Yaku Perez, candidato indígena da coalizão de esquerda, tem chances reais de chegar ao segundo turno nas próximas eleições presidenciais do dia 7 de fevereiro; Equador expressa nas urnas a continuidade do levantamento popular de outubro de 2019.
Yaku Perez Guartambel nasceu registrado como Carlos Ranulfo, mas alterou seu nome em reconhecimento à sua ancestralidade indígena da nação Quéchua Kichwa-Kañari. É prefeito da região de Azuay (as prefeituras são, de certa maneira, correspondentes aos governos estaduais no Brasil, uma vez que o Equador não é uma unidade federativa), que tem a cidade de Cuenca, ao sul de Guayaquil, como seu maior centro urbano. Yaku tem a marca de uma militância histórica em defesa dos povos indígenas, tendo sido presidente da Ecuanari (Confederação de Povos de Nacionalidade Kichwa) e agora encabeça a lista presidencial que reúne centenas de organizações sociais e os dois maiores partidos de esquerda do país: Pachakutik-Novo País e Unidade Popular (UP).
As próximas eleições para presidente da república e deputados nacionais (chamados de assembleistas) colocaram a figura de Yaku e o programa da esquerda revolucionária, conhecido como Minga por la vida, no centro do debate político e com chances reais de disputar o segundo turno. É uma campanha eleitoral que ocorre em meio a uma grave crise econômica e social. A crise do coronavírus atingiu em cheio a nação do meio do mundo e as imagens dos mortos e contaminados sem atendimento chocaram a todos. Há um nível crescente de desemprego, e o governo do presidente Lenin Moreno responde com mais cortes nas áreas sociais, como saúde e educação, privatizações e reformas neoliberais.
A atitude entreguista e de submissão ao capital estrangeiro do governo de Moreno foi amplamente rechaçada pela população e a incompetência do governo em manejar a saúde pública com os efeitos do coronavírus provocou um rechaço ainda maior. Sem nenhuma credibilidade, Moreno chegou à fenomenal marca de apenas 3% de apoio popular e apenas se manteve no poder pelas restrições de isolamento social impostas pela pandemia.
Uma vez que Lenin Moreno se afastou de seu antigo aliado, Rafael Correa, e tomou para si a sigla eleitoral que ambos coordenavam, Aliança País, o grupo liderado por Correa se reorganizou em um novo partido, o Centro Democrático. Rafael Correa é condenado por corrupção e vive fugitivo na Bélgica, seu ex-vice-presidente está preso, e ele próprio não volta ao país para não ver sua sentença executada. Corre representa ainda, no entanto, uma expectativa em um setor da população, em função das políticas assistencialistas implementadas em seus 10 anos de governo (2007-2017). O Centro Democrático lançou para a presidência o economista Andrés Arauz Galarza, ex-ministro de Correa. Por ter sofrido ataques diretos do presidente Moreno, este acaba por se beneficiar da catástrofe que constitui este governo.
O grupo de Rafael Correa, ainda que consiga apoio para passar ao segundo turno, segue sendo rechaçado pela grande maioria da população em função da enorme corrupção e perseguição aos movimentos populares que protagonizaram em seu governo. Procuram antagonizar com a tradicional direita neoliberal, que lançou o banqueiro e ex-presidente da Coca-cola no país, Guillermo Lasso, do partido CREO (Criando Oportunidades). Lasso foi ministro da economia em um dos governos mais liberais e privatizadores da história do Equador, o de Jamil Mahuad (1998-2000).
Dentro desse difícil contexto, a possibilidade de apresentar um programa popular com chances reais de chegar ao segundo turno é uma vitória importante para o povo do Equador. É possível derrotar as forças políticas que governaram o país nas últimas décadas e levaram o país ao atual estágio de dependência e crise social.
Giovanni Antarihuana, presidente do partido Unidade Popular e candidato a deputado nacional, declarou: “nos propomos a unir o povo para ser governo. Pachakutik tem um candidato, que é Yaku Perez, que surge do campo popular com uma trajetória de luta. O conhecemos e compartilhamos com ele as mesmas lutas e a mesma perseguição promovida pelo governo de Rafael Correa. É um projeto político que vai além da Unidade Popular e do Pachakutik, buscamos ser uma alternativa para os milhões de equatorianos, diferente das forças políticas que já governaram o país, seja em sua versão neoliberal ou na chamada versão progressista. Estamos fazendo um trabalho de base fundamental em meio à pandemia, percorrendo todo o país e conversando com as pessoas. Estamos organizando a luta e resistindo às privatizações impulsionadas por Moreno”.
A nova situação surgida da luta de outubro
É certo dizer que as novas possibilidades de avanço das lutas sociais que ocorrem atualmente no Equador são possíveis pela grande mobilização popular de outubro de 2019, protagonizadas pelos movimentos indígenas das regiões rurais, mas também pelos trabalhadores, mulheres e juventude das grandes cidades.
O levantamento de outubro teve como estopim o anúncio do aumento do preço dos combustíveis, acompanhado de uma série de medidas de corte social e piora nas condições de vida do povo. Os movimentos camponeses responderam imediatamente com uma chamado para o trancamento de rodovias, e marchas multitudinárias que chegaram até a ocupar a sede do parlamento nacional, em Quito.
O governo de Moreno se viu cercado e o presidente fugiu para Guayaquil de onde tentou mitigar as mobilizações. O levantamento tomou contornos de greve geral, com marchas de mulheres, ocupações de universidades e paralisação total das principais cidades do país. Uma unidade potente dos movimentos da cidade e do campo se formou no decurso daquela luta, especialmente nas organizações de autodefesa de jovens que enfrentaram nas ruas toda a violência e repressão policiais. O Partido Comunista Marxista-leninista (PCMLE) e a Juventude Revolucionária do Equador (JRE) tiveram papel de destaque na linha de frente desse combate.
Outubro tem ainda um significado simbólico de vitória popular, uma vez que o governo foi obrigado a revogar as medidas antipopulares e suspender os processos e perseguições aos manifestantes. Os movimentos populares foram suficientemente fortes para lutar e inteligentemente hábeis para negociar de maneira aberta, com transmissão televisiva ao vivo, com os membros do governo, sem se vender nem abrir mão dos direitos fundamentais da população.
O que foi plantado em outubro pode ser colhido agora e nos próximos anos, na medida em que a luta social e o engajamento popular na construção de um projeto socialista e de libertação nacional continuar sendo o foco das forças revolucionárias do Equador.
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