quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

A exploração de Minas cavou a tragédia em Mariana



A exploração de Minas cavou a tragédia em Mariana

Dos túneis cavados por escravos ao processo nebuloso de privatização da Vale, muitos capítulos levaram à destruição do Meio Ambiente


O que sobrou da escola municipal de Bento Rodrigues
No final do século XVII, teve início a extração aurífera nas terras de Minas, nova fronteira da colonização portuguesa, aberta por sertanistas vindos da região de São Paulo. Logo nos primeiros anos do século seguinte, foi introduzida a técnica utilizada pelos espanhóis para extração do ouro nas encostas dos morros, através da escavação subterrânea.
O resultado obtido mostrou-se muito mais rentável do que a lavagem de ouro nos rios, levando ao enriquecimento dos bandeirantes que adquiriram terras na região. Multiplicaram-se, assim, os túneis para escavação do ouro e também os sarilhos, buracos verticais, que possibilitam tanto a entrada de ar para os trabalhadores como a retirada do ouro por baldes e cordas.

Leia sugestão de atividade baseada neste artigo:
Ano do Ciclo: 6º a 7º anos do Ensino Fundamental
Área Envolvida: História
Possibilidade interdisciplinar: Língua Portuguesa, Geografia
Tempo de Duração: 5 a 8 aulas
Objetivo de aprendizagem: identificar permanências e descontinuidades no processo de constituição histórica da mineração em Minas Gerais, favorecendo a abordagem crítica desse processo.
Tais minas e poços foram escavados por milhares de escravos e mineiros pobres, que labutavam enquanto houvesse luz do sol, sob o risco constante de desabamentos. De seus esforços, subsistem ainda hoje centenas de quilômetros de túneis, ainda não totalmente mapeados.
Com a exploração das jazidas, grandes contingentes populacionais rumaram para a atual região mineira, dando origens a centros urbanos como Vila Rica (atual Ouro Preto) e Vila de Nossa Senhora do Ribeiro Carmo (Mariana). Diversos arraiais também surgiram em suas proximidades, como o de Camargos, situado à margem direita do rio Gualaxo do Norte, onde o bandeirante Bento Rodrigues havia extraído algum ouro.
Três séculos depois, mais especificamente em 2009, o então subdistrito de Bento Rodrigues – daí a referência ao nome da localidade – veio a ser assim descrito pelos então licenciandos do curso de História da UFOP, Eduardo Gerber Júnior e Mamede Queiroz Dias: “Bento Rodrigues é uma pequena comunidade; na região onde se encontra a escola também se localizam uma pequena capela, algumas mercearias e o restante de casas”.
Os impactos ambientes trazidos pela ocupação desordenada decorrente da mineração rapidamente foram sentidos. Ainda na primeira metade do século XVIII, a região já enfrentava problemas vinculados ao assoreamento dos rios, devido à quantidade de refugo da mineração lançado nos mananciais.
Observe-se que desde essa época a atividade mineradora empregava muita água, a fim de proceder à separação entre o ouro e os resíduos minerais considerados indesejáveis. Havia ainda a erosão causada pelo descampo de serras e morros. Simultaneamente, as reservas naturais de ouro começaram a diminuir, com o ouro dando mostras de esgotamento, o que levou ao abandono de muitas residências e lavras, enquanto grande parte das terras para plantio permanecia devoluta.
Entretanto, novas tentativas de exploração mineral não deixavam de ser promovidas, contando com financiamento do capital estrangeiro, sobretudo inglês. Assim, por exemplo, em 1814, a empresa Geological Royal Society Corwall passou a atuar em Mariana com emprego de maquinário, pois os veios auríferos estavam cada vez mais profundos.
Em 1819, o germânico Von Eschwege, em conjunto com seus sócios ingleses, comprou duas minas na região, mas em 1859 sua firma foi revendida para o inglês Thomas Bawden, que repassou-a em 1863 a Thomas Treolar, representante da Anglo Brazilian Gold Mining Company Limited. Em 1927, toda essa propriedade foi negociada pelo último diretor inglês, Sir Arthur Ben Susan.
Outras mudanças significativas no processo histórico da mineração em Minas processaram-se na década de 1930, na transposição da macro-extração para o ferro e outros metais, como a bauxita e o manganês. Na ocasião, este estado atingiu a produção de 90% do ferro-gusa do país, 60% do aço e 50 % dos laminados.


Rio Doce após rompimento de barragem
Rio Doce tomado pela lama da barragem rompida

A chegada de Getúlio Vargas ao poder, com seu programa nacionalista, levou então as empresas estrangeiras a associarem-se a industriais brasileiros. Dessa maneira, por exemplo, a firma a Itabira Iron, que explorava o ferro na cidade de Itabira, teve sua denominação alterada para Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia e a Companhia Itabira de Mineração.
Mas no decorrer da Segunda Guerra Mundial, o governo brasileiro expropriou essas duas companhias, face ao interesse estatal na demanda de ferro para a indústria bélica dos aliados. Assim, em 2 de junho de 1942, foi firmada parceria entre Washington, Londres e Brasil, criando-se a Companhia Vale do Rio Doce.
Efetivamente, uma nova área de dinamização econômica consolidou-se em torno da década de 1960 no chamado “Vale do Aço”, segunda aglomeração urbana de Minas Gerais, estruturada em torno de duas grandes siderúrgicas, Acesita e Usiminas. Já durante o período da ditadura militar (1964-1985), houve apoio governamental a empresas de capital estrangeiro que viessem atuar na extração do ferro em Minas, com destaque à Samarco, fundada em 1977 e controlada por dois acionistas: a Vale S.A. e o grupo australiano BHP Biliton.
Em 1997, no governo Fernando Henrique Cardoso, a Vale foi privatizada, em processo que até hoje suscita grandes questionamentos.
Se a vinda das mineradoras para as terras de Minas propiciou um inegável incremento do número de empregos e do poder aquisitivo da população da região, a atividade dessas empresas foi também responsável por vários acidentes nas últimas décadas, como nuvens de poeira trazida pelos fortes ventos, como descrito pela professora Maria Helena: “terrível, a casa está toda preta de minério fino, que veio de lá, da barragem da Vale. Todas as casas… A rua… As plantas, tudo, uma coisa horrorosa”.
Agenor Guilherme Magalhães, presidente da associação de moradores, já alertava: “A providência mesmo, imediata, que era para ser feita, era uma contenção na barragem, que até agora não foi feita”.
Para consternação geral, no dia 5 de novembro de 2015, a ameaça previamente anunciada tornou-se enorme tragédia, com o rompimento da barragem do “Fundão”, que por sua vez danificou a barragem de Santarém, provocando mortes e perdas bastante sofridas aos moradores de Bento Rodrigues e Paracatu, distritos de Mariana, bem como à cidade de Barra Longa e outros munícipios cujo abastecimento provinha do rio Doce.
Ao mesmo tempo, cenas divulgadas pela mídia apresentavam outras facetas de destruição, com o patrimônio histórico e o meio ambiente soterrados pela lama. Após amplo debate, os professores do curso de História da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) divulgaram carta pública à população, na qual entre outros, é afirmado: “Compreendemos que nossa região foi construída em estreita relação com as atividades mineradoras, desde o período colonial. Contudo, essa atividade tem reproduzido muitas desigualdades.”
A carta continua: “O momento deve ser de reflexão a respeito da maneira como a mineração vem sendo realizada e de debate sobre o futuro da região. Não se trata de ser contra a mineração como atividade econômica, mas sim de pensar e praticar formas verdadeiramente sustentáveis de exploração de nossas riquezas naturais”.
Neste mesmo sentido, muitas comunidades anseiam por uma relação diferenciada com as riquezas ambientais. Uma das propostas que apresentam é a de implementação de atividades voltadas ao turismo histórico e ecológico, pois em função dos vestígios existentes (como os túneis e sarilhos da mineração), algumas áreas são consideradas valiosos sítios arqueológicos.
Visitantes, guiados por jovens com formação apropriada, teriam assim acesso a importantes testemunhos históricos, sonhos e pelejas de muitas gerações: “Ao menos umas 10 galerias deveria limpar, para deixar em condições de ser visitada, aí divulga a comunidade e vai gerando renda e emprego”.
* Virgínia Buarque é professora e Mark Matzner e Kaian Luca Perce Eugênio, licenciandos do curso de História da Universidade Federal de Ouro Preto


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