sábado, 10 de dezembro de 2011

Manipulação contra-revolucionária na Bolívia?!

 

A conspiração e o molho pequeno-burguês






Marcos Domich

10.Dez.11 :: Colaboradores

Marcos DomichEntre as dificuldades e contradições com que o processo boliviano se vem defrontando, uma é clássica: o papel da pequena burguesia. Sector instável da sociedade por excelência, a sua intervenção prática e a sua ideologia constituem, em regra, uma reserva de acção através da qual a grande burguesia e o imperialismo tomam posições, em muitos casos a coberto de uma fraseologia “de esquerda”.


Desde o início, desde 15 de Agosto – quando começou a marcha de indígenas contra o projecto de construção da estrada de Villa Tunari (Cochabamba) a San Ignacio de Moxos (Beni) – era claro que os que se armam em dirigentes (A. Chávez, F. Vargas, Quispe e outros) não queriam nenhum acordo com o governo. O seu plano conspirativo definia uma meta: chegar a La Paz e entrar na Praça Murillo. Qual era o objectivo final? Nenhum outro que não fosse desencadear uma situação de desordem, de comoção social e tentar a possibilidade de um assalto ao Palácio Quemado e proclamar o derrubamento do governo de Evo Morales. Isto, dito de forma tão directa e até brutal não é o resultado de algum relatório de um serviço de informações, é uma dedução desenvolvida a partir da história do nosso país, da prática política, da experiência dos avatares da política boliviana; uma conclusão vendo a forma como evoluiu o presente conflito. Mas é, sobretudo, tomar em conta e conhecer a política e os objectivos do imperialismo. Que não aceita que ninguém ouse pôr em causa a sua força e a sua dominação, a sua “liderança”, como gostam de dizer.
O conflito actual (a marcha e a polémica em torno da estrada) faz parte e eventualmente será apenas uma variante dos planos faz tempo delineados para perturbar o governo de Evo Morales, para o “desgastar”, para diminuir a sua reputação e o seu prestígio; para questionar os seus planos e as suas acções de governo; para desvalorizar os seus êxitos; para minimizar e até ridicularizar os seus projectos. A recusa sistemática das propostas de análise e de diálogo acerca do Troço II da estrada por parte dos dirigentes da marcha tornou absolutamente evidente que não querem chegar a nenhum acordo. Recorrem até a pretextos ridículos, para além de falsos, como o invocarem que foram convidados a ir ao Palácio do Governo, sede da presidência, e portanto negarem-se a um encontro com o Presidente no edifício da vice-presidência.
Tudo isto tornaria impossível apresentar como “aceitáveis” estas atitudes se não existisse uma poderosa bateria de meios de comunicação – televisão, rádios, jornais de direita – que concertadamente aplaudem, difundem e até acrescentam da sua lavra exigências e condutas que sabem ser inaceitáveis. Não vamos acrescentar pormenores sobre este assunto que está degradar e a ridicularizar a imagem da Bolívia, no seu conjunto, perante as pessoas sensatas e a opinião pública internacional. O disparate está a converter-nos num país de opereta, numa republiqueta absurda, num Estado falhado. Está a desbaratar as gloriosas e pioneiras tradições da luta de resistência indígena e mestiça contra o jugo estrangeiro; da guerra pela independência nacional; das épicas jornadas nas quais tiranos e traidores foram derrubados; da luta pela libertação nacional e social e da luta contra o neoliberalismo. Até sectores da classe operária – que foi a portadora da consciência política mais avançada da sociedade boliviana – parecem hoje confusos e desorientados face aos acontecimentos. A sua mais alta direcção, a burocracia da COB, juntou-se de forma detestável e oportunista ao coro da reacção nativa e do imperialismo. A base indígena e camponesa mostra fracturas muito sérias. Assumindo bandeiras radicalmente indigenistas afastam-se da condução de um governo que tem à frente um indígena. Neste ambiente até um movimento contrarrevolucionário poderia impor-se, ainda que apenas momentaneamente. Dizemos momentaneamente porque ficariam de imediato expostos a falsidade do seu carácter político, os seus vínculos com o imperialismo que os sustenta e com a direita mais reacionária e antidemocrática do país, e com a oligarquia. Não faltariam elementos infiltrados no governo a facilitar o movimento contrarrevolucionário.
Como em todos os movimentos deste tipo, está presente o adereço “esquerdista” e ultraesquerdista. Desavergonhadamente, os trotskistas, os anarquistas e os anarco-sindicalistas, ex-socialistas, indigenistas anticomunistas e todo um largo leque de dissidentes e “decepcionados”, “descoroçoados”, constituem os principais incentivadores desta máquina contrarrevolucionária. É evidente que o governo cometeu erros, antes e agora; erros de actuação e também de confusão na clareza política e ideológica que deveria conduzir a sua acção. No entanto, nada está perdido. Há que tomar medidas urgentes para reagrupar forças que sinceramente estão a favor de uma Mudança revolucionária de largo horizonte, ainda que sem precipitações ou radicalismos que podem ser igualmente negativos. Não faltam ao processo reservas sociais e a possibilidade de recuperar a correlação de forças necessária par seguir em frente.
Superada esta conjuntura, complexo mas não insolúvel, há que empreender uma luta decidida contra os desvios de carácter pequeno-burguês que, parecendo embora apoiar-se em princípios, o que consegue e facto é prejudicar os processos de mudança e as transformações revolucionárias. A sua missão parece ser a de fornecer o verniz que torne aceitável a contra-revolução e a própria ingerência imperialista.
É difícil de explicitar, para cada indivíduo, os meandros ideológicos e psicológicos que tomam conta da sua cabeça, mas há traços que se repetem no conjunto. Isto permite que se fale de parcelas da consciência social que se poderiam dizer afectadas pelo desequilíbrio cognitivo e emocional que conduz a suas acções na prática política concreta. Mas o mais importante é determinar as circunstâncias e condições que geram as suas ideias e a sua prática. A pequena burguesia é a classe dos pequenos proprietários. Engels, grande observador da prática política dos indivíduos, dizia que as ideias e a actuação dos pequeno-burgueses têm a dimensão dos seus negócios. Todo esse conjunto humano a que se costuma chamar “classe média” é constituído em grande parte pela pequena burguesia. As suas aspirações, a sua mentalidade e as suas acções têm o cunho dessa “pequena” dimensão. Mas a sua conduta, e também a sua prática política, são igualmente determinadas pela sua situação topográfica na sociedade: Situar-se entre a “classe alta” e a “classe baixa”, e estar sempre estrebuchando para “subir e não cair”. O sector social que passamos a referir em seguida pertence particularmente a esta última situação.
Trata-se de um estrato social muito peculiar que, em geral, se remete para a “classe média”: a intelectualidade. É um grupo humano interessante, estudado a partir de ângulos de observação diferentes, sobretudo partindo da psicologia pessoal para a psicologia colectiva. É um sector que, juntamente com os estudantes e os profissionais liberais, é necessário trabalhar para o “ganhar” permanentemente para as causas justas e para a causa revolucionária, e para que expresse essa adesão na conduta política diária. É um sector criativo e necessário para se avançar. Mas tem um defeito. É refém das suas ambições pessoais, que nem sempre explicita; é refém da sua psicologia complexa que torna inexplicáveis as suas atitudes instáveis e imprevisíveis. Muitos deles, prisioneiros dos seus projectos pessoais e das suas ambições caem naquilo em que vários caíram agora. É necessário neutraliza-los e, se for o caso, recuperá-los, combatendo os seus desvios e as suas inconsequências. Mas o fundamental é lutar contra a origem dos seus desvios: a sua eclética ideologia pequeno-burguesa.
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