A Unidade Popular (UP), partido político em formação, é fruto da iniciativa de centenas de ativistas dos movimentos populares, militantes comunistas, estudantes e professores e da necessidade de construir uma alternativa de esquerda revolucionária ao atual cenário nacional. Após um ano e meio de muito trabalho, a campanha pela legalização da UP entra em sua reta final. Para falar sobre as novas tarefas da militância, A Verdade entrevistou Leonardo Péricles e Fernanda Lopes, membros da Direção Nacional da UP, que afirmam que para o país sair desta crise, precisa passar por uma profunda transformação econômica e social que dê vida digna para o nosso povo, e, por isso “a UP luta pelo poder popular e pelo socialismo”.
Da Redação
A Verdade – Por que a UP foi criada?
Leonardo Péricles – Houve, nos últimos anos, um verdadeiro esgotamento dos atuais partidos ditos de esquerda. Alguns foram cooptados, tomando o caminho de aliança com as grandes empresas, bancos e empreiteiras. Outros, tentando fazer frente a esta traição, não conseguiram dialogar com a classe trabalhadora. De tão estreitos que são, não conseguem se apresentar como alternativa. O resultado é que, hoje, poucos empunham a bandeira de luta por mudanças estruturais, ou seja, a luta revolucionária contra o capitalismo, que passa pela mobilização de amplos setores populares, de milhões e milhões de trabalhadores, mulheres e homens, negras e negros, LGBTs, jovens, indígenas, comunidades tradicionais, enfim, a luta da imensa maioria do povo brasileiro.
Esta é uma luta por quebrar os enormes privilégios dos super-ricos, da burguesia brasileira. É, portanto, uma luta muito dura e nós, da UP, não consideramos que ela possa ser feita por um iluminado ou de forma isolada, mas sim no campo da luta de massas, na vida política partidária, dos movimentos, e lideranças que se reúnem em torno das ideias populares. Daí o próprio nome Unidade Popular. Acreditamos que, a partir de um chamado decidido e pautado na força do movimento popular, se incorporarão a este projeto milhões de lutadoras e lutadores. Foi para fazer este chamado que nasceu a UP.
Como vocês veem a atual situação do País? Qual a saída para a crise do Brasil?
Fernanda Lopes – O Brasil vive uma grave crise econômica e política que se agrava a cada dia, com vários retrocessos democráticos, perdas de direitos e uma calamidade social. O desemprego já atinge cerca de 24 milhões de pessoas. Hospitais, postos de saúde, escolas e universidades estão abandonados. A violência aumenta e o povo teme por sua vida todos os dias, especialmente as mulheres. O ilegítimo governo de Michel Temer, que só tem olhos para as classes ricas, aprovou a chamada “PEC dos Gastos”, congelando por 20 anos os investimentos públicos em saúde, educação e moradia. Aprovou, em agosto de 2017, a Reforma Trabalhista, que retirou direitos históricos dos trabalhadores conquistados em décadas de luta, e ainda quer aprovar a Reforma da Previdência para que trabalhadores e trabalhadoras não se aposentem mais. Para sair desta crise, o País precisa passar por profundas mudanças. Somente uma profunda transformação econômica e social que dê vida digna para o nosso povo, emprego, saúde e educação de qualidade, moradia, transporte e terra para os camponeses resolverá os problemas atuais vividos pelo povo. Por isso a UP luta pelo poder popular e pelo socialismo.
Leonardo Péricles – Devemos lembrar também que vivemos uma das mais profundas crises econômicas da história do capitalismo, desde 2008, e que se manifestou com mais força no Brasil a partir de 2013. A solução para esta crise é pôr fim a um sistema que protege uma minoria de ricos. E o programa para isso já é conhecido: taxar as grandes fortunas; impedir a especulação imobiliária e garantir a função social do solo; suspender o pagamento da dívida pública, que nos suga quase metade do orçamento federal; exigir o pagamento dos devedores da dívida ativa dos municípios e estados; impedir a sonegação de impostos pelas grandes empresas, inclusive dos devedores da Previdência; reduzir a jornada de trabalho sem redução do salário para gerar mais empregos. Desta forma, bilhões de reais serão arrecadados e serão suficientes para resolver os graves problemas sociais que nosso país vive. Mas, ao lado de todas estas lutas, não devemos deixar de disputar a maioria da população para um projeto ainda mais profundo de transformações sociais, que é a derrubada do capitalismo e a implantação do socialismo, em que os meios de produção das riquezas estejam nas mãos da classe trabalhadora e possam servir para a vida, e não para o lucro.
Nenhum dos atuais partidos defende essas propostas?
Fernanda – A maioria dos atuais partidos está pautada pela institucionalidade, por um respeito sagrado aos limites impostos pela burguesia, ao invés de se pautar pela necessidade de superação do capitalismo. E isso exige muito enfrentamento, rupturas, uma verdadeira revolução política. Um dos papéis que a UP se propõe a fazer é demonstrar que os partidos dos ricos enganam o povo a todo momento. Procuramos demonstrar pelo discurso e pela prática que nem todos os que fazem política são iguais, que há uma política corrupta e burguesa, mas que existem também políticos revolucionários e uma política proletária. Não se trata de moralismo, mas sim de colocar as coisas no seu devido lugar.
Por que o socialismo é superior ao capitalismo?
Leonardo – Em um país riquíssimo como o Brasil, o socialismo daria condições para todas as pessoas se apropriarem dos bens e serviços de que necessitem para viver. Já debaixo do capitalismo, somos um país subdesenvolvido, com uma economia comandada pelos EUA e com uma desigualdade social que aumenta a cada ano. Hoje a realidade é que as cinco pessoas mais ricas do País detêm a mesma riqueza da metade mais pobre da população. O socialismo também permite que a tecnologia desenvolvida seja aplicada para melhorar a vida do conjunto da população, e não para aumentar os lucros dos capitalistas. Só o socialismo garante acesso universal à educação, saúde, moradia, segurança, lazer. Isto já foi provado por décadas na União Soviética e em outras experiências socialistas. Uma nova onda de grandes transformações sociais virá neste século 21, pois são insustentáveis as contradições do capitalismo. Só no ano passado, por exemplo, 82% da riqueza produzida no mundo foi apropriada por apenas 1% das pessoas! A maioria dos trabalhadores ainda não tem a consciência de que este mundo novo de felicidade é possível, mas o socialismo está no sonho de todo trabalhador e trabalhadora consciente. Ao socialismo interessa socializar a riqueza das grandes propriedades, aquela que pode resolver o problema da moradia nas grandes cidades, pois no capitalismo há mais casas e prédios abandonados do que gente sem habitação. Já as grandes fábricas e empresas, as grandes extensões de terra, estarão à disposição do Estado, dirigido pela classe trabalhadora para que esta decida a prioridade e a função social de cada coisa.
Como veem as declarações de membros do Alto Comando do Exército defendendo um golpe militar?
Fernanda – Nessa conjuntura em que a luta de classes se encontra bastante acirrada, vemos manifestações das diferentes classes sociais e agrupamentos sobre as possíveis saídas para a crise. Dentro da falta de perspectivas de parte da população, setores do alto comando do Exército a serviço do setor mais reacionário da burguesia, dos fascistas, tentam também se apresentar como alternativa. Lembremos que todo este espaço para que generais possam se pronunciar sobre golpes de Estado, contrariando a própria Constituição sem sofrerem nenhuma punição, é algo muito grave e que não podemos aceitar. É preciso levar a cabo as recomendações da Comissão Nacional da Verdade para que se punam os torturadores e assassinos da época da ditadura militar. Como disse a grande companheira Amelinha Teles, em entrevista publicada na última edição do Jornal A Verdade: “Não há democracia com corpos insepultos”. Sabemos que a impunidade do passado leva à impunidade do presente, pois hoje milhares de jovens negros e pobres continuam sendo torturados e mortos nas periferias de todo o Brasil nas mãos de agentes estatais, principalmente das polícias militares.
Qual o balanço da campanha pela legalização da UP?
Leonardo – Estamos há 15 meses colocando em prática um ousado plano de legalização de um partido político revolucionário que almeja o poder. Para coletarmos as 600 mil assinaturas que conquistamos neste período, fomos a praças, bairros, vilas, favelas, ruas, empresas, fábricas, escolas, universidades e seguramente falamos para mais de dois milhões de pessoas que foram abordadas ou que escutaram nossas agitações. Nosso discurso, aliás, não é só para pedir uma assinatura, mas para politizar, para denunciar os crimes das elites contra o povo e convocá-lo para a luta.
Neste último período, conseguimos perceber como poucos o sentimento de nosso povo, seu desejo por mudanças no Brasil e, neste sentido, tivemos ainda mais certeza de que nossa decisão de criar a UP foi acertada. E fizemos isso sem depender de um centavo da Odebrecht ou de qualquer outra grande empresa, banco etc. Sem depender também de nenhum figurão da política tradicional burguesa, dependendo apenas de nossa militância e de apoiadoras e apoiadores que têm os mesmos propósitos que nós.
Chegamos agora a um momento decisivo, pois temos pouco mais de seis meses para cumprir nosso objetivo, já que a legislação impõe um prazo máximo de dois anos. Apesar de enfrentarmos regras extremamente antidemocráticas para a legalização de novos partidos, durante este período, que estamos chamando de período especial, nossa militância decidiu se dedicar integralmente à realização desta grandiosa tarefa. Chegaremos até o final de maio com pelo menos 800 mil assinaturas coletadas no total e já demos passos importantes no cadastramento das fichas de apoio no sistema online do TSE e nos cartórios eleitorais. Em três estados a UP já alcançou o número mínimo de apoiamentos exigido e já podemos constituir seus diretórios estaduais provisórios. Estamos trabalhando para que nos próximos meses cheguemos a pelo menos nove diretórios estaduais legalizados, que é outra exigência. Além disso, temos recebido adesões de muitos ex-militantes de outros partidos e organizações políticas, e até de grupos políticos que não se sentiam mais representados pelos demais partidos existentes.
O que falta para a UP conquistar a legalização?
Fernanda – Tudo o que fizemos até aqui, apesar de muito importante, não basta, pois precisamos validar 487 mil assinaturas nos cartórios eleitorais de todo o Brasil. Neste sentido, entramos no sistema do TSE com cerca de 150 mil fichas nestes últimos meses e nossa campanha continua até a legalização. Para termos êxito, estamos fazendo também uma campanha de arrecadação de finanças, pedindo contribuição às pessoas que acreditam em nossa causa para que possamos ter um caixa que permita arcarmos com os gastos desta reta final. Precisamos da ajuda de todas e todos para que possamos concluir esta campanha de dois anos. Estamos muito confiantes de que venceremos!
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