terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Carlos Lopes Pereira / Novas intervenções dos EUA em África

Novas intervenções dos EUA em África

Carlos Lopes Pereira*
24.Jan.16 :: Colaboradores
A agenda de intervenção militar norte-americana em África para os próximos cinco anos repete a fórmula terrorista de sempre: primeiro invade-se para implantar o caos, depois volta-se a invadir para renovar o caos criado pela invasão anterior.


Os Estados Unidos estão a planear novas intervenções militares em África, a pretexto das «crescentes ameaças» de terrorismo no continente.
O Africom, o comando militar norte-americano para África, com sede na Alemanha, elaborou um «plano de campanha» de cinco anos, apontando as prioridades no teatro de operações africano.
A primeira é «neutralizar o grupo terrorista» Al-Shabab, na Somália, e transferir para a missão da União Africana (Amisom) a responsabilidade de o combater. Especialistas norte-americanos treinam, equipam e abastecem as tropas da Amisom, enviadas pelo Quénia, Etiópia e Uganda, cujos governos são amigos firmes de Washington. Deste modo, os EUA garantem uma forte presença militar no Leste de África.
Outra prioridade do Africom é o «Estado falhado da Líbia», visando conter a «instabilidade» no país – que, como bem se sabe, foi provocada pela bárbara agressão da NATO em 2011.
Uma terceira linha de acção visa conter o Boko Haram na África Ocidental. O bando actua na Nigéria, mas também nos Camarões, no Níger e no Chade. Não por acaso, os EUA têm tropas nos Camarões e uma base de drones no Níger e cooperam com as forças armadas da Nigéria, a primeira economia africana e grande produtor de petróleo.
Em quarto lugar, o Africom vai reforçar o combate contra a pirataria e outras «actividades ilícitas» no Golfo da Guiné e na África Central.
A quinta prioridade do comando militar dos EUA pretende reforçar com os seus parceiros africanos as capacidades locais de manutenção da paz e de assistência em casos de catástrofes.
Os pormenores deste plano quinquenal contra «grupos terroristas» não foram revelados por qualquer revista africana ou jornal progressista europeu, mas pelo próprio Africom, no seu website.
Líbia e Burkina
Os EUA têm a sua grande base militar africana em Camp Lemonnier, no Djibuti, na zona estratégica do Corno de África. Mas o Africom confirma que dispõe no continente de 15 outras «bases não activas», que são utilizadas só em casos de emergência. Essas bases, como por exemplo a de Dakar, no Senegal – activada em 2015, durante a epidemia de ébola na África Ocidental –, permitem também intervenções para «proteger vidas e bens» de americanos.
É importante realçar a coincidência entre o incremento da intervenção militar dos EUA em África e o recente aumento do número de acções violentas de grupos jihadistas, quer associados à Al-Qaida quer ligados ao chamado Estado Islâmico.
Esta conexão é tanto mais interessante quanto é certo que há muito que os EUA e aliados seus (como a Arábia Saudita e o Qatar) são acusados de criar, financiar e armar bandos terroristas que invocam o Islão para combater os «cruzados ocidentais» – do Afeganistão à Síria passando pelo Iraque e, em África, da Líbia à Somália passando pela Nigéria e pelos países do Sahel.
Dois exemplos recentes ilustram esta convergência entre a ingerência imperialista e o «terrorismo islâmico» em África.
Na semana passada, um ataque terrorista a um hotel de luxo em Uagadugu, a capital do Burkina Faso, com tomada de reféns, causou 30 mortos e dezenas de feridos, entre os quais estrangeiros. A resposta das forças de segurança burkinesas foi tardia e desorganizada, tendo sido chamadas tropas especiais francesas e norte-americanas, estacionadas no país, a intervir. Nada de surpreendente: no vizinho Mali, a França, sobretudo, e os EUA, dispõem de um forte contingente militar, com milhares de soldados, alegadamente de protecção dos países do Sahel – além do Mali, a Mauritânia, o Níger, o Chade –, antigas colónias francesas cujos governos, hoje, são fiéis aliados de Paris, com grandes interesses económicos na zona.
Mais grave ainda é o caso da Líbia, onde o imperialismo prepara nova intervenção «humanitária», a pretexto de defender as populações dos bandos armados ligados ao Estado Islâmico, mas na verdade com o objectivo de «ocupar as zonas costeiras económica e estrategicamente mais importantes».
O jornal italiano Il Manifesto, citando o britânico Daily Mirror, denuncia que está a ser planeada uma operação de tropas ocidentais, apoiadas por meios aéreos e navais – dos EUA, Grã-Bretanha, França e Itália –, para travar os extremistas islâmicos que se apoderaram de uma dúzia dos maiores campos petrolíferos líbios e que se preparam, a partir do bastião de Sirte, para avançar sobre a refinaria de Marsa el-Brega, a maior do Norte de África.
De acordo com Il Manifesto, nesta nova intervenção militar na Líbia o Africom teria um papel importante a desempenhar, tal como aconteceu na primeira fase da agressão de 2011, antes de ser substituído pela NATO, também sob o comando dos EUA.

* Jornalista

Este texto foi publicado em Avante nº 2199 de 21 de Janeiro de 2016.
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