A luta pela terra é um rastro de sangue na história do Brasil, e segue fazendo vítimas diariamente, de forma direta ou indireta. Só neste ano, em 2017, foram 36 assassinatos de lideranças ou ativistas do campo, além de vários casos de violência. Se militantes do campo e indígenas são os mais atingidos pela truculência do agronegócio, o impacto é sobre toda a sociedade, uma vez que ruralistas têm poder econômico e político para interferir na realidade social como um todo. Além desse impacto social e humano do agronegócio, há também o impacto ambiental, que ameaça áreas de preservação, colocando em risco as condições naturais necessárias para que a sociedade possa existir de forma sustentável e saudável.
Há, no Paraná, um projeto de lei que visa a diminuir a área de proteção ambiental da Escarpa Devoniana, com o fim de atender aos interesses de ruralistas, mineradoras e empresas de energia hidráulica e eólica. Biólogos, geógrafos e geólogos criticaram o absurdo de tal PL e o impacto negativo que a redução proposta terá sobre o meio ambiente e, consequentemente, sobre a população da região. Além disso, seria mais uma perda de um patrimônio natural brasileiro, engolido pela ânsia dos que, visando ao lucro, esgotam a terra, poluem as águas, sempre com uma política genocida que leva consigo vidas de indígenas e trabalhadores sem terra; até não restar nada e voltarem seus olhos para outro lugar onde ainda seja possível a exploração, humana e ambiental.
A Escarpa Devoniana é uma formação geológica que divide os Primeiro e Segundo Planaltos do Paraná. Tem mais de 260 km de extensão, abrangendo 12 municípios, do sul ao norte do Estado. Como observa o geólogo Gilson Burigo Guimarães, da UEPG, a paisagem é formada por canyons, despenhadeiros, furnas, mananciais, mata de araucária; além de abrigar espécies ameaçadas de extinção, como o lobo guará e a gralha azul. Além disso, a região conta com a presença de sítios arqueológicos de diferentes tradições indígenas, a antiga rota de tropeiros e colônias de imigrantes europeus, o que a torna também patrimônio histórico e cultural, formando uma paisagem única no Brasil.
A Área de Proteção Ambiental (APA) da Escarpa Devoniana foi criada em 1992, abrangendo 392 mil hectares, para proteger os últimos remanescentes de campos nativos. O projeto de lei que tramita na Assembleia Legislativa do Paraná, assinado pelos deputados Plauto Miró, do DEM, Luis Claudio Romanelli, do PSB, e Ademar Traiano, do PSDB, propõe reduzir a APA para 126 mil hectares, ou seja, em mais de dois terços. O PL, além de não ter surgido de uma discussão ampla e democrática, baseia-se em carta topográfica da Fundação ABC, sendo esta uma entidade mantida pelo agronegócio. A atividade agropecuária é permitida em toda a extensão da APA, desde que respeitados plano de manejo e legislação; mesmo assim, para o agronegócio, não é suficiente, e estendem suas garras sujas de sangue em busca de mais, de raspar o tacho até não restar nada, e a população local que sofra as consequências.
O Brasil tem mais latifúndio do que áreas de preservação, além de ser o país que mais mata ativistas do campo. Para que todos tenham condições dignas de existência, é imprescindível pensar e se posicionar sobre a questão da terra, defendendo que esta não continue sendo patrimônio de uns poucos ricos que a exploram de forma violenta, tendo em vista as consequências deixadas por essa exploração.
Com a ameaça de redução da Escarpa Devoniana, foi criado um movimento contrário ao projeto de lei. Assim, o Movimento Contra a Redução da APA da Escarpa Devoniana cumpre o importante papel de divulgar dados mostrando as incongruências do projeto e conscientizando a população das consequências que a redução da APA trará. Por ora, as tratativas do PL de redução da APA estão paradas.
A Escarpa Devoniana é um patrimônio brasileiro e, como tal, deve ser defendido. Defendê-la é se colocar contra a barbárie perpetrada pelos ricos que se tornaram donos da terra, deixando o rastro de sangue em nossa história.
Carolyne Dornelles, Curitiba
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