências e a capacidade prática de resolver os conflitos no seu âmbito de responsabilidade. É necessário que possa remeter conflitos para o Conselho de Segurança da ONU, mesmo sem o consentimento das partes directamente envolvidas.
Hoje em dia, o problema que provoca a falta de confiança e dá lugar a novas tensões no espaço europeu é o alargamento da NATO, particularmente à Geórgia e à Ucrânia. O mesmo acontece com o chamado “escudo antimíssel”. Portanto, um passo importante para a segurança europeia e os objectivos da OSCE seria o “congelamento” destas opções. A Grécia deveria apoiar também uma iniciativa neste sentido”11.
Alguns dos seus quadros sublinham: “além disso, é necessário uma profunda democratização do sistema internacional, dando prioridade à democratização e ao fortalecimento do papel da ONU, assim como à criação de novas instituições, por exemplo uma Organização Mundial do Meio Ambiente”12.
O programa do SYRIZA menciona: “Os novos reordenamentos que se estão a verificar neste momento no mundo colocam na mesa o assunto da reorganização geral do sistema de relações internacionais no seu conjunto, assim como a busca da sua profunda democratização”13.
As contribuições do Partido da Esquerda Europeia (PEE), em que participa o SYN, são semelhantes: “Mais do que nunca, a segurança europeia deve basearse em princípios de paz, desarmamento, impossibilidade estrutural de assalto, na solução dos problemas através de meios políticos no âmbito da OSCE, de acordo com o Direito Internacional e nos princípios de um sistema das Nações Unidas reformado e democratizado. Um tal sistema europeu colectivo de cooperação deve garantir a segurança e o acesso incondicional às fontes de energia, ao respeito pelo meio ambiente, aos direitos humanos, etc.”14.
Inclusive, o presidente do LAOS, G. Karatzaferis, numa mensagem dirigida ao Partido Comunista da China, em Outubro de 2009, exaltou o “mundo multipolar”, enquanto o presidente do partido SYN,
A. Tsipras, num encontro que teve com o orgulhoso embaixador da Rússia, em 24 de Novembro de 2008, considerou: “Os equilíbrios internacionais estão a mudar. Tornase mais visível a tendência para um mundo multipolar. O hegemonismo não tem futuro. O momento actual requer a eliminação das desigualdades e a igualdade nas cooperações internacionais”.
De facto, forças políticas de diferentes matizes ideológicos reconhecem as novas contradições interimperialistas e o emergente reordenamento no sistema mundial e caracterizam como a democratização das relações internacionais, como um“mundo multipolar”, a tendência de mudar a correlação de forças tal como se modificou depois da derrota dos países socialistas, assim como o alargamento e a intensificação das actividades da NATO e da UE nos últimos 20 anos. Este novo equilíbrio de forças assenta no incremento do armamento da Alemanha e no fortalecimento da Rússia, China, Irão e outros países.
As propostas que acabámos de ler, como por exemplo o alargamento do Conselho de Segurança da ONU com novos países (ND, PASOK), ou o aumento da importância do papel mundial da UE (ND, PASOK, SYN, LAOS) ou, inclusive, da Rússia e da China nos assuntos internacionais, não podem resolver as contradições interimperialistas que se manifestam no âmbito das matériasprimas e energia, assim como nos meios de transporte e no antagonismo na repartição dos mercados. O antagonismo entre os monopólios está a dar lugar a intervenções militares e guerras, localizadas ou generalizadas. Este antagonismo desenvolvese com todos os meios e reflectese nos acordos interestatais, que estão continuamente em litígio devido ao desigual desenvolvimento. Isto é o imperialismo, fonte de ataques militares de maior ou menor dimensão.
As propostas sobre um “novo governo mundial democrático”, com“transparência”, “participação”e“solidariedade social” não constituem um mero“palavreado” do presidente do PASOK e da Internacional Socialista. Procuram embelezar a nova correlação de forças, sob o domínio da barbárie capitalista e imperialista, a fim de enganar os trabalhadores.
Até a tentativa de congelar o alargamento da NATO a Este e de cancelar a construção do escudo antimíssil dos Estados Unidos na Europa Central, que o SYN considera como “um passo significativo para a segurança europeia”, é, na realidade, uma esperança vã, porque a imperialista NATO já está muito bem preparada para fazer o seu trabalho com a chamada “Parceria para a Paz”, sem que seja necessária a entrada de novos membros. A “Parceria para a Paz” já conta com 23 países, além dos 28 estados membros da NATO.
A propósito do escudo antimíssil, vários comités do Pentágono consideraram “não rentável” a instalação do escudo antimíssil na Europa Central, por razões económicas, militares e políticas e propuseram a sua instalação noutras regiões (Israel, Turquia, Azerbeijão, Catar, Balcãs etc.)15. É nesta direcção que a nova liderança dos Estados Unidos, sob o presidente Barak Obama segue, de acordo com as declarações de finais de Setembro de 2009. Uma breve perspetiva histórica– conclusões Antes de tratar de assuntos relacionados com a posição dos comunistas hoje, vale a pena deitar um olhar sobre a história, sobre a atitude do movimento comunista relativamente às diferentes organizações internacionais. Visto não podermos fazer referência neste artigo a todas as organizações vamos focarnos, o mais brevemente possível, nas organizações mundiais fundamentais que a humanidade conheceu [a Sociedade das Nações e as Nações Unidas] e a posição da URSS – o primeiro estado socialista no mundo – em relação a estas organizações. A Sociedade das Nações antes da integração da URSS Depois da Primeira Guerra Mundial, as forças vencedoras, num esforço de garantir o“status quo” e continuar com a distribuição dos territórios e dos mercados a seu favor e dificultar o desenvolvimento do movimento revolucionário mundial e a influência que a Rússia Soviética exercia nos povos, fundaram em 1919 a “Sociedade das Nações” (SDN), que actuou até 1939 e se dissolveu formalmente em 1946. Naturalmente, a SDN, igual a todas as organizações imperialistas, actuou em nome de“ações benéficas”, como a manutenção da paz, a consolidação da segurança, a solução das diferenças por meios pacíficos e diplomáticos.
Lénine, no programa do Partido Comunista da Rússia (bolchevique), revelava as verdadeiras razões da sua fundação: “a crescente pressão por parte do proletariado e, sobretudo, as suas vitórias em alguns países aumentam a resistência dos exploradores e originam, da sua parte, a criação de novas formas de organização internacional dos capitalistas, que organizam a nível mundial a exploração sistemática de todos os povos no mundo e dirigem os seus principais esforços para a supressão de todos os movimentos revolucionários do proletariado em todos os países”16.
A SDN rapidamente mostrou os dentes à jovem República Soviética, apoiando abertamente a contrarrevolução e os 14 países que tentaram suprimir a revolução bolchevique da Rússia, através de um ataque militar. Lénine, quando deste ataque, comentou de forma cáustica: “Aprovaram recentemente a resolução em que a Sociedade das Nações das forças aliadas reconhece Kolchak como o único governante legítimo da Rússia. E depois disso, de Kolchak nada mais se viu, a não ser a sua fuga”17.
O líder da Revolução de Outubro satirizava ainda aquelas forças da socialdemocracia que apoiavam abertamente a Sociedade das Nações: “o principal e fundamental dos oportunismos foi o que adoptou a forma de socialchauvinismo, isto é, da “defesa do país”, o que equivalia, de facto, naquela guerra, à defesa dos interesses de rapina da burguesia do “próprio país”. Depois da guerra, a defesa da sociedade de bandidos chamada“Sociedade das Nações”, a defesa das alianças francas ou indirectas com a burguesia do próprio país contra o proletariado revolucionário e o movimento “soviético”e a defesa da democracia e do parlamentarismo burgueses contra o “Poder dos Sovietes” foram as principais manifestações destes compromissos inadmissíveis e traidores […]”18.
Lénine apercebeuse das graves contradições interimperialistas que esta aliança predadora continha, inclusive na sua futura atitude para com a Rússia Soviética: “A cada passo, os interesses dos membros desta Liga estão evidentemente em luta. […] Acontece que a Sociedade das Nações não existe, que a aliança das potências capitalistas é um puro engano e que, na realidade, é uma aliança de assaltantes em que cada qual trata de arrancar alguma coisa aos outros.”19.
Já muito antes do colapso da SDN, Lénine tinha previsto a evolução desta “grande organização unitária de todas as nações avançadas do mundo”, como a caracterizava ironizando: “Uma unidade desde tipo é pura ficção, uma fraude total, uma falsidade absoluta. E temos visto – e isto foi um grande exemplo –, que esta conhecida Sociedade de Nações, que tentou repartir mandatos para a administração de estados e para dividir o mundo, resultou numa bolha que rebentou de imediato porque era uma aliança fundada na propriedade capitalista”20.
Em condições de isolamento, a União Soviética especificou claramente a principal linha das suas relações internacionais. Por um lado, procurou a maior cooperação possível com os estados capitalistas a nível comercial, económico e político, com o objectivo de romper com o isolamento, e, por outro, o apoio firme do movimento revolucionário em todo o mundo.
Tal como mostrou a sua participação na Conferência Internacional Económica em Génova (1922), a Rússia Soviética tentou e conseguiu tirar benefícios das contradições interimperialistas que existiam dentro desta. Na petição dos países estrangeiroscredores para pagar as dívidas do governo czarista e do governo provisório (18,5 mil milhões de rublos de ouro) contrapôs o pedido de pagamento da indemnização pelos desastres que a intervenção imperialista estrangeira provocou (39 mil milhões de rublos de ouro). Além disso, manobrou e aceitou a simultânea e recíproca prescrição de créditos de ambas as partes, a troco da reposição das relações diplomáticas e económicas, rompendo o “bloqueio comum” contra a URSS. Ao mesmo tempo, à parte da Conferência de Génova, a URSS participou em vários comités da SDN em matéria de desarmamento, embora não fosse membro desta, apoiando a posição de desarmamento imediato e total, mostrando o papel da SDN: “Tomemos, por exemplo, as recentes propostas da delegação soviética em Genève, sobre o desarmamento verdadeiro (não de aparência). Como se pode explicar o facto de a declaração honesta e sincera, do camarada Litvinov, de desarmamento geral ter surpreendido a Sociedade das Nações e aparecer como algo “completamente inesperado”? Não indica isso que a Sociedade das Nações não é um instrumento de paz e desarmamento, mas um instrumento que oculta os novos armamentos e a preparação de novas guerras?”21.
Stalin, referindose ao crescimento armamentista (1925), caracterizou a paz imperialista como “paz armada”, tecendo críticas ao papel da SDN e da Segunda Internacional: “Doulhes um exemplo da hipocrisia sem precedentes da diplomacia burguesa que com gritos e loas à paz trata de ocultar a preparação da nova guerra […]. Que fizeram a Sociedade das Nações e a Segunda Internacional para deter o frenético crescimento armamentista? Será que não sabem que o crescimento armamentista “faz com que troem os canhões”? Não esperem que a Sociedade das Nações e a Segunda Internacional lhes respondam. A questão é que o conflito de interesses entre os países vencedores está a crescer e é cada vez mais intenso. Assim, pois, é inevitável um choque entre eles, sendo que na expetativa da guerra os países estão a armarse com todas as forças. Não é exagero dizer que neste caso não existe paz amistosa entre os países vencedores mas uma paz armada, uma situação de paz armada que conduz à guerra. O que acontece agora nos países vencedores lembra a situação que existia antes da guerra de 1914, ou seja, um estado de paz armada. Os governantes na Europa estão a procurar esconder este facto com clamores pelo pacifismo. Mas, já tenho perguntado para que vale este pacifismo e que valor pode ter. Os bolcheviques estão a pugnar pelo desarmamento desde a época de Génova. Porque é que a Segunda Internacional e todos os outros, que estão a falar de pacifismo, nunca apoiaram a nossa proposta?”22.
Pouco depois, referindose ao massacre de Nankin pelos japoneses, assinalava:“Deuse mais uma bofetada à Sociedade das Nações. Quem, além dos lacaios do imperialismo, pode considerar “normal”que um membro da SDN bombardeie o povo de outro membro, enquanto a SDN é obrigada a calarse, considerando que isso não lhe interessa?”23.
O dirigente da URSS explicava ao mesmo tempo a razão por que a URSS não se ligava à SDN: “A União Soviética não é membro da Sociedade das Nações nem nela participa, em primeiro lugar, porque não quer assumir a responsabilidade pela política imperialista da SDN, porque está contra os“mandatos” outorgados pela SDN, que têm como objectivo a exploração e repressão das colónias. A União Soviética não participa na Sociedade das Nações porque está contra o imperialismo, contra a repressão das colónias e dos países dependentes. Em segundo lugar, a União Soviética não participa na Sociedade das Nações porque não quer ter responsabilidade nos preparativos da guerra, no aumento do armamento, nas novas alianças militares, entre outras coisas, encobertas e justificadas pela Sociedade das Nações e que levarão seguramente a novas guerras imperialistas. A União Soviética não participa na Sociedade das Nações porque está totalmente contra as guerras imperialistas. […] nas actuais condições, a Sociedade das Nações é um clube para os tubarões imperialistas, que promovem o seu negócio nefasto atrás dos bastidores. As declarações oficiais da SDN são palavras vazias destinadas a ludibriar as pessoas enquanto os actos não oficiais dos tubarões imperialistas, por trás dos bastidores, são os verdadeiros negócios imperialistas, que os grandiloquentes oradores da Sociedade das Nações escondem de maneira hipócrita”24.
Stalin explicou as causas económicas mais profundas das contradições dentro da SDN: “A conferência económica da Sociedade das Nações em 1927, que teve como objectivo “unir os interesses económicos” dos países capitalistas, também fracassou. A via pacífica para solucionar o problema dos mercados permanece fechada para o capitalismo. A única“saída” que existe para o capitalismo é uma nova repartição das colónias e esferas de influência pela força, através de conflitos militares e de novas guerras imperialistas»25.
A política externa da URSS tentou dificultar a frente unida dos imperialistas contra a URSS, utilizando as contradições interimperialistas. Assinalou a contradição de interesses no campo dos imperialistas, o interesse geral de alguns países em manter relações económicas com a URSS, a reacção da classe operária na Europa, o medo dos imperialistas do rebentamento de uma revolução nos seus países, em caso de guerra contra a URSS. Acrescentou ao mesmo tempo que isto não significava que a GrãBretanha abandonasse os esforços para a organização de uma frente unida contra a URSS, mas que não seria capaz de organizar uma tal frente. A ameaça de guerra não deixou de existir apesar dos fracassos temporários da GrãBretanha.
Stalin assinalou: “É preciso recordar as palavras de Lénine de que, quanto à tarefa de reconstrução, muito depende de saber se vamos adiar a guerra, que é inevitável, contra o mundo capitalista; que podemos, contudo, atrasála até que a revolução proletária amadureça na Europa ou até que as revoluções coloniais amadureçam completamente ou até que os capitalistas se enfrentem uns aos outros pela repartição das colónias. Assim, para nós, é um dever imperativo manter relações pacíficas com os países capitalistas”26.
Não obstante, a política externa da URSS, caracterizada pela busca de relações pacíficas com os países capitalistas, não impedia a promoção de objectivos para o desenvolvimento do movimento comunista, como a luta por:
a) O desenvolvimento dos partidos comunistas em todo o mundo;
b) A consolidação dos sindicatos revolucionários e da frente unida dos trabalhadores contra a ofensiva do capital;
c) A consolidação da amizade entre a classe operária da URSS e a classe operária dos países capitalistas;
d) O fortalecimento da aliança entre a classe operária da URSS e o movimento de libertação nas colónias e nos países dependentes.27
Ao mesmo tempo, desenvolveu uma frente ideológica contra o pacifismo burguês da Sociedade das Nações, contra as pregações da “paz”, a“proibição” da guerra e as declarações de “desarmamento”: “Há gente ingénua que pensa que, dado existir o pacifismo imperialista, não haverá guerra. Isto não é nada certo. Pelo contrário, quem quer encontrar a verdade deve inverter esta posição e dizer que estando o pacifismo imperialista e a Sociedade das Nações a florescer, haverá seguramente novas guerras e intervenções imperialistas. E o mais importante é que a socialdemocracia é o principal emissário do pacifismo imperialista à classe operária e, por conseguinte, o principal apoio do capitalismo na classe operária para a preparação de novas guerras e intervenções”28. A Sociedade das Nações– desde a adesão da URSS até à sua expulsão Depois da saída do Japão (Março de 1933) e da Alemanha (Outubro de 1933), 30 estados membros da Sociedade das Nações, encabeçados pela França, convidaram a URSS a juntarselhes. A URSS tentou aproveitar a sua adesão à SDN para cumprir a sua tarefa principal, ou seja, impedir a formação de um bloco comum dos imperialistas contra si.
Stalin, respondendo à pergunta de um jornalista americano, se a URSS mantinha a sua posição negativa face à SDN, explicou:“Não, nem sempre, nem sob qualquer condição. Provavelmente não perceberam o nosso ponto de vista. Apesar da saída da Alemanha e do Japão da SDN, ou talvez exactamente por isso, a SDN pode de alguma forma tornarse um factor de atraso na realização de operações militares ou mesmo impedilas. Se assim for, a Sociedade das Nações consegue transformarse num obstáculo a esse caminho, dificultar, ao menos um pouco, a guerra e facilitar, em certa medida, a paz; assim sendo, não estamos contra a Sociedade das Nações. E se vier a ser este o curso dos acontecimentos históricos é possível que apoiemos a Sociedade das Nações, apesar das suas enormes deficiências”29.
Portanto, a URSS aceitou o convite, ocupou uma posição permanente no Conselho da SDN e, depois da saída dos países anteriormente referidos, tentou impedir na medida do possível o rebentamento de guerra. O governo soviético advertiu, contudo, que não assumiria nenhuma obrigação relativamente às resoluções e acordos da Sociedade das Nações que tinham sido levadas a efeito antes da entrada da URSS na Sociedade das Nações.
Pouco antes do cessar de funções da Sociedade das Nações, a URSS foi expulsa, em 1939, por responder às provocações militares da Finlândia. Naqueles anos, o eixo fascista (Alemanha, Itália, Japão) realizou uma série de operações militares, mudando o “cenário”formado depois da Primeira Guerra Mundial. O poder soviético considerava que “a nova guerra imperialista se tinha tornado um facto”30.
Ao mesmo tempo, rapidamente se viu que havia duas razões para a submissão constante das “democracias ocidentais aos fascistas”. Tinham medo de que uma segunda guerra mundial imperialista pudesse levar à vitória da revolução num ou vários países31 e, ao mesmo tempo, as“democracias ocidentais” tentavam direccionar os países fascistas contra a URSS. “Na política de não intervenção observase a intenção e o desejo de não impedir que os atacantes realizem a sua tarefa obscura; de não impedir, por exemplo, que o Japão entre em guerra com a China e, ainda melhor, com a União Soviética; de não impedir, por exemplo, a Alemanha de intervir nos assuntos europeus, entrar em guerra com a União Soviética, deixar entrar profundamente no lodaçal da guerra todos estes beligerantes, alentados de maneira subreptícia, deixálos debilitarse, esgotarse e, assim, depois de bastante debilitados, aparecerem em cena com novas forças, naturalmente,“em favor da paz” e ditar condições aos já debilitados beligerantes”32.
O objectivo principal da URSS foi, pois, manobrar para que os referidos planos fracassassem. Hoje em dia sabemos que isto foi concretizado através do“Pacto de não agressão” (1939), conhecido também como Pacto MolotovRibbentrop, assinado depois do Pacto de Munique (1938) entre a GrãBretanha, a França, a Itália e a Alemanha, para a desintegração da Checoslováquia e a anexação dos seus territórios ao Reich alemão. A participação da URSS na ONU A ONU foi fundada em 1945 e reflectia uma nova realidade, no que respeita à correlação de forças, em que a URSS ocupava uma posição melhorada, devido ao seu papel na conclusão da Segunda Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, o perigo de guerra tomava novas dimensões, devido à aparição das armas atómicas.
Em 1944, Stalin manifestou as seguintes posições: “Por esta razão, além do desarmamento total das nações agressoras só há um caminho: criar uma organização especial para defender a paz e garantir a segurança, que seja constituída por representantes de nações pacíficas, e disponibilizar ao órgão dirigente desta organização um número mínimo de forças armadas necessárias para impedir o ataque. Em caso de emergência, esta organização deve obrigarse a utilizar sem delongas estas forças armadas, para prevenir ou eliminar o ataque e castigar os seus autores. […]
Podemos esperar que a acção desta organização internacional seja suficientemente eficaz? Será eficaz se as grandes potências que carregaram às costas o maior peso contra a Alemanha de Hitler continuarem a actuar com espírito de unanimidade e consenso. Não será eficaz se se violar este requisito prévio”33.
Estas declarações foram proferidas em condições históricas marcadas por um antagonismo feroz sobre a vantagem de produzir armas nucleares. Hoje, sabemos que os Estados Unidos foram os primeiros a produzilas. Em 1945, utilizaramnas contra o Japão; mas o seu verdadeiro objectivo foi aterrorizar a URSS, que adquiriu esta arma mais tarde, em 1949, o que viria estabelecer o chamado “equilíbrio nuclear” que impediu um novo ataque contra a URSS.
Em termos de guerra, com armas convencionais, muito depressa se demonstrou que o carácter da ONU foi semelhante ao da SDN. As potências imperialistas, antes de 1955, utilizaram a ONU nos seus planos, por exemplo contra a República Popular da China, na guerra contra a Coreia (1950), ao mesmo tempo que tentaram abolir o direito de veto da URSS no Conselho de Segurança da ONU e rejeitaram várias propostas da União Soviética sobre o desarmamento.
O dirigente da URSS condenou as intervenções imperialistas na China e na Coreia e analisou as decisões tomadas pela ONU comentando:
“Considero que (a utilização da ONU contra a República Popular da China e da Coreia) foi uma decisão vergonhosa.
Alguém que sustente que os Estados Unidos – que ocuparam territórios chineses, a ilha de Taiwan e invadiram a Coreia nas fronteiras da China –são as forças de defesa e que a República Popular da China– que defende as suas fronteiras e tenta recuperar a ilha Taiwan ocupada pelos norteamericanos – é o agressor, deve ter perdido o que lhe restava de consciência.
A Organização de Nações Unidas, que foi criada como bastião que garantiria a paz, transformouse numa arma de guerra, num instrumento para o lançamento de uma nova guerra mundial. O núcleo ofensivo da ONU consiste em dez estados membros do Tratado do Atlântico Norte ofensivo (EUA, GrãBretanha, França, Canadá, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Dinamarca, Noruega, Islândia) e vinte países da América Latina (Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, República Dominicana, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai, Venezuela). São os representantes destes países que decidem na ONU sobre a guerra e a paz. Estes foram os países da ONU que tomaram a decisão vergonhosa de agredir a República Popular da China. […].
Portanto, a ONU transformouse num instrumento de guerra ofensiva e deixou de ser a organização mundial de nações com direitos iguais. De facto, a ONU não é tanto uma organização mundial mas uma organização que age a pedido do agressor norteamericano. Os Estados Unidos e o Canadá não são os únicos países que promovem o rebentamento de uma nova guerra; o mesmo caminho seguem também vinte países latinoamericanos, cujos latifundiários e comerciantes antecipam uma nova guerra em algum lugar da Europa ou Ásia para venderem nestes países as suas mercadorias a preços muito altos e ganharem milhões a partir desta operação sangrenta. Todos sabem já que os vinte representantes dos vinte países latinoamericanos constituem o exército mais comprometido dos Estados Unidos na ONU. A Organização das Nações Unidas segue, portanto, o caminho vergonhoso da Sociedade das Nações, enterra o seu prestígio moral e condenase à dissolução”34.
Na mesma entrevista ao diário “Pravda”, Stalin definia o carácter da luta pela paz: “Como vai terminar esta luta entre forças agressivas e pacíficas? A paz vai continuar e consolidarse se os povos assumirem o dever de garantir a paz e a defenderem até ao fim. A guerra pode tornarse inevitável se os instigadores da guerra conseguirem influenciar as massas populares com as suas mentiras, enganálas e dirigilas para uma guerra mundial.
Por isso, é da maior importância uma ampla campanha pela paz, que revele os planos criminosos dos instigadores da guerra. No que respeita à União Soviética, continuará a adotar políticas de prevenção da guerra e de manutenção da paz”35.
Sobre o papel da URSS na ONU A construção socialista na URSS – apesar dos enormes prejuízos (humanos e materiais) causados pela Segunda Guerra Mundial – e o seu fortalecimento, em conjunto com os outros países socialistas, foram factores poderosos, que influenciaram a correlação de forças e tiveram impacto na ONU.
A URSS, como estado membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, exerceu quase 120 vezes o direito de veto (79 nos primeiros dez anos), enquanto os Estados Unidos exerceram o direito de veto 76 vezes, até hoje.36
Graças à existência da URSS e dos outros países socialistas (desde 1955), assim como de países da África e Ásia, a ONU tomou uma série de decisões positivas e importantes contra planos e forças imperialistas, por exemplo, a condenação das acções dos Estados Unidos contra Cuba (196062), no Médio Oriente e na questão de Chipre.
Sob a pressão da URSS, adoptouse uma série de convénios, tratados e resoluções sobre o desarmamento, a proibição de testes nucleares, a guerra bacteriológica e o espaço.
É claro, contudo, que o carácter do imperialismo não mudou. O Direito Internacional e as suas resoluções foram o resultado da correlação de forças a nível mundial, pelo que os imperialistas se viram obrigados a fazer manobras e concessões sem renunciar aos seus planos, como demonstraram as intervenções imperialistas, os golpes e a corrida aos armamentos. De facto, houve casos em que, apesar das reacções da URSS, as forças imperialistas utilizaram tropas da ONU para levar a cabo os seus planos reaccionários por exemplo, no Congo, por um período de três anos (196063)37.
Mas ao longo do tempo, especialmente depois da formação de novos países, nas décadas de 195060, na Ásia, África e Médio Oriente, da ruptura das cadeias do sistema colonialista e do fortalecimento das relações económicas, militares e políticas da URSS com estes estados, sobrevalorizouse a correlação internacional de forças, considerando que isto foi a favor da URSS e dos restantes países socialistas. Para isto contribuíram também alguns êxitos tecnológicos, como os mísseis intercontinentais, no princípio da década de 1960. O ministro dos Negócios Estrangeiros da URSS de 1957 a 1985, A. Gromyko, e o membro do Politburo do PCUS e responsável pela Secção das Relações Internacionais do PCUS, de 1955 a 1986, B. Ponomariov, consideravam: “A construção de mísseis intercontinentais e espaciais de alta precisão, o lançamento dos primeiros satélites e a missão do foguete à lua mostravam os grandes êxitos do país soviético em importantíssimas esferas da ciência e da tecnologia moderna, entre outras, no sector militar. A construção do míssil intercontinental feriu a relativa invulnerabilidade estratégica dos Estados Unidos. Além disso, mudouse a correlação estratégica de forças a favor do campo socialista”38.
Os acontecimentos refutaram de maneira trágica estas avaliações. Na Resolução do XVIII Congresso do nosso Partido, sobre o socialismo, estimase: “Ambas as partes do movimento comunista (no poder ou não) sobrevalorizaram a força do sistema socialista e subestimaram a dinâmica da reconstrução capitalista no pósguerra”39.
Neste campo, desenvolveramse posições utópicas, juntamente com políticas oportunistas sobre os “sistemas de segurança”a nível internacional e regional. A situação na URSS depois da contrarevolução Depois da contrarevolução, a correlação de forças na ONU piorou radicalmente e a URSS foi substituída pela Rússia. Contudo, segundo as avaliações do XVIII Congresso do KKE: “A Rússia capitalista tinha à sua disposição grandes recursos naturais, arsenal nuclear, infraestruturas herdadas da URSS e mãodeobra qualificada, cumpria os requisitos prévios para melhorar a sua posição na pirâmide imperialista. Esta possibilidade não constitui nenhum tipo de garantia para os povos, frente aos Estados Unidos e restantes centros imperialistas, como aconteceu com a URSS e em geral com o sistema socialista e o Pacto de Varsóvia, porque hoje em dia o carácter da Rússia é imperialista”40.
Ao mesmo tempo, observamos que “Já não existe o Direito Internacional, tal como o conheceram os povos no período da presença activa e enérgica do sistema socialista nos assuntos internacionais. Foi completamente substituído pela doutrina imperialista do “ataque preventivo”, da campanha “contra o terrorismo”. Além disso, é particularmente perigosa a estratégia a favor das intervenções imperialistas sob a chamada “autodeterminação”, como um pretexto para a incitação de soluções de minorias e a criação de estadosprotectorados”41.
Isto ficou claro sobretudo com os acontecimentos referentes à independência do Kosovo, apoiada pelos Estados Unidos, a UE e a NATO, e com o reconhecimento da independência da Ossétia do Sul e da Abcásia, por parte da Rússia. Estes factos proporcionaram o discurso sobre a necessidade de reformar a ONU, os “novos sistemas de segurança” na Europa e as declarações sobre“um mundo multipolar” com novos “elementos”. Tratase da“ponta do iceberg”, nos processos de alteração da correlação de forças entre os centros imperialistas. Claro que esta tendência está relacionada com o seu esforço para ocultar o carácter agressivo das alianças e uniões imperialistas. As forças políticas burguesas, juntamente com as forças oportunistas, desempenham um papel importante de desorientação, promovendo a suposta humanização da ONU, ocultando que a guerra é inerente ao carácter explorador do sistema capitalista, muito mais no seu estado superior, o imperialismo.
Hoje em dia, a ONU é semelhante à SDN. Na situação actual “quem paga manda”. Assim, em 2009, 22% do orçamento da ONU foi pago pelos Estados Unidos (598,2 milhões de dólares), 16,62% pelo Japão e 8,57% pela Alemanha42. Crítica de noções artificiais burguesas e oportunistas sobre as relações interestatais Coexistência pacífica e competição Do que anteriormente foi referido, fica claro que o KKE considera que o movimento popular não pode tratar a ONU e o Direito Internacional com os mesmos critérios de quando existia a URSS e o sistema socialista. Isto porque quando existia a URSS e o Pacto de Varsóvia na Europa, o movimento antiimperialista iase fortalecendo em todo o mundo e existia a possibilidade de moderar ou travar alguns planos imperialistas, ainda que esta possibilidade não se deva sobrevalorizar, como aconteceu no passado.
Portanto, a referência a resoluções positivas anteriores perde objectivamente o seu peso, na medida em que não se aplicam e emergem novas resoluções imperialistas da ONU, de evidentecarácter agressivo, como as que concedem à NATO o direito de ocupação do Afeganistão, as sanções contra a República Democrática da Coreia, por causa do seu programa nuclear, as decisões sobre o desarmamento da resistência libanesa, etc.
É preciso lembrar que as resoluções positivas tomadas pela ONU constituíam um ponto de referência para os povos e facilitavam a luta em várias questões. Contudo, nem todas as resoluções eram levadas a cabo, ou seja, não eram concretizadas pelos imperialistas.
Sabemos que resoluções justas do Conselho de Segurança da ONU sobre a questão cipriota, palestina, etc., ficaram no papel e nunca se concretizaram, já que eram contra os interesses dos Estados Unidos e de outras potências imperialistas. Aliás, nem as resoluções positivas da ONU e a existência da URSS podiam alterar por si mesmas as condições de dependência e interdependência (política, económica, militar) que existiam entre os países do sistema imperialista mundial. Contudo, como avaliámos no XVIII Congresso do nosso partido, depois da Segunda Guerra Mundial, “o sistema imperialista, com os Estados Unidos como potência principal, prosseguiu a formação de coligações militares, políticas e económicas e a criação de organizações internacionais de crédito (NATO, FMI, Banco Mundial, acordos comerciais transnacionais). Estes organismos garantiram a coordenação dos países capitalistas, conciliaram algumas contradições entre eles, para servir o objectivo estratégico comum de pressão multilateral ao sistema socialista. Organizaram intervenções imperialistas, provocações sistemáticas e multiformes e campanhas anticomunistas”43.
Hoje, porém, a situação piorou muitíssimo, visto já não existir a URSS nem a “frente” de países socialistas, sendo que a China, que é membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, não pode desempenhar o papel que a URSS teve no passado. Isto não tem que ver com a sua força mas com “a sua política de abertura da sua economia ao mercado capitalista internacional. Incorporouse na Organização Mundial de Comércio. Vinculouse ao Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial […] O aparecimento de forças sociais exploradoras com expressão política na sociedade chinesa acarreta riscos tanto para os interesses do povo chinês como para o papel do movimento antiimperialista internacional”44.
Ao mesmo tempo, a integração no sistema imperialista mundial dos antigos países socialistas (territórios, matérias primas e mãodeobra), que durante anos estiveram isolados da economia capitalista mundial, impulsionou o antagonismo interimperialista, a partir da década de 1990. O desigual desenvolvimento capitalista alterou a correlação de forças no sistema imperialista internacional, pondo em causa a correlação tal como se reflectia nos acordos e uniões internacionais.
É por isso que o Direito Internacional tem vindo a piorar radicalmente nos últimos vinte anos. Na medida em que o Direito Internacional é apenas para os estados capitalistas e não resulta da correlação entre os estados capitalistas e socialistas só pode ser pior para os povos e a classe operária nos países capitalistas. Hoje em dia, o movimento popular e operário deve ter em conta estas alterações e não se limitar a questões sobre a democratização da ONU ou do Direito Internacional, que são utilizados sobretudo pelas forças burguesas para melhorar a sua posição. Além disso, enganam deliberadamente as forças populares e afirmam que lhes podem garantir um mundo pacífico sem minar os alicerces da sociedade capitalista. Posições“semelhantes” são assumidas por várias forças“de esquerda”, assim como por forças que se autodenominam de antiimperialistas.
Por exemplo, o “III Fórum Social Internacional”, em Porto Alegre, falou de “ordem mundial democrática”45.
Tratase da adesão a formas do passado, que já não correspondem à actualidade. Aproximam as organizações e uniões internacionais, não segundo critérios de classe mas na base da adesão às instituições.
Temos de tirar conclusões de contributos relevantes que subestimaram o carácter “depredador” do imperialismo e, no fim, se lhe submeteram, tal como aconteceu com o deslizamento da “coexistência pacífica” dos sistemas sociopolíticos para avaliações, que predominaram no PCUS, relativamente à emulação entre os dois sistemas, com um “sistema de segurança europeu” que garantiria a paz, com
o“respeito” mútuo dos sistemas sociais diferentes, etc. Assim, em 1955 aURSS exigia “um sistema de segurança em que os estados membros se comprometam a renunciar ao uso de forças armadas e em que todas as questões controversas se solucionem através de meios pacíficos”46.
O KKE sublinha que “a linha de “coexistência pacífica”, tal como se desenvolveu durante os primeiros anos do pósguerra e até certo ponto no XIX (Outubro de 1952) e, fundamentalmente, no XX Congresso do PCUS (1956), reconhecia a barbárie capitalista dos Estados Unidos e da GrãBretanha, de certos sectores da burguesia e das forças políticas respectivas nos estados capitalistas na Europa Ocidental, mas não como elemento inerente ao capitalismo monopolista, ao imperialismo. Assim, permitiu o aparecimento de avaliações utópicas de que é possível ao imperialismo aceitar a longo prazo a coexistência com forças que lhe quebraram o seu domínio mundial”47.
A realidade mostrouse, de facto, muito diferente e demonstrou que o imperialismo– que tem a guerra como elemento inerente – utiliza os acordos interestatais à vontade, pelo que os povos não podem ter ilusões sobre supostas intenções“pacíficas”.
As posições de Lénine continuam a ser actuais: “sob estas condições, as consignas de pacifismo, do desarmamento internacional nas condições do capitalismo, dos tribunais de arbitragem, entre outras, não são apenas uma utopia reaccionária, mas também um logro total aos trabalhadores e uma tentativa de desarmar o proletariado e desviálo da tarefa de desarmar os exploradores. Só uma revolução proletária, comunista, pode tirar a humanidade do impasse que o imperialismo e as guerras imperialistas criaram. Quaisquer que sejam as dificuldades da revolução e independentemente dos possíveis fracassos pontuais ou dos ventos da contrarevolução, a vitória final do proletariado é inevitável”48. «Autocracia» ou«mundo multipolar»? Para algumas potências só a “autocracia” dos Estados Unidos é que representa o imperialismo. Esta posição é expressa pelo actual presidente da Venezuela, ao apelar à Rússia para que dirija a luta contra as potências antiimperialistas.
A Rússia actual é, contudo, um grande país capitalista que tenta melhorar a sua posição no sistema imperialista internacional. É um erro tratála como uma substituta da URSS como força antiimperialista, mesmo quando reage aos planos dos Estados Unidos para assegurar os seus próprios interesses.
Além disso, a identificação do conceito de imperialismo com os Estados Unidos está errada. Estas questões foram analisadas em vários artigos de quadros do KKE, pelo que não lhes vamos fazer uma referência mais detalhada. Cabe, contudo, assinalar que a aproximação anterior (estritamente “antiamericana”)debilita objectivamente a frente contra o imperialismo. Amarra os povos a outros centros imperialistas, como a União Europeia, a Rússia, etc. Outras noções artificiais que escondem a contradição fundamental As teorias que se centram em contradições do tipo “NorteSul”,“países desenvolvidos e dependentes”, “golden billion”, ou “fornecimento de matériasprimas” servem para manipular o movimento operário e popular, já que conscientemente escondem a contradição fundamental entre trabalho e capital. Por exemplo, as relações de dependência diferenciamse das relações de propriedade e da correlação internacional de forças. Daí pode resultar que a estratégia dos partidos comunistas pela sua abolição leve a alianças com forças burguesas, no quadro do sistema capitalista.
Além disso, isolando os dados do consumo per capita, tiram conclusões arbitrárias sobre a “subjugação” dos seus países e consideram que esta situação pode mudar através da “democratização” da ONU, das relações internacionais e da formação de novas alianças interestatais, sem que as relações de produção capitalistas sejam afectadas49. A atitude actual dos comunistas para com as organizações internacionais e as uniões interestatais Hoje podemos assistir em várias zonas do planeta ao aparecimento de novas alianças interestatais. Não é por casualidade que as forças motrizes de tais alianças são potências emergentes na economia capitalista global, como a Rússia – na região da Euroásia: Comunidade de Estados Independentes (CEI), Comunidade Económica Euroasiática (CEEA), Organização do Tratado da Segurança Colectiva (OTSC), etc.–, ou o Brasil, na América Latina.
Não se trata apenas de uniões económicas, mas de uniões com características políticas e militares que, como já referimos, procuram participar na “nova arquitectura” das relações internacionais, semeando ilusões de que o mundo vai ser “mais democrático”, “mais seguro”,“mais pacífico”, através da mudança de correlação de forças internacionais, à custa dos Estados Unidos.
As forças oportunistas, como o SYN/SYRIZA, no nosso país, e o PEE, na Europa, adoptam idênticas posições e noções artificiais.
O nosso partido acumulou uma grande experiência com a integração da Grécia na União Europeia, que confirma plenamente o que afirmava Lénine relativamente à consigna dos “Estados Unidos da Europa”: “Os Estados Unidos da Europa, sob o capitalismo, ou são impossíveis ou são reaccionários”50. Consideramos que esta união não pode mudar por dentro, como defendem os oportunistas do Partido da Esquerda Europeia (PEE) e os sociaisdemocratas europeus, porque “o carácter reaccionário dos processos económicos da unificação capitalista europeia se reflecte também no carácter reaccionário das suas instituições”51. Daí, a luta por uma economia em benefício do povo, a luta por um confronto ao nível do poder de estado, ligada à luta pela libertação das amarras da NATO e da UE.
Os comunistas e as forças que lutam contra o capitalismo em geral têm o dever de se opor e de organizar a luta popular contra as uniões imperialistas no seu conjunto. A UE não pode desempenhar o papel de contrapeso aos Estados Unidos; também as uniões que têm como “motor” outros estados capitalistas não vão poder desempenhar um papel positivo na “limitação” e prevenção das contradições imperialistas, mas podem provocar um reordenamento na pirâmide imperialista mundial52.
Este reordenamento não pode tornar a humanidade “mais democrática” ou “mais pacífica”. O nosso partido considera que “à medida que se generaliza a tendência para a separação das uniões imperialistas, verificarseá a necessidade de cooperações bilaterais, multilaterais e regionais, numa base antiimperialista. Uma questão imediata e crucial é a contribuição de cada movimento para a aceleração desta tendência, para o enfraquecimento do imperialismo e das suas uniões”53.
Por isso, insistimos em que “o movimento operário tem de dizer NÃO aos centros imperialistas, independentemente da sua sede geográfica”54 e prosseguir a sua luta na base dos interesses e necessidades dos trabalhadores, sem perder a sua perspectiva, que é o derrubamento do capitalismo e a construção do socialismo.
Este princípio deve ser tido em conta também pelas forças comunistas no poder. Nenhum tipo de relações económicas interestatais com as economias capitalistas, na base do benefício mútuo, poderá ser ideologizado. Ao mesmo tempo, devem procurar a máxima autosuficiência para a economia socialista do seu país, porque, como correctamente se referiu, é necessária“uma economia planificada, a fim de garantir a autosuficiência da economia popular e impedir que volte a ser um instrumento da economia capitalista”55.
É possível a existência de uniões interestatais em benefício do povo? À medida que se fortaleça o movimento antiimperialista, a luta de classes e o conflito com os compromissos e organizações imperialistas, desenvolverseão processos revolucionários positivos que vão, sem dúvida, dirigir a situação revolucionária, abrindo uma vez mais o caminho para a vitória do socialismo num ou mais países. Os esforços conjuntos dos países socialistas é a única base sócioeconómica e política progressista que pode existir na nossa época, ou seja, a base de princípios do socialismo. Contudo, para abrir o caminho à revolução social e à construção socialista é necessário, nas condições actuais, travar uma firme luta contra todas as potências ou organizações imperialistas, independentemente das suas “cores” nacionais, internacionais e interestatais. Por isso, não é suficiente só a vontade de lutar, mas também uma forte orientação de classe nas relações e acontecimentos internacionais. Conclusões - A posição dos comunistas face às organizações interestatais deve assentar num enfoque de classe.
- Enquanto a URSS e os restantes países socialistas participaram na ONU foi possível impedir, em certa medida, os planos imperialistas e adoptar várias resoluções que ajudaram as pessoas. Contudo, depois da guerra, o bloco imperialista reagrupou as suas forças, criando um conjunto de uniões políticas, económicas e militares que permitiram ignorar a resistência da URSS e dos movimentos populares e promover os seus próprios planos.
- A posição dos comunistas para com a ONU não deve permanecer inalterável; deve ter em conta o equilíbrio de forças dentro da ONU que, hoje em dia, dada a ausência da URSS, está claramente a favor do imperialismo.
- O direito internacional como o conhecemos quando existia a URSS já não existe. Todavia, os povos e os movimentos populares podem apelar às resoluções justas que se tomaram no período em que existia a URSS e os outros países socialistas. Mas, à medida que surgem novas resoluções que servem cinicamente os interesses dos imperialistas, aquelas perdem a sua importância.
- Os pontos de vista sobre o mundo “multipolar”, a “democratização” e a “nova arquitectura” nas relações internacionais semeiam ilusões sobre a natureza do sistema imperialista, colocando uma máscara de “humanização” por cima da barbárie imperialista.
- As contradições entre os imperialistas no passado causaram dezenas de conflitos locais e regionais, assim como duas guerras mundiais. Estas contradições vão continuar a provocar difíceis conflitos económicos, políticos e militares, independentemente do funcionamento das organizações internacionais de segurança, que não são capazes de os prevenir. Por outro lado, “a guerra é uma continuação da política por outros (violentos) meios”56. A única esperança para os povos é a firme luta antiimperialista, numa frente comum contra o imperialismo e as suas uniões e não as ilusões de um mundo “de governo democrático do capitalismo”. Esta luta está inextrincavelmente ligada à luta pelo derrube do capitalismo e a construção do socialismo.
- As uniões imperialistas, como a União Europeia ou outras que possam surgir, tendo como forças motrizes grandes potências imperialistas como a Rússia, não podem substituir o papel pacífico que a URSS desempenhava no passado. Devido à sua natureza de classe, elas são predadores que golpeiam os povos e os seus movimentos junto com outros imperialistas e competem pela repartição dos lucros.
- Os povos, os movimentos antiimperialistas, os partidos comunistas, os países que estão a tentar construir o socialismo devem ter em conta as contradições interimperialistas referidas e utilizálas, se possível for. Devem, contudo, repudiar as ilusões sobre as verdadeiras intenções das potências e uniões imperialistas.
- O movimento comunista internacional deve tirar conclusões importantes relativamente à linha de “coexistência pacífica” implantada depois do XX Congresso do PCUS, semeando ilusões sobre o imperialismo e o seu carácter agressivo. Estas ilusões são também evidentes em muitos partidos comunistas e levam à adesão institucionalista às posições das Nações Unidas e de outras instituições e organizações imperialistas.
* Artigo publicado no n.º 6 da revista teórica do KKE “Revista Comunista”, em 2009 |
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