sexta-feira, 22 de abril de 2016
Experiência final da VENUS EXPRESS lança luz sobre atmosfera polar de VÉNUS
Visualização da Venus Express durante a manobra de aerotravagem, na qual a sonda orbitou Vénus a uma altitude de aproximadamente 130 km entre 18 de junho e 11 de julho de 2014. No mês anterior, a altitude foi reduzida gradualmente de cerca de 200 km para 130 km. Crédito: ESA - C. Carreau
Alguns dos resultados finais enviados pela sonda Venus Express da ESA, antes de mergulhar através da atmosfera do planeta, revelaram a presença de ondas atmosféricas - e uma temperatura média de -157º C, mais frio do que em qualquer outro lugar da Terra. Além de nos dizer muito sobre as regiões polares - anteriormente inexploradas - de Vénus, e de melhorar o nosso conhecimento deste vizinho planetário, a experiência é uma grande promessa para a missão ExoMars da ESA, que está neste preciso momento a caminho do Planeta Vermelho. Os resultados foram publicados na edição de 11 de abril de 2016 da revista Nature Physics.
A Venus Express da ESA chegou a Vénus em 2006. Passou oito anos a explorar o planeta a partir de órbita, ultrapassando em muito a duração planeada da missão (500 dias), antes de ficar sem combustível. A sonda começou então a sua descida, mergulhando cada vez mais na atmosfera de Vénus, antes da missão perder contacto com a Terra (novembro de 2014) e terminar oficialmente (dezembro de 2014). No entanto, a Venus Express foi diligente até ao fim; as órbitas de baixa altitude foram realizadas durante os meses finais da missão, levando a nave espacial perto o suficiente para sentir fricção mensurável com a atmosfera. Usando os seus acelerómetros a bordo, a nave mediu a desaceleração que sentia enquanto atravessava a atmosfera superior do planeta - uma manobra conhecida como aerotravagem.
Visualização da Venus Express durante a manobra de aerotravagem, na qual a sonda orbitou Vénus a uma altitude de aproximadamente 130 km entre 18 de junho e 11 de julho de 2014. No mês anterior, a altitude foi reduzida gradualmente de cerca de 200 km para 130 km. Crédito: ESA - C. Carreau
"A aerotravagem usa o atrito atmosférico para abrandar uma nave, por isso fomos capazes de usar as medições dos acelerómetros para explorar a densidade da atmosfera de Vénus," afirma Ingo Müller-Wodarg do Imperial College London, no Reino Unido, autor principal do estudo. "Nenhum dos instrumentos da Venus Express estava realmente concebido para fazer observações atmosféricas 'in situ'. Só nos apercebemos em 2006 - depois do lançamento! - que podíamos usar a Venus Express, num todo, para fazer mais ciência. Quando Müller-Wodarg e colegas reuniram as suas observações, a Venus Express orbitava entre 130 e 140 km perto das regiões polares de Vénus, numa zona da atmosfera de Vénus que nunca tinha sido estudada "in situ. Anteriormente, o nosso conhecimento da atmosfera polar de Vénus tinha por base observações recolhidas pela sonda Pioneer da NASA no final da década de 1970. Essas foram de outras partes da atmosfera de Vénus, perto do equador, mas extrapoladas para os polos para formar um modelo completo de referência atmosférica. Estas novas medições, recolhidas como parte do estudo VExADE (Venus Express Atmospheric Drag Experiment) entre os dias 24 de junho e 11 de julho de 2014, testaram diretamente este modelo - e revelaram várias surpresas.
Esta figura mostra a densidade da atmosfera de Vénus nas regiões polares norte a altitudes de 130 a 190 km. Todos os dados foram recolhidos durante fases diferentes da experiência VExADE, realizada entre 2008 e 2013 (valores acima dos 165 km) e entre 24 de junho e 11 de julho de 2014 (valores por baixo de 140 km); os pontos pretos para baixo e para a direita são da fase de aerotravagem, os da parte superior esquerda são da fase de Determinação Precisa de Órbita, e os cinzentos de medições de binário. Cada linha colorida representa um modelo científico diferente da atmosfera de Vénus. A linha azul escura mostra um modelo baseado em dados da sonda Pioneer da NASA, denominado VTS3, que usa observações de latitudes equatoriais de Vénus recolhidas entre 1978 e 1980 (extrapolados para os polos). A linha azul corresponde a outro modelo de referência da atmosfera superior neutra de Vénus com base na Pioneer, com o nome VIRA (Venus International Reference Atmosphere). A linha vermelha corresponde a um modelo atualmente em desenvolvimento por Ingo Müller-Wodarg. Este modelo visa preencher a lacuna de dados vistos na figura entre 140 e 165 km e apresentam um perfil de densidade vertical unificado para a atmosfera polar superior de Vénus. Crédito: Cortesia de I. Müller-Wodarg (Imperial College London, Reino Unido)
Em primeiro lugar, a atmosfera polar é até 70 graus mais fria do que o esperado, com uma temperatura média de -157ºC. As recentes medições de temperatura pelo instrumento SPICAV (SPectroscopy for the Investigation of the Characteristics of the Atmosphere of Venus) da Venus Express estão de acordo com esta conclusão. A atmosfera polar também não é tão densa quanto o esperado; a 130 e 140 km de altitude, é 22% e 40% menos densa do que o previsto, respetivamente. Quando extrapoladas para mais alto na atmosfera, estas diferenças são consistentes com as medidas anteriormente pelo VExADE a 180 km, onde as densidades encontradas são menores por um fator de quase dois. Isto está em linha com as nossas descobertas de temperatura e mostra que o modelo existente apresenta uma perspetiva demasiado simples da atmosfera superior de Vénus," acrescenta Müller-Wodarg.
"Estas densidades mais baixas podem ser, pelo menos, em parte devidas a vórtices polares, sistemas de ventos fortes situados perto dos polos do planeta. Os ventos atmosféricos podem estar a tornar a estrutura de densidade tanto mais complicada como mais interessante! Além disso, descobriu-se que a região polar é dominada por fortes ondas atmosféricas, um fenómeno que se pensa ser fundamental na formação de atmosferas planetárias - incluindo a nossa. Através do estudo de como as densidades atmosféricas mudam e são perturbadas ao longo do tempo, descobrimos dois tipos diferentes de onda: ondas de gravidade atmosféricas e ondas planetárias," explicou o coautor Sean Bruinsma do CNES (Centre National D'Etudes Spatiales), França. "Estas ondas são difíceis de estudar, pois precisamos estar dentro da atmosfera do próprio planeta para as medir corretamente. As observações de longe não nos dizem tanto."
Esta imagem mostra uma visualização de dados brutos da experiência VExADE, realizada entre 24 de junho e 11 de julho de 2014, a altitudes de 130-140km na atmosfera de Vénus. As linhas escuras mostram 16 das 18 trajetórias orbitais desse período. O fundo cinzento é um mapa normalizado das ondas de gravidade atmosféricas detetadas. A não-uniformidade representa perturbações de densidade na atmosfera polar de Vénus; as zonas mais escuras são menos densas, e as zonas mais claras são mais densas do que os seus arredores. A amplitude de perturbação média de densidade ronda os 10% da densidade média de fundo. Os resultados da experiência VExADE, divulgadas na revista Nature Physics, mostram que as fontes ondas de gravidade atmosféricas dominam as regiões polares da atmosfera de Vénus. Crédito: ESA/Venus Express/VExADE/Müller-Wodarg et al., 2016
As ondas de gravidade atmosféricas são semelhantes às ondas que vemos no oceano, ou quando atiramos pedras num lago, só que viajam verticalmente em vez de horizontalmente. São essencialmente ondulações na densidade de uma atmosfera planetária - viajam de altitudes baixas para altitudes mais elevadas e, dado que a densidade diminui com a altitude, tornam-se mais fortes com a altura. O segundo tipo, ondas planetárias, está associado com a rotação de um planeta enquanto gira sob o seu próprio eixo; são ondas de maior escala com períodos de vários dias. A Terra tem ambos os tipos. As ondas de gravidade atmosféricas interferem com o tempo e provocam turbulência, enquanto as ondas planetárias podem afetar sistemas meteorológicos e de pressão. Sabe-se que ambos transferem energia e momento de uma região para outra, e assim tendem a ser muito influentes na definição das características de uma atmosfera planetária.
"Nós descobrimos que as ondas de gravidade atmosféricas dominam a atmosfera polar de Vénus," acrescenta Bruinsam. "A Venus Express sentiu-as como uma espécie de turbulência, um pouco como as vibrações que sentimos quando um avião viaja por uma zona mais difícil. Se nós voássemos através da atmosfera de Vénus, a essas altitudes, não as sentiríamos porque a atmosfera não é densa o suficiente, mas a Venus Express tem instrumentos sensíveis o suficiente para as detetar."
A Venus Express descobriu ondas atmosféricas a uma altitude de 130-140 km que a equipa pensa serem originárias da camada superior de nuvens na atmosfera de Vénus, situada a altitudes de aproximadamente 90 km e abaixo, e uma onda planetária que oscilou com um período de cinco dias. "Nós verificámos cuidadosamente os dados para assegurar que as ondas não eram um artefacto do processamento," afirma o coautor Jean-Charles Marty, também do CNES. Isto não é só um marco para a Venus Express; embora a técnica de aerotravagem já tenha sido usada para satélites terrestres, e para missões da NASA em Marte e Vénus, nunca tinha sido usada numa missão planetária da ESA. No entanto, a missão ExoMARS TGO (Trace Gas Orbiter) da ESA, que foi lançada o mês passado, vai usar uma técnica similar. "Durante esta atividade vamos extrair dados parecidos da atmosfera marciana, tal como em Vénus," acrescenta Håkan Svedhem, cientista dos projetos ExoMars 2016 e Venus Express.
"Para Marte, a fase de aerotravagem vai durar mais tempo do que em Vénus, cerca de um ano, de modo que teremos um conjunto completo de dados das densidades atmosféricas de Marte e como variam com a estação e distância ao Sol," acrescenta Svedhem. "Esta informação não é apenas relevante para os cientistas; é também crucial para fins de engenharia. O estudo de Vénus foi um teste altamente bem-sucedido de uma técnica que pode agora ser aplicada a Marte numa escala maior - e depois para missões futuras."
Fonte: Astronomia Online
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