O reconhecimento por Trump de um governo venezuelano rival desencadeará uma avalanche diplomática
por Wayne Madsen [*]
![]() Maduro foi recentemente empossado para um segundo mandato como presidente da Venezuela, uma acção que foi rejeitada pela oposição de direita venezuelana financiada pelos EUA. O vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, declarou "o firme apoio dos Estados Unidos à Assembleia Nacional da Venezuela como o único órgão democrático legítimo do país". Luis Almagro, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), com sede em Washington referiu-se a Guaidó como o "presidente interino" da Venezuela. Membros da OEA como Canadá, Colômbia, Brasil, Peru e Argentina prontificaram-se a reconhecer Guaidó como presidente de um governo venezuelano rival. O México rejeitou a posição anti-Maduro do "Grupo Lima", um bloco de estados latino-americanos de direita que exige a saída de Maduro. Assim, dentro em breve poderemos ver uma situação em que os governos dos Estados Unidos, Canadá, Argentina, Brasil e outros países declaram expulso o pessoal diplomático venezuelano acreditado pelo governo Maduro e suas embaixadas são entregues aos fiéis do governo Guaidó. Com o rompimento das relações venezuelanas com os Estados Unidos, o governo Trump pode entregar as chaves da embaixada venezuelana em Washington à oposição liderada por Guaidó. Uma situação semelhante já ocorreu na Síria. Em 2013, a oposição síria estabeleceu um "governo interino" rival baseado em Azaz, na Síria, que estava em oposição ao governo "de fato" e "de jure" do presidente Bashar al-Assad em Damasco. O "governo interino" foi apoiado pela Turquia, os Estados Unidos, a Arábia Saudita e outros, mas foi totalmente dissolvido após a vitória de Assad na guerra civil na Síria. O governo Assad manteve o apoio da Rússia, Irão, Iraque, China, Coreia do Norte e Venezuela. O que se prenuncia para a Venezuela é uma situação que será rapidamente copiada por outros países que se apressarão em reconhecer presidentes e governos rivais, talvez até mesmo concedendo apoio ao estabelecimento de governos no exílio. Tais situações só contribuirão para a desestabilização das relações internacionais que já permeiam o globo. Há vários "dominós" diplomáticos que se seguem o exemplo da Venezuela. A situação mais premente é a da República Democrática do Congo, onde o líder da oposição, Félix Tshisekedi, foi declarado vencedor das contenciosas eleições presidenciais do país, recebendo 38,57% dos votos. Tshisekedi deve substituir o presidente cessante Joseph Kabila. No entanto, os defensores de outro candidato à presidência, Martin Fayulu, consideraram o ex-executivo da ExxonMobil como o verdadeiro vencedor das eleições na RDC. Fayulu obteve 34,8 por cento dos votos. Emmanuel Ramazani Shadary, um terceiro candidato, apoiado por Kabila, perdeu decisivamente, recebendo 23,8% dos votos. Graças ao precedente americano que está a ser estabelecido na Venezuela, vários países já estão a alinhar-se para apoiar Tshisekedi ou Fayulu como líderes de governos rivais da RDC. A RDC tem uma torturada história de governos rivais, desde a sua independência em 1960. Depois de o primeiro-ministro Patrice Lumumba ter sido deposto num golpe liderado pela Agência Central de Inteligência em 1960, o líder de esquerda e vice-primeiro-ministro Antoine Gizenga fundou o Estado Livre do Congo em Stanleyville (agora Kisangani) como um rival à República do Congo em Leopoldville (agora Kinshasa). O governo Gizenga foi reconhecido pela União Soviética, China, Mongólia, Polónia, Alemanha Oriental, Jugoslávia, Albânia, Bulgária, Hungria, Checoslováquia, Cuba, Iraque, República Árabe Unida, Gana, Guiné, o governo provisório argelino e Marrocos. O governo de Leopoldville continuou a ser reconhecido pelos Estados Unidos, Reino Unido, França, Bélgica e outros países ocidentais. Um estado secessionista de Katanga, liderado por Moise Tshombe e apoiado por mercenários belgas, foi estabelecido em Elisabethville (atual Lubumbashi). Ao mesmo tempo que a secessão de Katanga, o Estado de Kasai do Sul foi proclamado em Bakwanga, com Albert Kalonji como presidente. Embora nenhuma nação tenha estendido as relações diplomáticas a Katanga ou Kasai do Sul, eles receberam apoio militar da França, Bélgica, África do Sul e da Federação da África Central (também conhecida como Federação da Rodésia e Niassalândia). Num caso déjà vu, a presidência de Tshisekedi é apoiada pela África do Sul, Zimbabwe, Nigéria, Argélia, Rússia e China, ao passo que Fayulu tem o apoio da França, Bélgica, Reino Unido, Estados Unidos e Vaticano. A Zâmbia, cujo presidente originalmente apoiou Fayulu e pediu recontagem de votos, mudou sua posição para apoiar Tshisekedi. A RDC parecia deslizar numa máquina do tempo, terminada em 1960, com alguns dos mesmos atores estrangeiros a alinharem-se nos mesmos lados em apoio a líderes congoleses rivais. No Iémen, existem governos rivais apoiados por países rivais. Dois líderes afirmam ser os líderes da República do Iêmen. Um é liderado pelo presidente interino Abd Rabbuh Mansur Hadi, que em grande parte governa do exílio, na Arábia Saudita. O outro, que ocupou a capital iemenita de Sanaa, é liderado por Mohammed Ali al-Houthi, presidente do Comité Revolucionário do Iémen. A Arábia Saudita, Kuwait, Bahrein, Qatar, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Omã, além dos Estados Unidos, Egipto e Paquistão, reconhecem o governo de Hadi como o governo legítimo do Iémen. O Irão, a Síria e o Hezbollah libanês reconhecem al-Houthi como o governo legítimo do Iémen. Os defensores do ex-independente Iémen do Sul assumiram o controle de Aden em Janeiro de 2018 e estabeleceram o Conselho de Transição do Sul, que, embora não goze de qualquer reconhecimento diplomático, conta com o apoio dos Emirados Árabes Unidos. A administração Trump, que parece vicejar no caos e na instabilidade em casa e no exterior, deu um salto para outros governos rivais. Washington está a encorajar os sentimentos nacionalistas, tanto chineses como de Formosa. A "República da China" em Formosa afirma ser o governo da China. No entanto, a República Popular da China considera Formosa como uma província renegada. A China e Formosa competem diplomaticamente envolvendo-se na "diplomacia dos talões de cheques". A China conseguiu eliminar nações que reconheciam Formosa oferecendo-lhes pacotes substanciais de ajuda em troca do estabelecimento relações com Pequim e do corte com Formosa. Com a administração Trump a avançar o conceito de estender relações diplomáticas a líderes políticos rebeldes, outros efeitos dessa perigosa política logo serão sentidos em nações com centros de poder político rivais ou reivindicações secessionistas. Estes incluem a Somália, Líbia, República Centro Africana, Afeganistão, Mali, Guiné Equatorial, Vietname, Laos, Gabão, Nigéria, Níger, Quénia, Zimbabwe, Madagáscar, Mianmar, Etiópia, Turquia, Irão, Iraque, Sri Lanka, Egipto, Camarões, Nigéria e Comores. Entabular relações diplomáticas com governos rivais, incluindo aqueles no exílio, raramente é bem-sucedido. Após a queda da República Espanhola em 1939 para as forças fascistas do generalíssimo Francisco Franco, a República Espanhola estabeleceu um governo no exílio, primeiro em França e depois no México. Durante a sua existência no exílio, a República Espanhola foi reconhecida apenas pelo México, Panamá, Guatemala, Venezuela, Polónia, Checoslováquia, Hungria, Jugoslávia, Roménia e Albânia. Os planos actuais da administração Trump de reconhecer a oposição de direita na Venezuela como governo legítimo dessa nação estão tão condenados quanto a República Espanhola no exílio no México e outros governos exilados fracassados, incluindo o governo do Turquestão Oriental no exílio em Washington, o governo do exílio no Curdistão ocidental em Londres e o governo no exílio da Cidade Livre de Danzig em Berlim. O que Trump desencadeou com suas acções contra a Venezuela é uma situação em que os governos competidores estarão a disputar lugares nas Nações Unidas, embaixadas e consulados no exterior e o direito de falar em nome de seus países em fóruns internacionais. É o tipo de tumulto sobre o qual Trump, orgulhoso destruidor de instituições, prospera. Cada vez mais se diz que a Casa Branca de Trump é constituída por uma equipe de retardados e idiotas. Quando esta Casa Branca reconhece a oposição venezuelana de direita como o governo da Venezuela, esses qualificativos para Trump e sua administração têm um mérito preciso.
24/Janeiro/2019
Ver também: [*] Jornalista, estado-unidense. O original encontra-se em www.strategic-culture.org/... Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . |
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