segunda-feira, 13 de junho de 2016

Jacques Sapir / Choramingões indignos

Choramingões indignos


por Jacques Sapir
Manifestação em Paris, 26/Maio/2016.Pela sua voz mais autorizada, a do presidente François Hollande, o governo protestou contra a manifestação organizada em 8 de Junho diante do domicílio de Myriam El Khomri, ministra do Trabalho [1] . Este protesto – François Hollande qualificou a manifestação de "inadmissível" – verifica-se após os protestos de Emmanuel Macron, ministro do antigamente ci-devant ) da Economia, contra o movimento em que foi criticado e em que um ovo aterrou sobre a sua nobre cabeleira [2] . Este incidente foi quase qualificado de atentado contra a democracia. E por que não de crime de lesa-majestade? É preciso portanto reflectir quanto ao que revela este discurso.

A política da exasperação 

O discurso utilizado, quer pelo ministro ou pelo presidente, levanta um imenso problema. Não que este género de manifestações seja normal. Num país democrático, em tempos normais, eles não deveriam ocorrer. Mas não estamos nem em tempos "normais", a menor que se considere 3,5 milhões de desempregados como uma "norma", nem tão pouco num país democrático se se julgar pela bitola das violências policiais que têm assinalado as últimas manifestações contra a lei El Khomri [NT] . E este é exactamente o problema.

O governo assumiu a responsabilidade de criar relações altamente conflituosas com uma grande parte da população. A lei El Khomri não é senão um dos aspectos desta situação, mas um aspecto essencial. Para além do problema de fundo, com toda a sua importância, o problema do método salta à vista. As diversas sondagens confirmam que uma maioria absoluta dos franceses se opõe a esta lei. Mas o governo não tem cura. Ele impõe sobre este assunto e o emprego do artigo 49-3 é aqui altamente simbólico. A ameaça de uma requisição dos grevistas, ameaça agitada por membros do governo [3] , e parece que pelo presidente, em privado [4] , inscreve-se nesta lógica de uma utilização brutal de todos os meios que um governo dispõe. As palavras utilizadas pelo ministro dos Transportes são igualmente significativas e terrificantes. Quando este ministro ousa dizer "não haverá nenhuma tolerância em relação a actuações que pusessem em causa a grande festa na qual a França se empenha" [5] , percebe-se que ele descreve uma política que se reduz ao "pão e jogos" (Panem et Circens) do Império Romano decadente?

A exasperação de uma parte da população, exasperação que se alimenta também de outros problemas, é portanto compreensível. Ela é mesmo palpável e isto é uma das provas da natureza fora de si deste governo, cristalizado nas auras da República, de que ele nem sequer se dá conta.

Remédio do Laboratório Hollande.Assim, ele não compreende tudo o que implica esta exasperação, que nasce do sentimento de que um movimento amplamente maioritário entre os franceses choca-se com o autismo, assim como com a violência de um poder minoritário, o que é testemunhado pelas últimas sondagens. Ele não compreende que esta exasperação se reforça cada vez que o governo, em nome da manutenção da ordem, uma utilização claramente desproporcionada da força.

Indignação selectiva 

O discurso que nos é apresentado pelos diversos membros do governo é portanto o da indignação. Mas esta indignação é demasiado selectiva para ser honesta. Que se recorde manifestações provocadas pela reforma Allègre, o nome deste deplorável e calamitoso ministro da Educação Nacional do governo socialista de Lionel Jospin. Em manifestações contra esta dita reforma, militantes sindicais instalaram abaixo das suas janelas alto-falantes e regalaram suas orelhas com rugidos de elefantes, perdão, de mamutes... Ninguém se lembra que o senhor Claude Allègre tenha gritado que fora um atentado anti-democrático, ainda que se possa pensar que pouco apreciou o procedimento.

Além disso, os miitantes socialistas não se privaram, na história destes últimos quarenta anos, nem de apoiar manifestações interpelando directamente ministros de direita nem de contribuir, na imprensa, para tais manifestações. Portanto, estas últimas fazem parte – também – da democracia. Certamente esta democracia não fica nada apaziguada, mas é preciso compreender que esta noção de apaziguamento abrange seja a existência de um consenso, mas nada na política conduzida por este governo a ele conduz, seja, na realidade, o silêncio da repressão do movimento social. E este silêncio é muito frequentemente um silêncio de morte. Eis porque esta "indignação" dos membros do governo soa a falso.

O desprezo e a indignidade 

Portanto, esta "indignação" é na realidade reveladora de duas atitudes. Ela pode nos revelar o desprezo profundo no qual o presidente, assim como seus ministros, tem para com o povo dito "miúdo". É a síndrome de Maria Antonieta. O nome da mulher de Luís XVI tornou-se, com ou sem razão, o símbolo de uma elite completamente cortada das realidades vividas pela maioria da população. E sabe-se da expressão, sem dúvida apócrifa, que ela pronuncia em plena fome: "se eles não têm pão, que comam brioches". Esta indignação pode portanto traduzir um profundo desprezo, desprezo de casta e desprezo de classe. Mas pode, também, e não é incompatível, revelar a boa consciência incurável que circunda toda a política do governo actual. Como seria possível revoltar-se contra um governo que é "bom" por natureza? A "esquerda" representa o povo, ouve-se desde a eternidade. Quem são portanto estes energúmenos que ousam nos contestar? Assim, cristalizados na sua boa consciência, tanto o ministro como o presidente não podem muito simplesmente imaginar os efeitos reais, e profundamente reaccionários, das medidas que eles fazem aprovar com uma grande brutalidade. Como então sindicatos podem atacar este governo de "esquerda"? Assim segue a vida neste caso e este governo imagina-se no mundo dos ursinhos de peluche mas na realidade age com uma dureza, um desprezo pelos bens e as pessoas e uma instrumentalização da ordem pública de que há raros exemplos.

Qualquer que seja a explicação, e seja qual for a atitude que explica este comportamento, o efeito sobre a população é completamente desastroso. Hoje é evidente para uma grande maioria dos nossos concidadãos que o governo não protesta: ele choraminga. Portanto é esta a imagem terrível que este governo mostra: duro com os fracos e submisso com os poderosos quando se trata de política, choramingando e lamuriando-se quando se confronta com a menor oposição. Esta combinação de brutalidade de brutalidade para com os outros e de auto-piedade para consigo próprio é devastadora em matéria de opinião pública. Uma das consequências do movimento social contra a lei El Khomri terá sido portanto revelar a verdadeira natureza deste governo e mostrar a todos, e para além das opiniões políticas particulares que se possa ter sobre este ou aqueles ponto, a sua profunda indignidade. 
10/Junho/2016

[1]  www.lefigaro.fr/...
[2]  www.lemonde.fr/...
[3]  lexpansion.lexpress.fr/...
[4]  www.lexpress.fr/...
[5]  lexpansion.lexpress.fr/...

[NT] Ver La CGT décrypte la loi travail 


O original encontra-se em http://russeurope.hypotheses.org/5012 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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