Cromwell, um Puritano revolucionário
que derrubou a monarquia em nome de Deus
08.Apr.16 :: Destaques
«São os povos, sujeito da História, quem lhe marca o rumo, mas o factor subjetivo assume por vezes uma importância enorme, através de personalidades excecionais. Entre outras recordo Gengis Khan, Napoleão, Lenin, Ho Chi Minh. Nessa galeria figura também o inglês Cromwell».
Para os historiadores burgueses as guerras civis que devastaram a Grã-Bretanha em meados do século XVII e terminaram com a decapitação do rei foram guerras religiosas.
Karl Marx identifica nelas o desfecho de uma intensa luta de classes. E a conclusão do autor de O Capital é correta.
O papel decisivo que nesses conflitos desempenhou Oliver Cromwell continua a ser tema de intermináveis polémicas.
São os povos, sujeito da História, quem lhe marca o rumo, mas o factor subjetivo assume por vezes uma importância enorme, através de personalidades excecionais. Entre outras recordo Gengis Khan, Napoleão, Lenin, Ho Chi Minh. Nessa galeria figura também o inglês Cromwell.
A atração do poder manifestou-se tarde em Cromwell. Tinha trinta anos quando foi eleito deputado à Câmara dos Comuns pelo círculo eleitoral do condado em que residia. Mas não se destacou na sua primeira passagem pelo chamado breve parlamento, dissolvido pelo rei.
Sujeito a depressões, esteve quase a emigrar para as colónias da América.
Aos 40 anos era ainda um obscuro gentleman farmer oriundo da pequena nobreza rural do leste da Inglaterra. Casado, bom marido, pai carinhoso com os filhos, ninguém na região podia prever que esse homem discreto, na aparência banal, seria o líder de uma Revolução que levaria ao patíbulo o Rei Carlos I e abalaria a Europa e a Cristandade.
Eleito para o Rump Parliament (Parlamento Comprido, durante dois anos quase passou despercebido nele. Não era eloquente, e os seus discursos, prolixos, careciam de interesse. Quando falava, ocupava-se sobretudo de questões do seu condado.
Era um puritano que detestava o rei, os bispos, os anglicanos (para ele eram papistas) e a retórica parlamentar.
A primeira guerra civil, em 1642, quando o conflito entre o rei e o parlamento desembocou na luta armada, abriu-lhe as portas da fama. Para surpresa dos seus colegas deputados, Cromwell distinguiu-se rapidamente como um talentoso militar.
Primeiro simples capitão de cavalaria, promovido a coronel e finalmente a tenente-general, Cromwell alcançou uma sucessão de brilhantes vitórias contra o exército do rei.
Modesto aparentemente, afirmava ser inspirado por Deus, limitando-se a cumprir missões em seu nome. As vitórias eram do Eterno, não suas.
No Parlamento, discordava dos presbiterianos que nele eram maioritários e aspiravam a um entendimento com o rei.
Uma grande vitória militar, em Naseby, alterou a correlação de forças nos Comuns e o prestígio de Cromwell, irredutível na sua oposição a Carlos I, cresceu muito. Quando as hostilidades recomeçaram após uma trégua de dois anos, o choque entre o exército e o parlamento aprofundou-se.
O desfecho foi um golpe de estado militar em Dezembro de 1648. A grande maioria dos deputados,143, presbiterianos e conciliadores, foi saneada.
Quando os sobreviventes, apenas 80, voltaram a reunir-se no chamado Rump Parliament, Cromwell, que obtivera mais uma grande vitória na Escócia contra os realistas, foi aclamado como um herói.
Como sempre, atribuiu os êxitos alcançados a Deus, afirmando ser apenas um intermediário do Senhor.
Era um homem de ação, profundamente religioso, não um pensador, nem um ideólogo.
O exército, republicano, exigiu que o rei, que fora detido na Ilha de Wight, fosse julgado e condenado à morte por alta traição.
O papel de Cromwell nesse processo foi ambíguo. Alguns camaradas de armas afirmaram que tentou salvar a cabeça do rei.
A execução da sentença foi polémica.
Como a maioria dos britânicos era monárquica, a guerra prosseguiu. A República foi proclamada em maio de 1649 e Cromwell dirigiu vitoriosamente as campanhas contra a Irlanda e a Escócia.
A primeira ficou assinalada por grandes massacres, mas Cromwell foi recebido triunfalmente. O Conselho de Estado nomeou-o Lord Protetor.
A situação institucional era muito complexa. O Rump Parliament foi dissolvido, mas o novo parlamento não podia resultar de eleições normais porque a maioria do povo era conservadora e desejava a restauração do filho do rei decapitado, exilado no Continente e que na Escócia fora proclamado como Carlos II.
Cromwell aprovou a criação de duas Câmaras. Mas o corpo eleitoral foi alvo de restrições drásticas. Foram privados do direito de voto, os monárquicos e os católicos.
Comentando o estranho processo eleitoral, Voltaire, sarcástico, escreveria em meados do século seguinte que Cromwell tinha nomeado «cento e quarenta e quatro deputados do povo, a maior parte vindos de lojas e de oficinas de artesãos».
O ESTADISTA
O Lord Protetor, investido em 1953 de plenos poderes, governou o país autocraticamente até falecer em 3 de Setembro de 1658.
Que fará o soldado como homem de estado interrogavam-se admiradores e inimigos?
O andamento da História demonstrou que a Inglaterra no breve espaço de seis anos se transformou numa grande potência mundial.
Na América, a sua política contribuiu para um rápido desenvolvimento das colónias. Em duas guerras contra a Holanda, que era a primeira potência marítima, derrotou-a. As suas esquadras conquistaram a Jamaica e infligiram sucessivas derrotas à Espanha. Firmou uma sólida aliança com a França de Luis XIV, e, através de leis desafiadoras, contribuiu para a expansão do comércio e da indústria.
Instalado no Poder, insistiu em se apresentar como um instrumento de Deus, que agia em seu nome. Mas essa humildade perante o Senhor (foi desde a juventude um defensor apaixonado da virtude e conhecedor profundo da Bíblia que citava com muita frequência) não o impediu de restaurar muito do antigo cerimonial da corte e de exigir que o tratassem por Alteza.
Alguns historiadores comparam-no a Bonaparte. Mas o paralelo não tem cabimento. O general francês proclamou-se imperador, Cromwell recusou ser rei quando o Parlamento, com o apoio do exército, o convidou – por 123 votos contra 62 – pedindo-lhe que aceitasse o título e o ofício de monarca.
***
Cromwell viveu o suficiente para tomar consciência de que a Revolução que o conduzira ao poder tinha pés de barro.
O descontentamento popular no último ano da sua vida era transparente.
Quando faleceu, a 3 de setembro de 1658, vítima da malária contraída na Irlanda e de uma infeção renal, até o exército se distanciara dele.
A transição foi rápida e fácil, mas marcada por uma alteração profunda do regime.
Em Janeiro de 1661, Monk, o mais prestigiado e influente dos generais, entregou o poder ao filho mais velho do rei decapitado, logo proclamado rei da Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda como Carlos II.
A relação de forças não permitia uma ampla política de perseguições. A vindicta atingiu um número limitado de personalidades.
Mas desenterraram Cromwell e, expuseram o seu cadáver na forca de Tyburn, reservada a bandoleiros. Posteriormente foi decapitado. Mas apenas dez regicidas foram executados.
Transcorridos 550 anos, persiste uma dúvida que divide os historiadores: Cromwell, feixe de contradições, acreditava mesmo ser um instrumento da vontade de Deus, seu intermediário na guerra como na paz?
Serpa,15 de Março de 2016
Serpa,15 de Março de 2016
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