sexta-feira, 5 de maio de 2017

Prof. Seiji Yuasa (Japão) /Comentários à campanha contra a insegurança de emprego na ciência

Comentários à campanha contra a insegurança de emprego na ciência

 Prof. Seiji Yuasa (Japão)     05.May.17     Outros autores
O Prof. Seiji Yuasa, destacado membro da FMTC, dá-nos uma informação acerca da grave situação dos trabalhadores científicos no Japão. E o artigo tem uma dupla importância porque, identificando problemas num país de elevado desenvolvimento técnico e científico, mostra como eles são no essencial idênticos aos problemas dos trabalhadores científicos em Portugal. Os problemas com que uns e outros se defrontam não resultam de diferentes níveis de desenvolvimento mas de um sistema – o capitalismo – que reduz a ciência a mercadoria, e aplica ao trabalho na ciência os mesmos padrões de exploração que aplica a qualquer outro trabalho.

Os investigadores no Japão
No Japão actual, país tipicamente capitalista a que chamo “Japão Sarl”, o princípio do mercado prevalece em todo o país no qual o governo e as empresas incitam conjuntamente os investigadores a avançarem para os seguintes objectivos: 1) pelo benefício que alcançam, 2) para serem brilhantes guerreiros empresariais, e 3) para vencerem na luta pela existência. Nestas circunstâncias, os direitos de todos os investigadores têm sido extremamente violados e tem sido regra o trabalho compulsivo, incluindo o trabalho extraordinário sem remuneração. Além disso, são urgentes os seguintes problemas: 1) os investigadores são fortemente solicitados para a investigação militar, à qual o governo tenciona destinar uma grande parte do orçamento da investigação, 2) os investigadores poderiam ficar abrangidos pela lei do pagamento zero às horas extraordinárias, e 3) os investigadores poderiam ser tratados de acordo com as regras da flexibilização do despedimento.
Os investigadores que trabalham dentro do sistema das grandes empresas têm sido expostos a muitos tipos de desregulações controladas pelo princípio do mercado. Um certo número de investigadores têm sido assediados por administrações discriminatórias e forçados a sobreviver na lei da selva. Toda a liberdade e autonomia académica desaparecem completamente no local de trabalho. A importância das ciências básicas tem gradualmente declinado, enquanto as ciências e tecnologias aplicadas ou dirigidas para o lucro são estimuladas, sendo os investigadores obrigados a trabalhar sob o princípio prioritário dos resultados obtidos. Uma vez que o orçamento e os vencimentos são extremamente reduzidos, os investigadores têm de obter dinheiro fora das organizações para levarem a cabo as suas investigações. Os investigadores tiveram sempre de enfrentar este meio empresarial quer demitindo-se quer transferindo-se. Nestas circunstâncias, os direitos dos investigadores têm sido abertamente violados e, para além dos vários tipos de assédio (de poder, sexual e académico), a ameaça e os maus tratos têm-nos arrasado. Do mesmo modo, é regra nos locais de trabalho mencionados o trabalho compulsivo, incluindo o trabalho extraordinário sem remuneração. Consequentemente, são exemplo da fase final da carreira dos investigadores, 1) a demissão, 2) o internamento hospitalar, 3) a “karoshi” (morte por exaustão) ou 4) o suicídio. Não há perspectivas de futuro, de facto.
Envolvimento na investigação militar
Opomo-nos à tentativa do governo para envolver mais investigadores na investigação militar, completamente contrária à liberdade e à autonomia académicas que contribuem para a construção da paz.
No ano fiscal de 2015, o governo introduziu um programa para promoção da investigação militar conjunta entre o Ministério da Defesa e instituições de pesquisa que incluíam universidades e alocou 300 milhões de yen a esse programa. Contudo, o orçamento duplicou no ano fiscal de 2016. Embora o governo lhe chame projecto de investigação colaborativa, as condições para as universidades e para o Ministério da Defesa não são iguais na investigação militar. O objectivo do governo é seduzir os investigadores e as universidades com dinheiro para integrarem organizações subalternas ao serviço do governo com vista à presença militar. Jamais permitiremos a orientação da investigação para fins militares, visto que todos os investigadores deveriam em princípio contribuir para a instauração da paz.
O governo propôs a “utilização dual”, através da qual os resultados da investigação contribuiriam para o desenvolvimento tanto académico como da defesa, de forma a conseguir que os universitários se envolvam na investigação militar. Contudo, todo o projecto de investigação patrocinado pelas autoridades da defesa não é um projecto de utilização dual, mas sim apenas para fins militares. O governo reduziu continuamente os subsídios públicos para as universidades “nacionais” em serviço, significando assim que se trata de uma espécie de sistema económico destinado ao recrutamento de investigadores mal remunerados. Pode lembrar-se que nos EUA foram envolvidos psicólogos na tortura de prisioneiros e de suspeitos terroristas para que confessem. Do mesmo modo, no Japão e no futuro próximo, os investigadores das ciências sociais e das humanidades poderiam tal como os académicos das ciências físicas ser arrastados para a investigação militar. Devemos rejeitar para sempre qualquer investigação relacionada com militares.
Devemos eliminar qualquer proposta de lei “pagamento zero de horas extra” aos investigadores
Cada vez mais gente vê a proposta de lei do governo para a revisão da Lei do Trabalho como uma proposta de lei de um sistema tipo “pagamento zero de horas extra”. No entanto, parece que ninguém ligado ao assunto gosta dessa frase que tem sido usada pelo público. Os meios envolvidos dizem que a proposta se destina a permitir aos empregadores estabelecerem o salário dos empregados com base não no número de horas de trabalho, mas no seu desempenho.
Na verdade, a proposta cuja legislação está a ser fortemente pressionada pela maior empresa de publicidade, “Den-tsu”, na qual a jovem investigadora Karoshi morreu recentemente de excesso de trabalho, está concebida para estabelecer um sistema que em certas condições isente as grandes empresas das regras do tempo de trabalho para parte dos seus trabalhadores de colarinho branco e engenheiros das diversas categorias profissionais. Se a proposta for aprovada, os trabalhadores em causa não poderão receber não apenas o pagamento de horas por trabalho extra, como também o pagamento adicional por trabalho nocturno ou em feriados. Mesmo que haja morte por excesso de trabalho (como Karoshi), os empregadores escaparão às responsabilidades sob pretexto da auto-responsabilidade.
Já em 2007, a tentativa do primeiro governo Abe para estabelecer o mesmo sistema saiu frustrada, porque a opinião pública a criticou severamente acusando-a de ser o mesmo que um sistema de “pagamento zero de horas extra”. Desta vez, os meios empresariais tentam esquivar-se às críticas através de rápida aprovação da proposta.
No entanto, a razão pela qual a alcunha “pagamento zero de horas extra” é aceite por muita gente é porque ela retrata da melhor maneira o que a proposta pretende instituir. Os círculos empresariais não conseguem esconder a real natureza da proposta, por muito que tentem. Esta é a verdadeira razão pela qual temos que eliminar a proposta, uma vez que ela apanha grande número de investigadores.
Somos contra a “flexibilização das regras do despedimento” para os investigadores
O ministro do Trabalho criou recentemente um painel para a discussão da flexibilização das regras de despedimento. O que o governo pretende atingir é a introdução de um sistema que permita despedimentos sem justa causa com determinada compensação monetária. Semelhante tentativa foi feita no passado por duas vezes, mas bloqueada pela firme oposição da opinião pública e dos sindicatos. A introdução do sistema há muito é pedida pelos meios empresariais. No entanto, ao contrário da França e da Alemanha, onde os despedimentos pelas grandes empresas são regulamentados por lei, o Japão dispõe de muito poucas barreiras legais contra os despedimentos. Por exemplo, o Acto do Contrato de Trabalho do Japão diz que se um despedimento “carecer objectivamente de bases razoáveis e não for considerado apropriado em termos sociais gerais”, o despedimento é inválido. A lei não indica padrões claros de avaliação relativamente à determinação do que são “objectivamente bases razoáveis”. Com tais regras flexíveis para os despedimentos, a introdução de um sistema de resolução monetária de diferendos relativos a despedimentos sem justa causa é o mesmo que dar aos empregadores mão livre para se verem livres dos empregados.
Numa altura em que muitas empresas fustigam ultrajantemente a sua força de trabalho através de métodos como os despedimentos em massa e por “lock-out”, a necessidade presente é a da criação de legislação que anule um despedimento se ele não respeitar os chamados “quatro requisitos para o despedimento de trabalhadores” estabelecidos pelos precedentes jurídicos do Supremo Tribunal: 1) necessidade do despedimento, 2) esforços realizados para evitar o despedimento, 3) racionalidade na selecção de quem vai ser despedido, e 4) negociação com os sindicatos.
Além disso, a legislação deve incluir uma provisão estabelecendo segurança no emprego aos trabalhadores em disputas legais contra os seus despedimentos sem justa causa, permitindo aos trabalhadores dispensados voltarem ao seu lugar de trabalho original com base numa decisão judicial que anule o despedimento, proibindo as empresas de forçarem os trabalhadores a aceitarem reforma antecipada, e exigindo consulta prévia a todos os envolvidos, tais como as autoridades locais de um sindicato quando a empresa fecha a sua fábrica ou leva a cabo lay-offs em massa.

Seiji YUASA (11 de Novembro de 2016)

Tradução: Jorge Vasconcelos
                
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