domingo, 5 de fevereiro de 2012

Cidadão, sabe que a Rede Echelon pode estar te filmando?!

Silvio Potengy (*)
Segurança Nacional, segundo a Escola Superior de Guerra, é conceituada da seguinte forma: “A
Segurança Nacional é a garantia relativa, para a Nação, da conquista e manutenção dos seus
objetivos permanentes, proporcionada pelo emprego do seu Poder Nacional”.
Um dos temas em debate hoje, em todo o mundo, é sobre até que ponto a Segurança Nacional dos
Estados tem sido afetada sem que saibamos. O fato novo que gerou toda essa discussão foi um
projeto conhecido como Rede Echelon.
Esse projeto, em fevereiro do corrente ano, deu início a uma polêmica de múltiplas dimensões.
Interesses políticos, estratégicos e comerciais, além da condução da política pública e análise de
aspectos legais, passaram a ser alvo de preocupação de estudiosos, empresários e homens públicos
em todos os continentes.
Mas, afinal, o que vem a ser esse projeto? Qual será o motivo para tanta preocupação?
Há pouco mais de meio século, foi firmado o US 1948 Intelligence Cooperation Agreement
(Acordo de Cooperação de Inteligência), envolvendo Estados Unidos, Reino Unido, Canadá,
Austrália e Nova Zelândia.
Nos anos 60, as redes de vigilância eram encaradas com naturalidade sob o ponto de vista da
segurança nacional das nações ocidentais. Ao mesmo tempo em que eram feitas as interceptações
e escutas de telecomunicações soviéticas, algumas poucas comunicações aliadas podem ter sido
interceptadas acidentalmente. Ninguém foi alertado para essa possibilidade e, caso viessem a tomar
conhecimento, não protestariam de forma veemente. Entretanto, havia uma grande diferença: o
Echelon ainda não existia.
Com o início da dissolução da União Soviética, no final dos anos 80, as prioridades começaram a
mudar. Já não havia a necessidade premente de manter-se uma vigilância tão forte como antes. As
prioridades foram reordenadas com interesse maior para a área econômica. Foi quando o Echelon
começou a ser motivo de preocupação para todos.
O Echelon é um sistema de vigilância, instalado e operado pela NSA - US National Security
Agency (Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos) -, com excepcional capacidade para
interceptar, localizar, ouvir, gravar e decodificar mensagens. Sua eficácia é lendária, quase um mito.
James Bamford, autor do livro The Puzzle Palace (1982), publicou um artigo em 28 de agosto
de 1998, no qual apresentava pela primeira vez um balanço detalhado das operações da NSA,
demonstrando a queda do ritmo de produção da agência, com as seguintes palavras: “Ao final da
guerra fria, a Agência era capaz de reportar apenas 20% do processo de toda a informação obtida.
Na metade da década de 90, esse volume de disseminação de informações caiu para 1%, quase
nulo”.
O US News and World Report, em sua edição de 14 de fevereiro de 2000, pintou um quadro
apocalíptico da operação do NSA, creditando a sua queda de produção ao catastrófico espírito
burocrático.
Nessa seqüência de fatos, Donald Campbell, do Reino Unido, submeteu um relatório ao Parlamento
Europeu, em 23 de fevereiro de 2000, detalhando certas atuações não usuais da NSA.
Uma delas foi a interceptação de uma comunicação de uma empresa européia anunciando o
pagamento de comissões para intermediários com o objetivo de vencer uma colossal concorrência
internacional de aeronaves. A NSA passou essa informação a uma empresa americana, que retificou
seus preços e suas comissões e venceu a concorrência que era da ordem de 10 bilhões de dólares.
Tudo isso, entretanto, não explica como foi que Echelon veio a se tornar de conhecimento público
e um objeto de intrigas, incitando a curiosidade mundial. Aqueles fatos foram algumas das peças de
um “quebra-cabeças” que aos poucos vai tomando forma.
O Echelon foi realmente exposto através dos insistentes e persistentes esforços de um grupo de
usuários da Internet, cuja causa foi assumida por um representante do Partido Republicano, Bob
Carr, oficial aposentado da CIA, em meados de 1999.
Esta ação levou ao conhecimento do público em geral, a existência do Echelon, através da
colocação na rede Internet, em fevereiro de 2000, de documentações da NSA, obtidas sob a
proteção do Freedom of Information Act.
Agora o Echelon está sob ataque: na Europa onde uma ação pode ser movida pela Comissão
Européia; em vários países (França, Itália, Dinamarca e Japão) onde procedimentos legais podem
ser iniciados contra a NSA; e nos Estados Unidos onde a House of Representatives marcou
audiências sobre a atuação do Echelon.
Mas qual é o ponto crucial do problema? Porque os internautas americanos querem mover uma
ação contra o Echelon? A resposta é simples: eles se tornaram o alvo desse sistema de vigilância
(monitoramento da Internet, interceptação de e-mail, etc.).
A lista, elaborada pelo Professor Simpson da American University of New York, de palavras chave
usadas pela NSA (palavras usadas para seleção de mensagens a serem interceptadas e analisadas)
mostram a orientação política doméstica que a Agência tem recebido (a NSA não tem direito de
operar em território americano).
Palavras como “Clinton”, “Vince Foster”, “Militia”, “Davidian”, “Abolish the Federal Reserve”,
etc. são imediatamente interceptadas e rastreadas pelos supercomputadores do Echelon.
Isso dá uma clara noção do quanto a privacidade e a liberdade de opinião estão sendo colocadas em
risco.
Se as telecomunicações estão sendo monitoradas até o ponto em que mesmo o seu computador
pessoal não está livre de ser investigado, se palavras-chave de cunho político ou econômico, ao
serem pronunciadas ou digitadas, não têm a necessária salvaguarda e são interceptadas, e se essas
informações, ao serem colhidas, podem ser usadas para fins políticos ou comerciais, então como
ficará a segurança nacional? Até que ponto as informações que pensamos estar protegidas não são
do conhecimento alheio?
A atividade de coleta de informações é tão antiga quanto a existência da humanidade. O que
faz a diferença em nossos dias é o nível de sofisticação que os equipamentos terrestres, aéreos e
aeroespaciais podem atingir.
Alguns poderão apelar para o “direito” que as Nações têm de não sofrerem ingerências externas
nos assuntos internos. Outros apelarão para a necessidade de serem observados princípios éticos
na condução de negociações comerciais entre as partes. Haverá até quem acuse o agente que coleta
as informações de cometer ato ilícito de espionagem. De qualquer modo, essas atitudes não irão
resolver o problema.
É fundamental que todos tenhamos a exata noção de nossas vulnerabilidades. Esse é o primeiro
passo que deve ser dado. Uma vez conscientes disto, já teremos, pelo menos, condições de dificultar
a coleta de dados que sejam sensíveis, sendo mais cuidadosos.
Outro passo a ser dado é desenvolver com nossos próprios recursos humanos e materiais,
dispositivos que possam ser bloqueadores e codificadores de nossos meios de telecomunicações
mais sensíveis.
Em nenhuma hipótese devemos admitir a colaboração de pessoas que não sejam brasileiros natos
ou a importação de tecnologia e equipamentos de segurança oriundos de outros países. Essa é uma
tarefa que teremos de levar a cabo sozinhos, caso contrário não surtirá o efeito desejado.
O último passo será dotar o nosso país com ferramentas eficazes de coleta de informações,
diminuindo a imensa defasagem hoje existente.
O Echelon constitui um elevado fator de risco para a soberania de qualquer país, isso é inegável.
Entretanto, o verdadeiro perigo está em ficarmos imóveis, omissos, sem encararmos o problema de
frente e buscarmos soluções concretas para nossa proteção.
Não será uma rede de vigilância que irá impossibilitar o nosso País de conquistar e manter os
objetivos nacionais.
Nosso futuro depende e dependerá sempre apenas de nós!
(*) Coronel Aviador da Reserva – Membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra –
Adjunto da Divisão de Assuntos Militares.
Revista da Escola Superior de Guerra, Rio de Janeiro, Ano XVII, nº 39, 2000.
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