No centenário da Teoria da Relatividade GeralBreve perfil científico e político de Einstein
por Jorge Rezende [*]
Produção científica Em 1905, o seu ano "annus mirabilis", publicou quatro artigos fundamentais sobre o efeito fotoeléctrico (sugere que a energia é apenas trocada em pequenas quantidades, "quanta", o que levou ao desenvolvimento da mecânica quântica), o movimento browniano (explicava o resultado experimental da teoria atómica), a relatividade especial (baseado no conhecimento experimental de que a velocidade da luz é finita) e a equivalência entre a massa e a energia (E = mc², que esteve na base da energia nuclear) que o tornariam famoso. Entre 1907 e 1915, desenvolveu a relatividade geral segundo a qual a atracção gravitacional entre massas resulta da deformação do espaço e do tempo provocada por essas massas, o que se revelou muito importante no desenvolvimento da astrofísica. Em 1919, na ilha do Príncipe, Arthur Eddington, por ocasião de um eclipse solar, verificou experimentalmente a curvatura da luz em volta do sol, confirmando assim a previsão de Einstein. Em 1921 recebeu o prémio Nobel da Física, não pela teoria da relatividade, que ainda era controversa, mas pelos seus "serviços na física teórica", com destaque para a descoberta da lei do efeito fotoeléctrico. Einstein trabalhou ainda na teoria da radiação, mecânica estatística, na construção de teorias do campo unificado, na interpretação probabilística da teoria quântica, em probabilidades de transição atómicas, na cosmologia relativista, etc. Percurso Quando o pequeno Albert tinha seis semanas a família mudou-se para Munique. Mais tarde, os pais foram para Itália e Einstein foi estudar para a Suíça, onde, em 1896, se inscreveu na Escola Politécnica Federal, em Zurique, para vir a ser professor de Física e Matemática. Em 1901 terminou o curso e adquiriu a nacionalidade suíça. Não encontrando lugar como professor, foi trabalhar para o Instituto Suíço de Patentes, em Berna. Foi aí que ele produziu muito do seu notável trabalho inicial. Em 1905 obteve o doutoramento. Em 1908, foi designado "Privatdozent" em Berna. Em 1909 foi nomeado Professor Extraordinário em Zurique, e em 1911 e 1912 tornou-se Professor de Física Teórica, primeiro em Praga e depois em Zurique. Em 1914 foi nomeado director do Instituto Kaiser Guilherme e Professor da Universidade de Berlim, tendo readquirido a nacionalidade alemã. Quando, no início de 1933, Hitler subiu ao poder, Einstein estava nos EUA, nunca mais regressando à Alemanha e renunciando, mais uma vez, à nacionalidade. Acabou por aceitar a posição de Professor de Física Teórica em Princeton, EUA. Uma Europa em ebulição Einstein dedicou também a vida a uma intensa actividade social tendo sido um militante do pacifismo, dos direitos humanos e da luta contra a segregação racial. Uma pergunta óbvia se coloca: o que esteve na origem da sua actividade política tantas vezes ignorada nas suas biografias? Para nos situarmos bem no espaço e no tempo, notemos que Einstein tinha 4 e 16 anos, quando morreram os seus compatriotas Marx e Engels. No seu tempo, na Europa, imperavam os nacionalismos, o militarismo e o racismo (com a perseguição aos judeus, e não só) e circulavam revolucionários de todas as nacionalidades. Einstein foi estudar para a Suíça com 15 anos, em parte devido à sua aversão ao militarismo alemão. Em Zurique, frequentava o Café Odeon por onde passaram também revolucionários russos como Alexandra Kollontai (1898), Trotsky (1914) e, mais tarde, Lénine (1916-1917) e muitas outras personalidades históricas. Kollontai foi contemporânea de Einstein em Zurique, mas Lénine não. Lénine passava pelo Odeon para ler avidamente os jornais nas vésperas da revolução de Outubro. De Lénine diria, anos mais tarde, a propósito de 5.º aniversário da sua morte: "Em Lénine eu admiro um homem que, em total sacrifício da sua própria pessoa, dedicou toda a sua energia a realizar a justiça social. Eu não acho os seus métodos aconselháveis. Todavia, uma coisa é certa: homens como ele são os guardiões e renovadores da consciência da humanidade". O pacifismo de Einstein revelou-se, mais uma vez, quando, em 1914, 93 proeminentes intelectuais alemães (incluindo Max Planck) assinaram o manifesto de apoio inequívoco às acções militares no início da I Guerra Mundial: ele e mais três responderam com um contra-manifesto. Na Europa, Einstein participou em muitas outras iniciativas pacifistas tais como o congresso da "Liga contra o Imperialismo", em 1927. Quando foi trabalhar para Berlim, Einstein, pelo facto de ser judeu, sofreu ameaças e humilhações de origem nazi, o que acabou por robustecer as suas convicções sociais e políticas e influenciar a sua acção futura. A bomba atómica Em 1939, instado por Leó Szilárd, Einstein escreveu uma carta ao presidente Roosevelt prevenindo-o de que os alemães estavam a planear desenvolver uma nova e destruidora arma, a bomba atómica; havia a informação de que, em 1938, em Berlim, cientistas tinham conseguido a fissão nuclear. Essa iniciativa veio dar origem ao "projecto Manhattan" que levaria à construção, pelos EUA, das primeiras bombas com as trágicas consequências que se conhecem. Curiosamente, Einstein nunca conseguiu a credencial para poder trabalhar nesse projecto por constituir um "risco para a segurança", e os cientistas que aí trabalhavam foram proibidos de o consultar por ser um activista de esquerda. Einstein veio a arrepender-se de ter escrito a carta. Entrevistado pela revista Newsweek, disse "tivesse eu sabido que os alemães não conseguiriam desenvolver uma bomba atómica, nada teria feito".
Israel
Num discurso em Nova Iorque, em 1938, Einstein disse: "Eu prefiro um razoável entendimento com os árabes na base de viverem juntos em paz do que a criação de um estado judaico. O meu entendimento da natureza essencial do judaísmo resiste à ideia de um estado judaico com fronteiras, um exército, e um poder temporal nem que seja modesto. Tenho receio do dano interno que o judaísmo venha a suportar – especialmente devido ao desenvolvimento de um nacionalismo mesquinho dentro das nossas próprias fileiras, contra o qual já tivemos que lutar firmemente mesmo sem um estado judaico… Se necessidades externas finalmente nos compelirem a assumir esse fardo, suportemo-lo com tacto e paciência." Contudo, ele não se manteve rigorosamente fiel a estas ideias o que se compreende à luz dos acontecimentos subsequentes, independentes da sua vontade. A Palestina foi dividida em 1947 pelas Nações Unidas e daí resultou a criação de Israel (coisa a que Einstein se tinha oposto em 1938), o que conduziu à guerra na região. Einstein e outros criticaram firmemente o massacre de Deir Yassin, em carta aberta ao New York Times, perpetrado pelo partido de Menachem Begin, Herut, equiparando-o aos "partidos nazis e fascistas" (Menachem Begin viria a ser primeiro ministro de Israel entre 1977 e 1983…). Em Maio de 1948 Israel tornou-se independente e Einstein declarou que se tratava da "realização dos nossos [dos judeus] sonhos". Quando, em 1952, lhe foi oferecida a presidência de Israel, Einstein, polidamente, recusou. A luta contra o racismo Para Einstein, que tinha sofrido humilhações racistas na Europa, a sua fixação em Princeton, foi um deslumbramento. Mas depressa verificou que aquilo que sucedia aos judeus na Alemanha nessa época (no início dos anos 1930), via ele então acontecer aos negros nos EUA. Em 1937, quando a contralto Marian Anderson foi dar um concerto a Princeton e não encontrou alojamento por ser negra, foi convidada por Einstein a pernoitar em sua casa. Assim continuou a ser daí em diante, mesmo depois de ter acabado a segregação nos hotéis. Einstein raramente aceitava honrarias, mas, em 1946, deslocou-se à Universidade de Lincoln, na Pensilvânia, a primeira nos EUA a conferir diplomas a negros, para receber um grau honorário. Aí discursou afirmando que o racismo era uma "doença dos brancos" e acrescentou "não tenciono ficar quieto a propósito disso". Quando, em 1951, W.E.B. Du Bois, sociólogo e historiador, fundador da Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP), foi acusado de ser um "agente soviético" por um "grande júri" federal, Einstein prontificou-se para ser sua primeira testemunha e, por esse motivo, a meio do julgamento, o juiz deixou cair a acusação. A firme oposição de Einstein ao racismo não o deixou intimidar pelo ambiente ferozmente anticomunista nos EUA na época e, consequentemente, não só defendeu os seus amigos Robeson e Du Bois, como apoiou campanhas (organizadas pelo Congresso dos Direitos Cívicos (CRC)) para salvar as vidas de negros rapidamente condenados à morte por tribunais constituídos só por brancos tais como Willie McGee, os seis de Trenton e outros. A luta contra o Macartismo Quando William Frauenglass, em 1953, professor de liceu em Nova Iorque, foi chamado a depor no período da "caça às bruxas", recusou e, como daí resultaria a sua demissão, escreveu a Einstein pedindo-lhe apoio. Este respondeu-lhe em carta aberta publicada na primeira página do New York Times (entre parêntesis rectos, uma parte não incluída no jornal mas publicada mais tarde):
Pouco tempo depois, outra testemunha que se recusou a depor, Al Shadowitz, alegou que estava "a seguir o conselho do Doutor Einstein". As recusas passaram a ser frequentes até que, em finais dos anos 1950, o Supremo Tribunal pôs fim ao Macartismo, embora a sua sombra se estenda até à actualidade.
Desde 1932, antes da fixação de Einstein nos EUA, até à data da sua morte, o FBI organizou um ficheiro que atingiu 1800 páginas. O seu telefone foi posto sob escuta, as suas cartas abertas, o lixo vasculhado. Ainda hoje (2015) o FBI diz que os seus "agentes investigaram a vida do famoso cientista Albert Einstein devido à sua associação com alguns grupos testa-de-ferro dos comunistas e as ligações da sua secretária com a inteligência soviética na Alemanha nos anos 1930". Diga o FBI o que quiser. Einstein, além de ser um genial cientista, limitou-se a praticar o seu próprio programa: desenvolver um alto "sentido de responsabilidade pelos outros homens, em lugar da glorificação do poder e do sucesso na nossa sociedade actual". A citação que finaliza este artigo foi retirada do texto de Albert Einstein "Porquê o Socialismo?", saído no primeiro número da Monthly Review, de Maio de 1949, do qual O Militante publica um excerto assinalando o centenário da Teoria da Relatividade Geral [NR] .
[NR] O texto integral encontra-se em resistir.info/mreview/porque_o_socialismo.html Do mesmo autor em resistir.info: [*] Do Grupo de Física-Matemática (GFMUL) e Departamento de Matemática (DMFCUL) da Universidade de Lisboa. O original encontra-se em O Militante , nº 339, Nov-Dez/2015. Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . |
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