O consumo na Coreia do Norte: O centro comercial de Kwangbok
por Ruediger Frank
O artigo abaixo foi escrito por um conservador. Entretanto, apesar de algumas farpas, procura manter alguma objectividade e apresenta dados factuais. O facto de ser preciso dizer que na Coreia do Norte o povo quer paz e que ali existem super-mercados – oh, espanto! – mostra bem a miséria do jornalismo ocidental. Devido a estes vislumbres de objectividade resistir.info resolveu publicar esta peça.
Durante minha última viagem à Coreia do Norte, em fevereiro de 2017, notei uma série de acontecimentos interessantes que ocorreram desde a minha visita anterior em maio de 2016. Eles incluem o desaparecimento das grades de ferro das janelas e varandas nos dois primeiros andares de edifícios residenciais em Pyongyang, uma mudança completa do design das placas de matricula dos carros, o surgimento de uma lotaria desportiva, o uso generalizado de bicicletas elétricas na capital e um número crescente de oportunidades de compras para uma crescente classe média.
Esta situação permanece a maior parte das vezes como uma impressão, já que os estrangeiros raramente podem testemunhar compras regulares na Coreia do Norte. "Regular" significa que o lugar é frequentado principalmente por norte-coreanos, que o acesso não é restrito e que é usada a moeda local. A experiência dos ocidentais quanto ao comércio é muitas vezes limitada aos átrios dos hotéis, lojas de selos, livros e recordações locais à venda nos principais lugares de atração turística e outras lojas de moeda forte. Nos últimos anos, tive poucas hipóteses de ir a lugares onde os cidadãos norte-coreanos normais fazem as suas compras. Estes incluíram o mercado de rua Tongil em Pyongyang e um grande mercado na zona económica especial de Rason. Em ambos os lugares, as fotos não foram autorizadas. Em Rason, podem-se comprar mercadorias com o won norte-coreano ou o yuan chinês. Este último é preferido. O won norte-coreano pode ser trocado à taxa de mercado (8 000 won para 1 dólar dos EUA) num banco local.
Em fevereiro de 2017 finalmente consegui visitar um terceiro centro comercial norte-coreano, o Kwangbok Shopping Centre em Pyongyang. A sua abertura foi originalmente planeada para dezembro de 2011, mas foi atrasada até ao início de 2012 devido à morte de Kim JongI Il. Kim Jong-Il e Kim Jong Un haviam visitado o lugar juntos em 15 de dezembro de 2011 para orientação no local, a forma típica norte-coreana de "passagem à microgestão" desenvolvido por Kim Il Sung e vagamente baseada na tradição do Leste Asiático de governar pelo exemplo. Isto significa que Kwangbok representa o melhor que o regime pode oferecer em termos de uma experiência de compras; no entanto, o acesso não é limitado e os preços são representativos.
Aquando da sua abertura, o centro comercial de Kwangbok foi uma “joint venture” com um parceiro chinês (Feihaimengxin International Trade Co. Ltd). Esta cooperação bilateral foi elogiada na imprensa do Estado e visivelmente expressa pelo sinal bilíngue na fachada do edifício, algo muito raro na Coreia do Norte. No último semestre de 2016, no entanto, os caracteres chineses foram removidos, implicando uma possível mudança de propriedade. Por outro lado, as etiquetas de preço são ainda bilíngues, portanto, como muitas vezes ocorre, só podemos fazer conjeturas até aparecerem informações mais precisas.
Em qualquer caso, o centro está a funcionar e, o que é mais importante, pode ser visitado pelos ocidentais. Mesmo que eu não fosse particularmente encorajado a fazê-lo, desta vez consegui tirar algumas fotos e gravei cerca de 100 preços dos produtos de consumo, variando de batata e carne de porco a painéis solares e frigoríficos. Os clientes no supermercado usam carrinhos de compras normais, como estão onipresentes no nosso mundo globalizado. Os produtos estão pousados nas prateleiras em que podem ser colhidos diretamente. Isto é ao contrário da forma tradicional de compras na Coreia do Norte, onde as mercadorias são exibidas atrás de um balcão e a ajuda de um assistente de loja é necessária.
À chegada à caixa de pagamento os produtos são digitalizados numa caixa eletrônica e pagos em won norte-coreanos. Podem ser trocados contra dólares americanos, euros, ienes japoneses e yuan da China num pequeno guichet que também é no piso térreo. A taxa de câmbio, conforme indicado num pequeno placard é 8 000 won para 1 dólar e reflete a taxa de mercado. Por dez Euros, recebi 83 000 won o que foi mais que suficiente para pagar a minha compra de bebidas, frutas e lanche. Também podia ficar com o troco e tirá-lo do país sem restrições. Parece que não estão sendo usadas notas menores que 100 won; em vez disso, goma de mascar feita localmente é oferecida aos clientes em troca, cada barra representa 50 won.
Como seu nome nos diz, o centro comercial está localizado na rua Kwangbok. Consiste em três pisos. No piso térreo, há um supermercado vendendo todos os tipos de bens, assim como alguns itens de utensílios de cozinha. No segundo andar, sapatos, roupas e artigos domésticos selecionados são oferecidos. O terceiro andar abriga algo como o que chamaríamos de um mercado de alimentos. Mas não visitei este piso. O design e a experiência de compras assemelham-se aos padrões ocidentais segundo a forma adotada na China.
Entre as características notáveis do centro comercial está o cartão bancário "Chonsong”. De acordo com o seu poster promocional, oferece uma série de serviços financeiros, incluindo a opção de trocar os depósitos entre diferentes cartões ou poupanças a uma taxa de juros fixa. O cartão Chonsong, que está competindo com o onipresente cartão Narae e o cartão menos popular Koryo Card, é emitido nada menos do que pelo Banco Central da RPDC. Não encontrei nenhuma indicação de um cartão de fidelidade, mas isso pode ser apenas uma questão de tempo.
A gama de produtos à venda no supermercado é muito ampla. Inclui bebidas alcoólicas e não alcoólicas, diferentes tipos de pão, vegetais, óleo, doces, carnes, frutas, produtos lácteos e cigarros. Muitos produtos parecem ser feitos localmente, a julgar pela linguagem usada nas embalagens. Notei pelo menos 25 tipos diferentes de [molho] soyu, com preços variando de 1 900 won a 9 200 won por garrafa. Vinhos tintos, brancos e espumantes podem também ser comprados, com preços até 100 000 won. As bananas e melões que vi podem ser importados ou cultivados nas estufas construídas no início do século XXI com ajuda holandesa. As laranjas são provavelmente importadas. Peras e maçãs crescem na Coreia do Norte, por exemplo na fazenda de maçãs de Taedonggang. As maçãs parecem estar disponíveis em grandes quantidades, como vi em inúmeras lojas por todo o país — certamente uma visão notável para fevereiro. O preço é 5 500 won por quilo. Também no piso térreo existem máquinas de lavar roupa Siemens fabricadas na China, diferentes tipos de frigoríficos, televisões de ecrã plano Konka, produtos eletrónicos, incluindo receptores DVB-T e computadores tablet, calculadoras eletrônicas e assim por diante. As máquinas de lavar são bastante caras em comparação com padrões europeus, o resto é razoável, por exemplo, cerca 2 milhões de won para um frigorífico de seis pés fabricados em Zhejiang Xingxing. Os telemóveis são agora mais um sinal da crescente influência da nova classe média. Estavam disponíveis quatro tipos de bicicletas elétricas Rungnado feitas localmente e Meiying importadas por aproximadamente 2,6 milhões de won cada, bem como bicicletas normais por cerca de um quarto daquele preço. Como mencionei acima o número de bicicletas elétricas cresceu exponencialmente; a capital estava cheia delas, a minha estimativa aproximada é que em cada 20 bicicletas em Pyongyang, hoje em dia uma é elétrica. Uma mudança acentuada na cultura de consumo socialista e outro indicador de mercantilização é a disponibilidade de alternativas e produtos em concorrência. Ao invés de comprar "pasta de dentes", por exemplo, os clientes norte-coreanos podem agora escolher entre uma grande variedade de produtos feitos localmente. Pelo menos dez tipos diferentes são vendidos no centro comercial Kwangbok, incluindo pasta de dentes para crianças, por 3 800 won, pastas com efeito de branqueamento e uma marca de luxo com nano-tecnologia por 30 mil won. Marcas de cosméticos locais incluem Chip'yongson, Pomgol ou Malgun Ach'im. O segundo andar oferece uma seleção bastante grande de roupas de homem e de mulher assim como sapatos. Eu vi pelo menos 60 pares diferentes para senhoras com preços em torno de 200 mil won e 25 pares de sapatos masculinos com preços entre 50 e 250 mil. Mais adiante, estão ferramentas manuais caseiras importadas da China. Uma embalagem de silicone custa em torno de um dólar. Visitantes da Coreia do Norte irão constatar inúmeros painéis solares ligados às janelas dos apartamentos, particularmente nas zonas rurais onde o abastecimento de eletricidade parece ser menos fiável que na capital. Dependendo da dimensão, custam entre 600 mil e 1,7 milhões de won. Uma bicicleta elétrica custa 350 dólares o que parece muito barato para nós, porém é mais de seis meses de salário para a maioria dos norte-coreanos. Implicações Que importa tudo isso? Para começar, a verdade dos factos sobre qualquer assunto relacionado com a Coreia do Norte é rara, o que particularmente se aplica no que diz respeito à economia. Além disso e apesar de seu estatuto privilegiado por ter sido visitado pelos líderes, este centro comercial é real. Vi centenas de norte-coreanos a fazerem suas compras lá. O centro comercial de Kwangbok é também uma expressão visível do fosso crescente entre a nova classe média e o resto da população. A experiência de compras é completamente moderna e ocidentalizada, obviamente importada da China. Muitos produtos são feitos localmente, mas geralmente isso acontece em joint-ventures com empresas chinesas. O centro comercial de Kwangbok ilustra a influência econômica da China que vai muito além do comércio; os chineses estão a moldar o consumidor norte-coreano. Isto é uma má notícia para a Coreia do Sul, que esperava ter esse papel após a unificação O mais importante, no entanto, é que precisamos entender que a Coreia do Norte está a meio de uma transformação quanto ao consumo. Dez tipos de pasta de dentes? Quem precisa disso? Tal pensamento foi predominante entre os funcionários do Estado durante décadas, mas agora há espaço para uma lógica muito mais orientada para o mercado. Hoje, dez tipos de pasta de dentes? Tudo bem, se os clientes compram e um lucro pode ser obtido. Este é o novo pensamento na Coreia do Norte nos dias de hoje. A concorrência está em toda parte, inclusive entre agências de viagens, empresas de táxi e restaurantes. Os consumidores têm a beneficiar com uma maior variedade de produtos, preços mais baixos e melhor qualidade, eles vão-se acostumar com estas novas oportunidades e esperar mais. Em algum momento, o governo norte-coreano não terá outra opção senão proporcionar o quadro legal necessário, o que significa mais um afrouxamento das regras e permitir mais comércio. O Ocidente precisa de se perguntar se quer apoiar tais tendências e, caso afirmativo, se as sanções económicas e a negação da cooperação económica são a maneira correta de proceder.
06/Abril/2017
O original encontra-se em 38north.org/2017/04/rfrank040617/ e em web.archive.org/web/20170411055001/http://38north.org/2017/04/rfrank040617/ Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . |
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