sábado, 26 de março de 2016

Noam Chomsky : Eleições presidenciais nos EUA Ameaçam «Um desastre completo?»

Entrevista com Noam Chomsky
Eleições presidenciais nos EUA
Ameaçam «Um desastre completo?»

C.J. Polychroniou*
26.Mar.16 :: Outros autores
«Os partidários de Trump (que parecem ser predominantemente pessoas de classe média-baixa E da classe trabalhadora com menos educação) reagem em parte à ideia em grande medida exacta de que simplesmente ficaram esquecidos pelo caminho. É interessante comparar a situação actual, com a Grande Depressão. Objectivamente as condições da década de 30 eram muito piores e, os Estados Unidos um país muito mais pobre. Mas, subjectivamente as condições eram muito melhores. Apesar de tanto índice de depressão como o sofrimento serem muito altos, entre a classe trabalhadora havia um sentimento de esperança, a certeza de que alguma maneira sairíamos disso juntos. Davam-lhe força os êxitos do activismo combativo, operário que conseguia actuar conjuntamente com partidos activos de esquerda e com outras organizações.»


Vivemos tempos críticos e dramáticos. O neoliberalismo continua a ser a doutrina político-económica suprema enquanto as sociedades continuam a deteriorar-se à medida que se reduzem os investimentos públicos e os programas e serviços sociais para que os ricos possam enriquecer ainda mais. Ao mesmo tempo o autoritarismo político está no auge e na opinião de alguns estão criadas as condições para a emergência de um regime protofascista. Entretanto, aumenta a ameaça da mudança climática devido à ausência de valores e de visão de futuro dos dirigentes políticos para avançarem com programas energéticos alternativos, pondo assim em perigo o futuro da civilização humana.
Por isso e por outras razões, as eleições presidenciais norte-americanas de 2016 são a chave para o futuro desse país e do mundo. De facto, esta pode ser a ultima oportunidade que os Estados Unidos têm de eleger um presidente que queira mudar o curso da sua política interna e externa, embora haja poucas possibilidades do que isso aconteça, se tivermos em conta a actual paisagem politica.
Com efeito, como declarou Noam Chomsky ao Truthout nesta entrevista exclusiva, os candidatos políticos às eleições presidenciais de 2016 mal abordam os problemas fundamentais que o país e o mundo enfrentam. Entretanto, o auge do trumpismo e a luta dos candidatos republicanos a ver qual é o mais racista e extremista são reflexo das ideias muito arreigadas de «perda e de medo» em muitos norte-americanos.
Na opinião de Chomsky estas eleições são decisivas e têm uma importância enorme.
C.J. Polychroniou: Noam, comecemos por analisar como se desenrolam as eleições presidenciais de 2016 quanto à situação do país e o papel que desempenham nos negócios globais, assim como as opiniões ideológicas expressas por alguns dos principais candidatos dos dois partidos.
Noam Chomsky: 
Não podemos ignorar que chegamos a um momento único na história da humanidade. Pela primeira vez há que tomar decisões imediatas que, literalmente, determinarão as possibilidades de uma sobrevivência humana decente num futuro não distante.
Já tomamos esta decisão para um grande número de espécies. A destruição de espécies está ao nível de há 65 milhões de anos, a época da quinta extinção que acabou com a era dos dinossauros. Isso também abriu caminho para os pequenos mamíferos e em ultima instância a nós, uma espécie com capacidades únicas, incluindo, desgraçadamente a capacidade de destruir fria e selvaticamente.
Joseph de Maistre, um autor reaccionário do século XIX, contrário à ilustração, criticou Thomas Hobbes por adoptar a locução latina «o homem é o lobo do homem», já que a considerava injusta para com os lobos, que não matam por prazer. Esta capacidade estende-se a autodestruição, algo de que agora testemunhamos. Supõe-se que a quinta extinção foi causada por um asteroide descomunal que chocou contra a Terra. Agora somos nós o asteróide. O impacto sobre os seres humanos já é significativo e dentro em breve será incomparavelmente pior, a menos que se comecem já a tomar decisões imediatas. É cada vez maior o risco de uma guerra nuclear, uma sombra sinistra que continua a pairar sobre todos nós. Isso deveria acabar com qualquer outra discussão. Devemos lembrar a resposta de Einstein quando lhe perguntaram que armas usariam na próxima guerra. Respondeu que não sabia, mas que a guerra seguinte seria à pedrada. Se examinarmos os antecedentes vemos ser quase um milagre que até agora se tenha evitado o desastre, e os milagres não duram sempre. Desgraçadamente, é também demasiado evidente que o risco é cada vez maior.
Felizmente, há outras capacidades que contrariam as destrutivas e suicidas da natureza humana, Há boas razões para crer que figuras importantes como David Hume e Adam Smith e o pensador e activista anarquista Peter Kropotkin tinham razão ao achar que a simpatia e o auxílio mútuo eram propriedades essenciais da natureza humana. Já Vamos descobrir quais as características que se evidenciam.
Voltando à pergunta, vejamos como estão a abordar estes problemas essenciais no grande espectáculo das eleições. O mais surpreendente é que nenhum dos partidos sequer lhes toca.
Vejamos o espectáculo das primárias republicanas. Os comentaristas quase não conseguem ocultar o seu desgosto e preocupação pelo que as primárias nos dizem sobre o país e a civilização contemporânea. Mas, os candidatos responderam a essas perguntas cruciais. Ou negam o aquecimento global e insistem em que não se pode fazer nada, com o que pretendem na realidade precipitar-nos ainda mais depressa no abismo.
Embora existam políticas previsíveis, parecem decididos a aumentar o confronto militar e as ameaças. Só por essas razões a organização republicana (temos duvidas em chamar-lhe partido politico no sentido tradicional) pressupõe uma ameaça embrulhada e verdadeiramente espantosa para a espécie humana e para as outras, que se transformam em «danos colaterais» quando a inteligência superior segue em frente na sua trajectória suicida.
É o lado democrata que pelo menos reconhece o perigo da catástrofe ambiental, embora haja poucas propostas políticas de peso. Não se encontrou qualquer posição clara nos programas de Obama para melhorar o arsenal nuclear, ou em assuntos tão críticos como os rápidos (e mútuos) preparativos militares nas fronteiras russas.
Em geral, as posições ideológicas dos candidatos republicanos parecem ser mais do mesmo: encher os bolsos dos ricos e dar uma sapatada nos outros. Os dois candidatos democráticos vão desde o estilo New Deal do programa de Sanders à versão «novo democrata/republicano moderado» de Clinton, que se escora levemente na esquerda sob o impacto do desafio de Sanders. Sobre os assuntos internacionais e as tarefas imensas que enfrentamos, no melhor dos casos parece ser «mais do mesmo».
C:J Polychroniou: Na sua opinião, o que é que levou Trump ao auge, não será mais um daqueles personagens típicos de extrema-direita populista que costumam aparecer na história sempre que as nações enfrentam graves crises económicas ou de decadência nacional?
Noam Chomsky: 
Se os Estados Unidos enfrentam uma «decadência nacional» é auto-infligida. É certo que provavelmente os Estados Unidos não podem manter o poder extraordinariamente hegemónico do período imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial, mas continuam a ser o país potencialmente mais rico do mundo, com uma vantagen e uma segurança incomparáveis – a nível militar quase iguala o resto do mundo, além de ser muito mais avançado tecnologicamente que qualquer rival.
Parece que o atractivo de Trump se baseia largamente nas ideias de perda e de medo. O ataque neoliberal às populações do mundo, que tem quase sido prejudicial e frequentemente de modo muito grave, não deixou de afectar os Estados Unidos, embora de certo modo tenha resistido mais que outros países. A maioria da população sofreu uma paragem ou uma deterioração, embora tenha acumulado uma riqueza extraordinária e ostensiva em muito poucos bolsos. O sistema democrático formal sofreu as consequências habituais das políticas socioeconómicas, neoliberais e encaminha-se para uma plutocracia.
Recordemos os pormenores sombrios, por exemplo o não aumento dos salários reais masculinos durante 40 anos e o facto de que desde a última quebra financeira aproximadamente 90% da riqueza criada foi para 1% da população. O facto de a maioria da população (as pessoas com menos recursos) está de facto privada do direito de voto no sentido de que os seus representantes ignoram as suas opiniões e preferências, e prestam atenção aos super ricos que lhes proporcionam fundos e os caminhos do poder. O facto de os Estados Unidos, com todas as suas evidentes vantagens, se encontram quase nos últimos lugares dos 31 países da OECD (siglas em inglês para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económicos) juntamente com a Turquia, Grécia e México, em assuntos como a desigualdade, a escassez de benéficos sociais e alto índice de pobreza.
Os partidários de Trump (que parecem pertencer, predominantemente, à camada média-baixa e classe trabalhadora com menos educação) reagem em parte à ideia, em grande medida exacta, que ficaram esquecidos pelo caminho, pura e simplesmente. Apesar de tanto índice de depressão, como o sofrimento, serem muito altos entre a classe trabalhadora havia um sentimento de esperança, a certeza que alguma maneira sairíamos disto juntos. Dava-lhes força os êxitos do activismo combativo, operário que conseguia actuar conjuntamente com partidos activos de esquerda e com outras organizações. Um governo bastante compreensivo respondeu com medidas construtivas embora sempre estivesse limitado pelo enorme poder dos democratas do Sul, que estavam dispostos a tolerar medidas do Estado de bem-estar sempre e quando se marginalizasse a população negra que depreciavam. É importante destacar que havia a sensação de que o país se encaminhava para um futuro melhor. Tudo isso falta hoje em dia, principalmente devido ao êxito que tiveram os duros ataques à organização operária que se iniciou quando acabou a guerra.
Além disso, Trump tem um grande apoio da parte dos nativistas e racistas [1]. Vale a pena recordar que, como demonstram de modo convincente os estudos comparativos de George Fredrickson, os Estados Unidos são um dos lugares em que a supremacia branca é mais forte, mesmo mais que na Africa do Sul. Os Estados Unidos nunca superaram a Guerra Civil e o horrendo legado de opressão dos afro-americanos durante 500 anos. Existe também um longo historial de alusões à pureza anglo-saxónica ameaçada por ondas de emigrantes (e pela liberdade dos negros) e, também para as mulheres, o que não é aceite nos sectores patriarcais). Os partidários de Trump que são maioritariamente brancos, podem ver que está a desaparecer diante dos seus olhos a sua imagem de uma sociedade dirigida por brancos e para muitos, por homens brancos). Também vale a pena recordar que ainda que os Estados Unidos sejam um pais bastante seguro e fiável, também é positivamente o mais assustado do mundo, outra característica da sua cultura que tem uma longa história.
Factores como estes misturam-se numa perigosa amálgama. Repassando simplesmente os últimos anos, num livro de há mais de uma década citava o eminente académico de história alemã Fritz Stern que escreveu no jornal da classe dominante Foreign Affairs sobre «a decadência na Alemanha que ia desde a descendência até à barbárie nazi» e Fritz Stern acrescentava enfaticamente «Hoje preocupo-me com o futuro imediato dos Estados Unido, o país que acolheu os refugiados de língua alemã na década de 1930», inclusive a ele. Com umas repercussões para ele aqui e agora que não poderiam passar despercebidas a nenhum leitor atento, Stern revia o demoníaco apelo de Hitler à sua missão divina» como «salvador da Alemanha» numa transfiguração pseudo religiosa da política adaptada às «formas cristãs tradicionais» que regem um governo dedicado aos «princípios básicos da nação, com o «Cristianismo como a base da nossa moral nacional e a família como base da vida nacional». Além disso, a hostilidade de Hitler para com o estado laico liberal, que uma grande parte do clero protestante partilhava, impulsionou um «processo histórico em que o ressentimento para com um mundo laico desencantado encontrou a sua libertação na extasiada fuga da sem-razão.
As ressonâncias contemporâneas são indubitáveis
Desde então não faltaram razões para nos preocuparmos com o futuro dos Estados Unidos. Podemos lembrar por exemplo, o manifesto eloquente e comovedor que Joseph Slack nos deixou, quando se suicidou ao atirar a avioneta contra os escritórios do Serviço de Impostos Internos (Serviço de impostos do governo federal norte americano). No manifesto a sua amarga história de trabalhador que tudo fizera para respeitar as normas e fora esmagado pela corrupção e a brutalidade do sistema corporativo e das autoridades estatais. Falava por muitas pessoas. Na generalidade foi ignorado e ridicularizado, mas deveria ter sido levado a sério, juntamente com outros indícios claros do que estava a acontecer.
C:J: Polychroniou: Mas, acho que tanto Cruz como Rubio são muito mais perigosos do que Trump. Parecem-me uns verdadeiros monstros, enquanto Trump me lembra um pouco Sílvio Berlusconi. Está de acordo?
Noam Chomsky: 
Estou e como sabe, na Europa costuma comparar-se Trump com Berlusconi. Também acrescentaria Paul Ryan à lista. Retratam-no como o pensador profundo dos republicanos, o analista político sério, que utiliza folhas de cálculo e outras ferramentas dos analistas sisudos. As poucas tentativas de analisar os seus programas depois de prescindir da magia que costuma introduzir neles chegam à conclusão de que as suas políticas reais vão destruir praticamente todas as partes do governo federal que servem os interesses da população em geral, enquanto a parte militar se alarga e se garante que também se apoiam os ricos e o sector empresarial. Ou seja, o essencial da retórica republicana quando se deixa de lado a retórica.
C. J. Polychroniou: A juventude norte americana parece estar cativada pela mensagem de Bernie Sanders. Surpreende-o como se aguenta?
Noam Chomsky: 
Surpreende-me. Não previ o êxito da sua campanha. No entanto há que levar em linha de conta que as suas propostas politicas não teriam surpreendido o presidente Eisenhower, e que estão bastante de acordo com o que durante muito tempo têm sido os sentimentos populares. Por exemplo, actualmente cerca de uns 60% da população a sua muito denodada defesa de um sistema nacional se segurança social como costuma haver em sociedades semelhantes., o que é um número muito elevado tendo em conta que é objecto de uma condenação constante e que poucas pessoas se expressam em sua defesa. E esse apoio popular vem de muito longe. Nos últimos anos da presidência de Reagan aproximadamente 70% da população pensava que a Constituição deveria garantir a saúde pública e 40% pensava que já estava garantida, o que significa que é uma aspiração tão óbvia que deveria constar desse documento sagrado.
Quando Obama abandonou uma opção pública sem levá-la em conta, quase duas terças partes da população apoiaram a sua opção. E existem todos o motivos para crer quer se pouparia uma enorme quantidade de dinheiro se os Estados Unidos adoptassem os sistema de saúde muitos mais eficazes de outros países, que têm aproximadamente a metade dos gastos de saúde públicos que os Estados Unidos, e geralmente melhores resultados. Pode dizer-se o mesmo acerca das suas propostas de aumentar os impostos dos ricos, educação superior gratuita e outras partes do seu programa quanto aos Estados Unidos, a maioria das quais são o reflexo de compromissos do New Deal e são semelhantes a opções políticas dos períodos de maior crescimento no período posterior à Segunda Guerra Mundial.
C. J. Polychroniou: Qual é o cenário em que Sanders pode ganhar a nomeação democrata?
Noam Chomsky: 
Evidentemente seriam necessárias consideráveis actividades educativas e organizativas. Mas, com franqueza, parece-me que estas actividades se deveriam dirigir fundamentalmente a desenvolver um movimento popular que não desapareça depois das eleições, mas que se una a outros para formar o tipo de força activista que no passado foi fundamental para iniciar e prosseguir com as mudanças e reformas necessários.
C. J. Polychroniou: Os Estados Unidos continuam a ser uma democracia ee no caso de não o ser, as eleições serão importantes?
Noam Chomsky: 
Com todos os seus defeitos, os Estados Unidos continua a ser uma sociedade muito aberta e livre em termos comparativos. Claro que as eleições são importantes. Em minha opinião seria um desastre completo para o país, para o mundo e para as gerações futuras se algum dos candidatos republicanos actuais chegasse à Casa Branca e se continuassem a controlar o Congresso. Para chegar a essa conclusão basta ver os assuntos extremamente importantes que já citámos, mas não é tudo. Pelas razões que já indiquei, a democracia norte americana sempre limitada tem-se encaminhado cada vez mais para uma plutocracia. Mas estas tendências não são imutáveis. Contamos com um vasto legado de liberdades e direitos que os nossos antepassados nos legaram, que não se renderam em condições e ocasiões muito mais duras que aquelas que enfrentamos agora. E isso dá-nos amplas oportunidades para fazer um trabalho muito necessário e em muitos sentidos no activismo directo e para pressionar da defesa de importantes decisões politicas na criação de organizações comunitárias viáveis e eficazes que revitalizem o movimento operário e também no âmbito politico, desde a escola de quadros até às assembleias legislativas estatais e muito mais.

Nota da Tradutora:

[1] Nativistas são aqueles que acham que só podem ser considerados cidadãos de uma nação as pessoas que nasceram nela. Na história dos Estados Unidos apresenta-se frequentemente o nativismo como argumento contra a emigração. No século XIX os nativistas eram essencialmente cidadãos brancos e protestantes. Actualmente o movimento nativista compreende sobretudo os WASP, ou seja, brancos, anglo-saxões e protestantes.
* C. J. Polychroniou, colaborador habitual de Truthout, é economista e analista político, com vários livros publicados.
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