Fiasco dos agentes secretos franceses em Homs, Síria (20fev2012)
Por Boris Vian [*]
Persuadido de que não havia grupos terroristas, mas uma revolução reprimida em sangue, tinha recusado a proteção dos serviços de segurança e não usava capacete nem colete antibalas. Com outros colegas que partilhavam as suas convicções, alugaram três micro-ônibus e encontraram "pontos fixos", quer dizer, pessoas locais capazes de ajudá-los a encontrar pontos de referência, a marcar encontros e serviços de tradutores.
Quem atirou?
Para a imprensa francesa os fatos não foram tão evidentes como parecia: persiste uma dúvida sobre a identificação dos projéteis mortais. Segundo a maior parte dos repórteres, tratava-se de tiros de morteiros. O exército sírio confirma que esta arma é quotidianamente utilizada pelos terroristas em Homs. Mas segundo alguns testemunhos, foram foguetes atirados a partir de um lança-foguetes portátil, e a televisão privada síria Ad-Dúnia mostrou as asas do foguete. Há quem se apaixone por este assunto, não sem segundas intenções. Em França, os anti-Assad acreditam no morteiro e acusam o exército sírio de o ter atirado. Enquanto que os pró-Assad acreditam no foguete e acusam os terroristas. Em definitivo, este detalhe não prova nada: é certo que o exército sírio utiliza morteiros, mas não deste calibre e os grupos armados utilizam lança-foguetes, mas nada impede cada campo de variar o seu armamento.
Reconhecimento dos jornalistas
Ao invés de autópsia, operação de cobertura
Enquanto Paris acusa Damasco de ter organizado o assassínio do jornalista da France-Télévisions, Gilles Jacquier, em Homs, uma equipa de jornalistas russos acaba de apresentar uma outra versão diferente dos fatos. Segundo o seu inquérito, o senhor Jacquier comandava, sob a cobertura da imprensa, uma operação dos serviços secretos militares franceses que redundou em fiasco. As acusações francesas não passam de uma forma de mascarar a responsabilidade de Paris nas ações terroristas empreendidas para desestabilizar a Síria.
Réseau Voltaire / Moscou (Rússia) / 17 de janeiro 2012
O jornalista francês Gilles Jacquier foi morto quando fazia uma reportagem em Homs, na quarta-feira, 11 de janeiro. Tinha ido cobrir os acontecimentos na Síria para o magazine Envoyé spécial.
Morte acidental?
Persuadido de que não havia grupos terroristas, mas uma revolução reprimida em sangue, tinha recusado a proteção dos serviços de segurança e não usava capacete nem colete antibalas. Com outros colegas que partilhavam as suas convicções, alugaram três micro-ônibus e encontraram "pontos fixos", quer dizer, pessoas locais capazes de ajudá-los a encontrar pontos de referência, a marcar encontros e serviços de tradutores.
Todos em conjunto tinham pedido para encontrar-se com representantes alauitas antes de se dirigirem para os bairros revoltados de Bab Amr e Bab Sbah. Chegados ao Hotel As-Safir, tinham reencontrado por acaso um capitão que lhes propôs acompanhá-los com o seu destacamento até ao bairro alauita de Najha onde eram esperados por um assistente do governo de Homs. Com a sua ajuda, os jornalistas puderam encontrar personalidades e interrogar as pessoas na rua. Às 14:45 horas, a representante do governo tinha-lhes pedido que abandonassem o local o mais depressa possível, pois o cessar-fogo acabava de fato, em cada dia, às 15 horas precisas. No entanto, os jornalistas da rádio televisão belga flamenga (VRT) tinham-se aventurado mais longe em casas particulares até ao bairro de Akrama, pelo que o grupo demorou mais tempo a sair dali. Membros da associação das vítimas do terrorismo que tinham previsto manifestar-se em frente de um carro alugado pelo Ministério da Informação para cerca de quarenta jornalistas anglo-saxões, mas que não os tinham encontrado, acharam que seria útil gritarem slogans pelo presidente Bachar em frente das câmaras de televisão que ali se encontravam. Às 15 horas, como em cada dia, a batalha de Homs recomeçou. Um projétil explodiu no terraço de um edifício, destruindo um reservatório de óleo lubrificante. Um segundo projétil caiu sobre uma escola, depois um terceiro sobre os manifestantes pró-Assad, matando dois deles. Os jornalistas subiram ao terraço para filmar os estragos. Houve uma acalmia. Gilles Jacquier, pensando que os tiros tinham acabado, desceu com o seu ajudante para ir filmar os cadáveres dos manifestantes. Chegado ao vão da porta foi morto com seis militantes pró-Assad por uma quarta explosão, que o projetou sobre a pessoa que lhe servia de guia. Essa jovem foi ferida nas pernas.
Na confusão geral, o morto e a ferida foram evacuados em carros para o hospital. Este incidente fez nove mortos no total e vinte e cinco feridos.
A batalha de Homs prosseguiu com numerosos outros incidentes durante a tarde e a noite. À primeira vista, tudo era claro: Gilles Jacquier tinha morrido por acaso. Encontrava-se no lugar errado no momento errado. Sobretudo, as suas convicções sobre a natureza dos acontecimentos na Síria levaram-no a acreditar que só devia recear as forças governamentais e que não corria nenhum risco fora das manifestações antirregime. Por isso tinha recusado uma escolta, não tinha usado capacete e colete antibalas, não tinha respeitado a hora fatídica do fim do cessar-fogo. Definitivamente, não tinha sabido avaliar a situação, porque foi vítima da diferença entre a propaganda dos seus colegas e a realidade que ele negava.
Nestas condições, não se compreende muito bem porquê, depois de uma primeira reação de cortesia, a França, que tinha legitimamente exigido um inquérito às circunstâncias da morte do seu cidadão nacional, insinuou subitamente que Gilles Jacquier tinha sido assassinado pelos sírios e recusou que a autópsia tivesse lugar no local em presença dos seus especialistas. Estas acusações foram publicamente explicitadas por um dos jornalistas que acompanhavam Jacquier, Jacques Duplessy.
Quem atirou?
Para a imprensa francesa os fatos não foram tão evidentes como parecia: persiste uma dúvida sobre a identificação dos projéteis mortais. Segundo a maior parte dos repórteres, tratava-se de tiros de morteiros. O exército sírio confirma que esta arma é quotidianamente utilizada pelos terroristas em Homs. Mas segundo alguns testemunhos, foram foguetes atirados a partir de um lança-foguetes portátil, e a televisão privada síria Ad-Dúnia mostrou as asas do foguete. Há quem se apaixone por este assunto, não sem segundas intenções. Em França, os anti-Assad acreditam no morteiro e acusam o exército sírio de o ter atirado. Enquanto que os pró-Assad acreditam no foguete e acusam os terroristas. Em definitivo, este detalhe não prova nada: é certo que o exército sírio utiliza morteiros, mas não deste calibre e os grupos armados utilizam lança-foguetes, mas nada impede cada campo de variar o seu armamento.
De resto, se é que se tratou de tiros de morteiro, os dois primeiros permitiram ajustar o tiro do terceiro e quarto para atingir os manifestantes que eram o seu alvo. Mas se se tratava de tiros de foguete, era possível visar com muito mais precisão e matar uma pessoa em particular. A tese do assassínio tornava-se possível.
O estudo das imagens e dos vídeos mostra que os corpos das vítimas não estão ensanguentados e crivados de estilhaços, como quando da explosão de um obus que se fragmenta. Pelo contrário, eles estão intactos, correndo o sangue, segundo os casos, pelo nariz e os ouvidos, como quando da explosão de um foguete termobárico, cujo impacto comprime os órgãos provocando hemorragias internas. Da mesma forma, os pontos de impacto sobre o passeio não indicam nenhum traço de fragmentação.
Note-se que certos testemunhos falam de granadas, o que não faz de modo nenhum avançar a nossa compreensão, porque existem granadas de sopro e granadas de fragmentação. Em definitivo, só a hipóteses de arma de sopro (RPG ou granada) é compatível com os elementos médico-legais visíveis nas fotos e vídeos. Acorrendo ao local, os investigadores sírios e os observadores da Liga Árabe encontraram caudas de morteiro de 82 mm e uma cauda de foguete de fabrico israelense.
Por consequência, as autoridades francesas têm razão para estudar a possibilidade do assassínio, mesmo quando se trata para eles de aproveitar um drama para instrumentalizar e justificar a sua ambição de guerra contra a Síria. Portanto, os diplomatas franceses, se tiverem por objetivo procurar a verdade, têm também manifestamente o objetivo de assegurar-se de que os sírios não a descubram. Assim, impediram todos os francófonos de se aproximarem da fotógrafa Caroline Poiron, companheira do jornalista Gilles Jacquier, que velava o seu corpo durante toda a noite. A jovem, em estado de choque, não conseguia dominar o seu comportamento e teria muito que dizer.
Depois, proibiram a autópsia no local e repatriaram o corpo o mais depressa possível. Qual é, portanto, a hipótese por que a França quer verificar sozinha, mas esconder do grande público?
Reconhecimento dos jornalistas
Aqui começa o nosso mergulho no mundo dos serviços especiais ocidentais que conduzem na Síria uma "guerra de baixa intensidade", comparável às que foram organizadas nos anos oitenta na América Central ou, mais recentemente, na Líbia, para preparar e justificar a intervenção da NATO.
Gilles Jacquier era um repórter apreciado pelos seus colegas e premiado profissionalmente (Prémio Albert Londres, Prémio dos correspondentes de guerra, etc.). Mas não era só isto…
Numa carta com o cabeçalho de France-Télévisions, datada de 1 de dezembro de 2011 , as redatoras chefes da revista Envoyé spécial – a emissão política mais vista no país – tinham solicitado um visto do ministério sírio da informação [1] . Pretendendo querer verificar a versão síria dos acontecimentos segundo a qual "os soldados do exército sírio são vítimas de emboscadas e de grupos armados que grassam pelo país" elas pediam que Jacquier pudesse seguir o quotidiano dos soldados da 4.ª divisão blindada, comandada pelo general Maher-el-Assad (irmão do presidente) e da 18.ª divisão blindada, comandada pelo general Wajih Mahmud. As autoridades sírias ficaram surpreendidas pela arrogância dos franceses: por um lado, enquadram grupos armados que atacam as tropas leais, por outro pretendem infiltrar um agente da informação militar nas suas tropas, para informar os grupos armados das suas deslocações. Não foi dado seguimento a este pedido.
Assim, Gilles Jacquier tentou uma outra via. Pediu a intermediação de uma religiosa greco-católica de linguagem franca, estimada e por vezes temida pelo poder, Madre Agnès-Mariam de la Croix, com um cargo de direção no Mosteiro Saint-Jacques de l'Intercis. Ela tinha facilitado a primeira viagem da imprensa aberta aos jornalistas ocidentais. A célebre religiosa pressionou portanto o Ministério da Informação, até à obtenção de um visto para Jacquier e o seu acompanhante.
As coisas aceleraram-se em 20 de Dezembro – outros veículos de comunicação pediram à Madre Agnès- Mariam que lhes obtivesse o mesmo favor. Quanto a Gilles Jacquier, este solicitou outro visto para a sua companheira, a fotógrafa Caroline Poiron, e para a repórter Flora Olive, representando as duas o Paris-Match. No total, devia ser um grupo de quinze jornalistas franceses, belgas, holandeses e suíços. Com toda a verossimilhança, os franceses e os holandeses eram na maior parte, ou todos, agentes da DGSE [2] . Havia urgência na sua missão.
Ao invés de autópsia, operação de cobertura
Aqui, é indispensável fazer uma pequena retrospectiva:
Para enfraquecer a Síria, os grupos armados pela NATO empreendem diversas ações de sabotagem. Embora o centro histórico da rebelião dos irmãos muçulmanos seja Hama, e que só dois quarteirões de Homs os apoiem, a NATO escolheu esta cidade para concentrar as suas ações secretas. Com efeito, ela está no centro do país e constitui o principal nó de comunicação e de abastecimento. Sucessivamente, os "revolucionários" cortaram o oleoduto, depois os engenheiros canadenses que dirigiam a central elétrica foram repatriados a pedido dos Estados Unidos. Enfim, cinco engenheiros iranianos encarregados de fazer voltar a funcionar a central foram retirados em 20 de dezembro de 2011.
Os veículos de comunicação receberam uma reivindicação de uma misteriosa brigada contra a expansão chiita na Síria. Depois, a embaixada confirmou ter iniciado uma negociação com os raptores de reféns. Bastava que estes transmitissem uma "prova de vida", por exemplo uma fotografia datada dos reféns de boa saúde. Contra toda a expetativa, esta não foi enviada diretamente à República Islâmica, mas publicada pelo Paris-Match (edição de 5 de janeiro). Um fotógrafo da revista, dizia-se, tinha conseguido entrar secretamente na Síria e realizar essa foto. Talvez os leitores franceses se tivessem interrogado se esse repórter era realmente humano para tirar fotografias de reféns sem lhes ter prestado auxílio. Pouco importa, a mensagem era clara: os engenheiros estão vivos e os raptores de reféns são controlados pelos serviços franceses. Nenhuma reação oficial nem de um lado nem do outro. Era portanto porque as negociações continuavam.
Chegados a Damasco, os veículos de comunicação franceses e holandeses foram alojados pelas autoridades em hotéis diferentes, mas Jacquier reagrupou-os imediatamente no Fardos Tower Hotel. O diretor deste estabelecimento não é outro senão Roula Rikbi, a irmã de Bassma Kodmani, porta-voz do Conselho Nacional, com base em Paris. O hotel serve de esconderijo aos serviços secretos franceses.
Em resumo, um agente de informação militar, tendo por companhia um fotógrafo cujo colega conseguiu entrar em contato com os reféns, formou um grupo de "jornalistas" com uma missão ligada aos reféns, provavelmente a sua entrega por franceses aos iranianos. Dirigiram-se a Homs depois de se terem desembaraçado dos serviços de segurança, mas o chefe da missão foi morto antes de poder estabelecer o contato previsto.
Compreende-se que, nestas condições, o embaixador da França se tenha tornado nervoso. Ele tinha o direito de considerar que Gilles Jacquier tivesse sido assassinado por membros dos grupos armados, inquietos com a deslocação da aliança militar França-Turquia, e extremistas de uma guerra da NATO. Hostis à negociação em curso, teriam feito ir por água abaixo a sua conclusão.
O embaixador da França, que não tinha tido tempo de reconstituir os acontecimentos, esforçou-se portanto para impedir que os sírios o fizessem. Contrariamente às normas internacionais, recusou que a autópsia fosse realizada no local, em presença do especialista francês. Os sírios aceitaram infringir essa regra, com a condição de fazerem uma radiografia. Na realidade, eles aproveitaram para fotografar o cadáver sob todos os ângulos. Segundo as nossas informações, o corpo apresenta vestígios de estilhaços no peito e de cortes na fronte.
Depois, o embaixador levou nos seus carros blindados os "jornalistas" franceses e o holandês, e os restos mortais do defunto. Partiu com eles acompanhado por uma forte escolta, deixando em terra a Madre superiora estupefata e um jornalista da Agência France Presse: o diplomata apressado tinha recuperado os seus agentes e abandonado os civis. Os carros blindados foram recuperar as bagagens de cada um ao hotel As-Safir de Homs, depois regressaram à embaixada em Damasco. O mais depressa possível, chegaram ao aeroporto, onde um avião especial fretado pelo Ministério francês da Defesa evacuou os agentes para o aeroporto de Paris-Le Bourget. Os agentes secretos não fingiram mais realizar as reportagens na Síria, esqueceram-se de ter obtido um prolongamento do seu visto, e fugiram à justa antes que os sírios descobrissem o arranjinho desta operação falhada. Chegado a Paris, o corpo foi imediatamente transferido para o instituto médico-legal e autopsiado, antes da chegada dos peritos mandatados pela Síria. Violando os processos penais, o governo francês invalidou o relatório da autópsia, que cedo ou tarde seria rejeitado pela Justiça, e afastou definitivamente a possibilidade de estabelecer a verdade.
A fim de impedir os jornalistas franceses (os verdadeiros) de meter o nariz nesta questão, os jornalistas (os falsos) que acompanhavam Jacquier, uma vez regressados a França, multiplicaram-se em declarações contraditórias, mentindo de maneira desavergonhada, para criar a confusão e mascarar a verdade. Assim, embora oito manifestantes pró-Assad tenham sido mortos, Jacques Duplessy denuncia "uma cilada montada pelas autoridades sírias" para eliminá-lo com os seus colegas. Verificado isto, o senhor Duplessy trabalhou afincadamente para uma ONG, conhecida por ter servido de biombo …à DGSE. Para os iranianos e os sírios, a morte de Jacquier é uma catástrofe. Deixando circular o grupo de espiões franceses e vigiando-o discretamente, esperavam chegar aos raptores e, ao mesmo tempo, libertar os reféns e prender os criminosos.
Desde há um ano, os serviços secretos militares franceses foram postos ao serviço do imperialismo estadunidense. Organizaram um início de guerra civil na Costa do Marfim. Em seguida, manipularam o separatismo da Cirenaica, para dar a ideia de uma revolução anti-Kadhafi e apoderar-se da Líbia. Agora, enquadram os cadastrados recrutados pelo Qatar e a Arábia Saudita para semear o terror, acusar o governo sírio e ameaçar com a sua mudança. Não é certo que o povo francês gostasse de saber que Nicolas Sarkozy rebaixou o seu país ao nível de um vulgar raptor de reféns. Não devemos admirar-nos se um Estado que pratica o terrorismo em terra alheia, se venha a confrontar um dia com ele na sua própria terra.
13/Fevereiro/2012
NT
[1] Este documento pode ser visto no final da página do sítio em referência
[2] Direção Geral da Segurança Exterior – serviço do Estado francês, sob a autoridade do poder executivo, que tem por objetivo a proteção dos interesses franceses, designadamente a proteção dos cidadãos franceses em qualquer parte do mundo.
[*] Correspondente do Komsomolskaya Pravda em Damasco
O original encontra-se no sítio Komsomolskaya Pravda, a versão francesa em New Orient News (Líbano) e no sítio Voltairenet, a tradução de MT do francês para português no sítio Pelo Socialismo..Este artigo encontra-se no sítio Resistir. Eu, Aquiles, fiz algumas interferências na tradução, abrasileirando-a.
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