O tsunami chileno– Piñera e a repressão
por Atilio A. Boron
![]() As ridículas explicações oficiais não convencem nem aqueles que as divulgam; ouvem-se denúncias sobre o vandalismo dos manifestantes, ou seu desprezo criminoso pela propriedade privada, o pela paz e tranquilidade, para não falar das oblíquas alusões à influência letal do "castro-madurismo" no desencadeamento dos protestos que culminaram com a declaração do "estado de emergência" pelo [palácio] de La Moneda, argumento absurdo e falacioso esgrimido anteriormente pelo corrupto que hoje governa o Equador e esmagadoramente desmentido pelos factos. ![]() Para um olho bem treinado, se há algo que surpreende é a eficácia da propaganda que durante décadas convenceu aos próprios e aos alheios das excelsas virtudes do modelo chileno. Isto foi exaltado até à saciedade pelos principais publicistas do império nestas latitudes: politólogos e académicos do bom pensar, operadores e lobistas disfarçados de jornalistas, ou intelectuais coloniais como Mario Vargas Llosa, o qual num artigo recente fustigava sem piedade os "populismos" existentes ou embrionários que atribulam a região ao mesmo tempo que exaltava o progresso "a passos de gigante" do Chile. [1] ![]() Este cruel e desumano fundamentalismo de mercado teve como consequência que o Chile se convertesse no país da América Latina com o maior endividamento das famílias, produto da infinita privatização já mencionada que obriga chilenas e chilenos a pagarem por tudo e a endividarem-se até ao infinito com o dinheiro que lhes expropriam dos seus salários as piranhas financeiras que manejam os fundos de pensão. ![]() Em suma: no Chile sintetiza-se uma explosiva combinação de livre mercado sem anestesia e uma democracia completamente deslegitimada, que dela só conserva o nome. Degenerou numa plutocracia que, até há poucos dias – mas agora não mais – medrava diante da resignação, desmoralização e apatia da cidadania, enganada habilmente pela oligarquia mediática sócia da classe dominante. ![]() Mudou o clima da época e não só na América Latina. Suas falsas promessas já não são mais críveis e os povos rebelam-se: alguns, como na Argentina, desalojando seus porta-vozes do governo através do mecanismo eleitoral e outros tentando com suas enormes mobilizações – Chile, Equador, Haiti, Honduras – por fim a um projecto insanavelmente injusto, desumano e predatório. Não há dúvida: há um "fim de ciclo" na região. Mas não, como postulavam alguns, o do progressismo e sim o do neoliberalismo, que só poderá ser sustentado, e não por muito tempo, a força de repressões brutais.
21/Outubro/2019
[1] Cf. "Retorno a la barbarie", El País, 31 de Agosto de 2019. [2] Os dados da Fundación Sol são recolhidos na nota de Nicolás Bravo Sepúlveda para o jornal digital El Mostrador www.elmostrador.cl/destacado/2019/08/21 . A fonte original está em www.fundacionsol.cl/... Os dados relativos à desigualdade encontram-se num relatório do Banco Mundial: "Taking on inequality" (Washington: 2016) Ver também: O original encontra-se em www.resumenlatinoamericano.org/... Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ . |
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