sábado, 11 de janeiro de 2020

Presidente da UP: das jornadas de junho de 2013 à consolidação do golpe em 2018




Presidente da UP: das jornadas de junho de 2013 à consolidação do golpe em 2018

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Enganam-se aqueles que associam as jornadas de junho ao início do golpe de 2016. Ao contrário das manifestações da classe média e da grande burguesia que serviram para derrubar Dilma, as jornadas de junho se iniciam com as lutas contra o aumento das passagens em Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, explodem e tornam-se gigantescas manifestações a partir da forte repressão feita pela Polícia Militar contra os que lutavam. A partir daí, as manifestações se estendem para todo o Brasil e se tornam um grande movimento espontâneo que contou com a participação de milhões de pessoas de diversas classes sociais.
Leonardo Péricles
É Presidente da Unidade Popular – UP, partido que obteve  seu registro eleitoral no ultimo dia 10 de dezembro de 2019.

BRASIL – Para falar do grande acontecimento que foram as jornadas de junho de 2013 no Brasil e seus resultados posteriores, devemos lembrar em que contexto vivia o país naquele período e os acontecimentos vindouros. Lembremos que os governos do PT/PCdoB (2002-2016) conseguiram gerar empregos, o aumento do salário mínimo e  implementar algumas políticas sociais importantes como Bolsa Família e a expansão das vagas no ensino superior e ensino técnico público, dentre outras medidas, que foram importantes para a vida do povo mais pobre do país. Em troca, optaram por uma política de conciliação de classes e adotaram um modelo econômico baseado no fortalecimento do grande capital nacional e internacional e do controle dos bancos sobre a economia.
Quem ganhou mesmo com o resultado desta política econômica foram os banqueiros. Basta ver que de 2003 a 2015 o lucro dos quatro maiores bancos do Brasil aumentou 850%, saindo de US$ 2,1 bilhões para US$ 20 bilhões (Jornal A Verdade – Outubro de 2015).
Dentro deste contexto, chamamos a atenção para a grande prioridade dada pelos governos do PT para a realização da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Chamados de “megaeventos”, na prática, serviram para, além de elevar o preço dos ingressos nos estádios, elitizando ainda mais o futebol brasileiro, elevar também o preço da terra nas grandes cidades e crescer enormemente a força da especulação imobiliária, que expulsou milhares de famílias pobres de suas casas para dar espaço para as grandes obras. Essa política inclusive enfraqueceu bastante o Programa Minha Casa Minha Vida. Tais obras, em sua maioria, consumiram vultuosos recursos do estado Brasileiro e foram marcadas por enormes escândalos de corrupção e enriquecimento ilícito de políticos e executivos de grandes empreiteiras e empresas.
Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Manifestante contrário ao gasto público milionário na Copa do Mundo / Jornadas de Junho
Ao mesmo tempo que eram preparados estes megaeventos, a crise econômica iniciada em 2008 nos principais países capitalistas do mundo, adquiria ainda mais força no Brasil a partir de 2013. Esta crise causou e ainda causa impacto gigantesco em todas as economias do mundo, já que teve como centro a principal economia capitalista, os Estados Unidos da América (EUA). Não foi, portanto, uma crise qualquer, e sim uma crise estrutural do sistema capitalista. Oferecendo créditos a quem não podia pagar e, depois, vendendo estas dívidas para o restante do mundo, os EUA protagonizaram o que ficou conhecida como “bolha imobiliária”. De fato, a economia brasileira tentou, inutilmente, impedir a chegada da crise em nosso país através de medidas de incentivo ao consumo interno, redução de impostos como IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), entre outros.
Neste contexto explodem as chamadas Jornadas de Junho de 2013. Enganam-se aqueles que associam as jornadas de junho ao início do golpe de 2016. Ao contrário das manifestações da classe média e da grande burguesia que serviram para derrubar Dilma, as jornadas de junho se iniciam com as lutas contra o aumento das passagens em Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, explodem e tornam-se gigantescas manifestações a partir da forte repressão feita pela Polícia Militar contra os que lutavam. A partir daí, as manifestações se estendem para todo o Brasil e se tornam um grande movimento espontâneo que contou com a participação de milhões de pessoas de diversas classes sociais. Com reivindicações extremamente difusas, as jornadas são caracterizadas por expressiva participação da juventude. Foram marcadas pela radicalidade das manifestações e pela disputa, nas ruas, do encaminhamento das pautas. Em alguns estados houve enfrentamentos físicos entre grupos de direita e de esquerda. Mas no fundamental, o resultado concreto das jornadas de Junho, podemos afirmar que foi o fortalecimento da esquerda por três fatores: 1) Os atos levaram a redução do preço das passagens em centenas de cidades brasileiras, favorecendo diretamente a vida do povo pobre que depende do transporte público. 2) Neste mesmo ano houve um aumento significativo no número de greves a nível nacional. De acordo com o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), em 2013, o número de greves no Brasil somou 2.050, depois de um período de certo refluxo nos anos 2000 e o pico verificado no período imediatamente anterior. O maior número até então era de 1962 greves no ano de 1989. Em relação a 2012, houve crescimento de 134%. As paralisações mobilizaram aproximadamente 2,017 milhões de trabalhadores . Esta média seguiu até 2016 onde foram registradas 2093 greves. Não nos esqueçamos também da vitoriosa greve geral de 28 abril de 2017, onde cerca de 40 milhões de trabalhadores e trabalhadoras cruzaram os braços e derrotaram a então reforma da Previdência de Michel Temer. Estas greves obtiveram melhoras nos salários e mantiveram direitos conquistados. 3) Lembremos que a partir das jornadas de Junho, algumas pautas ganharam mais força nas ruas, como a luta dos sem-teto, as questões raciais, as lutas feministas e LGBT’s.   
Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Congresso Nacional ocupado por milhares de pessoas durante manifestação em junho de 2013
No entanto, também bastante significativo, foi outro resultado imediato de todo este processo de aumento das lutas sociais em que as jornadas de junho são uma grande expressão, um maior acirramento da luta de classes, ou seja, o aumento da polarização na sociedade de forma significativa. É certo que após as jornadas, houve enfraquecimento direto do governo do PT, mas este resultado deve muito mais ser associado a arrogância do governo, que à época, não atendeu as reivindicações das jornadas. E para justificar sua inação, tratou-as como um “golpe da direita”, uma vez que pela primeira vez em 30 anos, grandes manifestações de caráter nacional não eram convocadas e (ou) dirigidas pelo PT e seus aliados diretos. Este distanciamento e completa falta de habilidade do governo, acabou causando enorme decepção em uma parcela do povo, contribuindo para jogar “água no moinho da direita”. No entanto, o resultado imediato das jornadas de junho não pode ser associado ao golpe de 2016, pois lembremo-nos, que nas eleições realizadas um pouco mais de um ano depois, em outubro de 2014, o Partido dos Trabalhadores, apesar de enfrentar enormes dificuldades, recebeu o apoio e o voto de milhões de pessoas que estavam nas ruas em 2013. O PT novamente venceu a disputa eleitoral, com uma vantagem ainda que pequena, reelegendo Dilma Rousseff para seu segundo mandato.
Mas a polarização não cessou com a vitória eleitoral. O programa implementado pelo PT ainda no final de 2014, foi em parte o programa derrotado nas urnas, promovendo uma política de congelamento dos investimentos, a retirada de verbas públicas para a saúde, educação e previdência, de mudanças que dificultaram o acesso ao seguro-desemprego, e uma desastrosa política econômica que levou a um aumento estrondoso do desemprego e consequente afastamento do governo do PT de sua principal base de apoio, a classe trabalhadora. Somemos a isto, que foram trazidos para dentro do governo inimigos históricos do povo brasileiro com a indicação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, Planejamento, e Alexandre Tombini, Banco Central. Assim, a já fatigada política de combate aos efeitos da crise, se volta ainda mais para a manutenção dos privilégios dos banqueiros e o povo brasileiro sente de forma acelerada o aprofundamento dos problemas sociais, sobretudo o desemprego que crescia vertiginosamente.
O resultado é que 2015 começa já com um movimento mais organizado e massivo da extrema direita, fortalecida pelos constantes erros do governo e seu distanciamento da maioria do povo.
Ao mesmo tempo, o interesse do capital internacional foi outro fator central para a queda do governo Dilma. Houve grande articulação, a partir do Departamento de Estado norteamericano, para desmoralizar e desestabilizar as democracias populares do continente e impedir a eleição dos seus líderes, entre eles, com prioridade, na maior economia da América do Sul, Lula em 2018. Lembremos que a descoberta do pré-sal pela Petrobrás, em 2006, e as consequentes descobertas posteriores de petróleo e gás, que indicavam a extração de 5 a 8 bilhões de barris, tornam o Brasil ainda mais um alvo dos EUA e do Imperialismo.
Deste modo, vimos ações absurdas como a escandalosa espionagem da então Presidenta  Dilma e de telefones de 29 ministros, organizada pela Agência de Segurança Americana, a NSA, revelada pelo Wikileaks, em 2015. Esta ação violou normas internacionais relativa a soberania que o Brasil e os EUA são participantes, mostrando mais uma vez que a democracia burguesa, também no campo internacional, é de fachada. E sob um contexto de tamanhas ameaças, só restava a mobilização do povo e a preparação deste para os enfrentamentos que se anunciavam. Quem tiver dúvidas sobre este caminho, observem o adotado pelo governo do nosso país vizinho, a Venezuela. Lá, sabemos que o problema não é de democracia e sim de petróleo, uma vez que se encontram as maiores reservas do mundo. Passaram por uma pressão “cem vezes pior” por parte do imperialismo norteamericano, com apoio de todos os principais países imperialistas do  mundo e, não só venceram as sucessivas tentativas de golpes, como se consolidaram ainda mais como um governo popular e forjaram o povo com maior consciência anti-imperialista da América do Sul. Inspirados em Cuba, seguem a resistência também contra um criminoso bloqueio econômico e midiático a nível internacional.
A ação do inimigo de classe e a linha da “não resistência”
“Quando entram num beco sem saída, quando se comprometem de tal forma que são obrigados a executar as suas ameaças, fazem-no de uma maneira ambígua que evita, mais do que tudo, lançar mão dos meios para atingir o fim proposto e se agarra em pretextos para sair derrotada. (…) no momento em que a batalha deveria ter começado, os atores pararam de levar-se a sério e a ação se estatelou no chão, como um balão cheio de ar espetado por uma agulha.” Karl Marx – O 18 Brumário de Luís Bonaparte
Neste contexto, que como vimos contou com erros gravíssimos dos governos do PT, somados a cumplicidade do Congresso Nacional e da cúpula do Judiciário, evidenciando o caráter classista do Estado burguês do Brasil, Dilma sofre o golpe fantasiado de Impeachment. Assume a presidência em seu lugar o golpista Michel Temer, que era vice de Dilma por proposta da própria direção do PT.
Importante lembrarmos também a falta de maior resistência e enfrentamento ao golpe institucional (midiático-jurídico-empresarial), que foi colocado em curso em 2016. É sabido que a presidenta Dilma e seu partido, que embora tenham sido realmente golpeados, caíram sem basicamente impor resistência ao inimigo, e apesar de terem promovido manifestações de rua por todo o Brasil, a maioria dos seus dirigentes incentivou o conjunto dos movimentos e militantes a não realizarem ações radicalizadas. Esta posição dócil, de “harmonia entre ricos e pobres”, no final das contas, acabou servindo para desarmar ideológica e politicamente a classe trabalhadora e o povo, contribuiu para retroceder a consciência de classe nutrindo uma ilusão de que era possível acabar com a pobreza, a miséria, o desemprego, numa economia burguesa, sem desmontar o aparato que garante felicidade para poucos e tristeza para maioria.
No entanto o que surpreende é que, além disso, os governos do PT garantiram grande financiamento a esta grande imprensa que trabalhou ativamente pelo golpe. Vejamos: O volume total de publicidade federal destinado para emissoras próprias do Grupo Globo é quase a metade do que foi gasto pelas administrações de Lula e Dilma para fazer propaganda em todas as TV’s do país (2). Somemos ainda, que após a consumação do golpe de 2016, o PT insiste em realizar alianças com partidos que participaram ativamente do golpe nas eleições municipais em centenas de cidades país afora, naquele mesmo ano.
Outro momento agravante, foi ao final de 2016, durante a grande agitação política que se iniciou com a ocupação de centenas de escolas e universidades e culminou na maior Greve Geral da história do Brasil, realizada em 28 de abril de 2017, seguida por uma das maiores manifestações de dimensão nacional já realizada em Brasília, no dia 24 de maio. Estes grandes movimentos barraram a Reforma da Previdência e fizeram o Governo Golpista de Temer, que já contava com grande rechaço social e uma popularidade pífia, balançar e ficar muito perto de cair. No entanto, a Greve Geral convocada para o dia 30 de junho daquele ano, apesar do discurso sobre a importância da greve, foi boicotada pelo PT e seus aliados diretos para buscar novamente o caminho da conciliação de classes, visando apenas as eleições de 2018. Agindo assim, boa parte da esquerda continuou movida pelas ilusões constitucionais, acabou subestimando o avanço do fascismo e o caráter reacionário das forças armadas. O resultado é que, a greve consequentemente foi um fiasco e ao invés de servir para fortalecer ainda mais à esquerda, os movimentos populares, e derrubar o governo Temer, serviu para criar ainda mais decepção em milhões de trabalhadores e trabalhadoras, e colocar o movimento social na defensiva. Esta defensiva e desmoralização foi tão profunda que levou a que a reforma trabalhista não fosse barrada e que as Centrais sindicais apenas assistissem como meras espectadoras a grande mobilização realizada pelos caminhoneiros no início de 2018.
Foto: Midia NINJA

Milhares de manifestantes ocupam Brasília contra a Reforma da Previdência de Michel Temer, exército é convocado para reprimir
Uma observação importante é que o “feitiço se voltou também contra o feiticeiro”, pois alguns dos políticos e partidos que foram identificados com o Golpe também se enfraqueceram consideravelmente. Este fato pode ser observado no processo das eleições de 2018, com velhos políticos da extrema direita, como Aécio Neves(MG) e Beto Richa (Paraná), ambos do PSDB, Romero Jucá (Roraima) do PMDB, dentre outros, inclusive do campo da esquerda: não nos esqueçamos da palavra de ordem do “Fora Todos”. O mesmo aconteceu com seus próprios partidos que elegeram um número menor de parlamentares.
No fundamental, a linha da não resistência advinda de parte da esquerda, que provocou tamanha falta de enfrentamentos e de lutas sociais, acabou dando enorme espaço e moral para o inimigo, a extrema direita e o fascismo. Este foi o ambiente que permitiu o aprofundamento do golpe em 2018 e, sem dúvida, a vitória do candidato fascista Bolsonaro. Cabe à esquerda consequente refletir sobre este período, avaliar os erros, corrigi-los e se preparar para os novos enfrentamentos que estão por vir.
Com a arma da crítica e da autocrítica, uma nova esquerda, que resgata o que de melhor foi construído no passado, adaptando-se a novas condições surgiu e busca sua consolidação para desenvolver as lutas em melhores condições. Precisamos defender um programa claro, socialista, que resolva os graves problemas sociais que subjugam a imensa maioria dos brasileiros e que garanta nossa soberania frente ao capital financeiro internacional. Nesse sentido, derrubar o governo Bolsonaro está na ordem do dia. É preciso realizar as lutas, desenvolver as greves, organizar as ocupações e participar ativamente das passeatas. Só uma luta de classes consequente pode levar, de fato, os trabalhadores e trabalhadoras ao poder e construir um governo realmente popular. Sigamos!
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