sábado, 6 de junho de 2015

Carlos Lopes P./EUA e aliados pressionam Burundi*

EUA e aliados pressionam Burundi*

Carlos Lopes Pereira
06.Jun.15 :: Colaboradores
Os EUA e a França actuam em África como novas potências coloniais. Intervêm económica, política e militarmente, ocupam, agridem, roubam recursos e riquezas naturais. E como o fazem em países formalmente independentes, patrocinam, escolhem e excluem dirigentes, e controlam os regimes políticos e os processos eleitorais dessas “democracias”.


Quarenta dias após o deflagrar do movimento contra um terceiro mandato do presidente Pierre Nkurunziza, prosseguem no Burundi as manifestações anti-governamentais.
Em Bujumbura, os manifestantes saíram de novo à rua nos bairros populares – Cibitoke, Musaga, Nyakabiga –, tendo sido reprimidos pela polícia, que disparou tiros para o ar e lançou granadas de gás lacrimogénio. Um dos líderes da rebelião, Pacifique Nininahazwe, prometeu continuar a «resistência não-violenta» e levar a cabo novas «acções de desobediência civil».
Desde o anúncio da recandidatura de Nkurunziza, em finais de Abril, os confrontos entre manifestantes e as autoridades causaram 30 mortos. Num contexto de grande tensão política e de degradação das condições de segurança, falhou uma tentativa de golpe de estado militar, cerca de 70 mil pessoas refugiaram-se nos países vizinhos, a oposição está impedida de fazer campanha, rádios e jornais oposicionistas foram silenciados e a frágil economia do Burundi afunda-se.
A hierarquia da influente Igreja Católica já se pronunciou contra o terceiro mandato de Nkurunziza, alegadamente inconstitucional, e poucos acreditam na realização nos prazos previstos das eleições legislativas, comunais, presidenciais e senatoriais marcadas para este mês e Julho.
Outro revés para as fileiras governamentais: já no início desta semana, dois dos cinco membros da Comissão Eleitoral Nacional Independente demitiram-se e fugiram para o Ruanda. A vice-presidente do organismo, Spes Caritas Ndironkeye, e a responsável das finanças, Illuminata Ndabahagamye, escreveram nas cartas de demissão que a situação política e securitária não garante neste momento a organização serena de eleições.
Ao mesmo tempo, aumentam as pressões internacionais sobre o regime de Bujumbura.
Uma cimeira de dirigentes da África do Leste, no domingo, em Dar-es-Salam, propôs o adiamento das eleições presidenciais, fixadas para 26 de Junho, «pelo menos um mês e meio». Pediu a todas as partes «o fim da violência» e incentivou a criação de condições para o retorno a casa dos refugiados do Burundi nos países vizinhos. Assistiram à reunião os presidentes Jakaya Kikwete, da Tanzânia, Yoweri Museveni, do Uganda, Uhuru Kenyatta, do Quénia, e também Jacob Zuma, da África do Sul, além da dirigente da Comissão da União Africana, Nkosazana Dlamini Zuma. Faltou o líder ruandês, Paul Kagame, considerado uma figura-chave na região. O Burundi fez-se representar pelo ministro dos Negócios Estrangeiros.
Burkina exemplar?
Na esteira de anteriores posições da União Europeia, os Estados Unidos voltaram a pressionar Nkurunziza, entendendo que a sua candidatura a um terceiro mandato ameaça «gravemente» a estabilidade do Burundi. Um comunicado da embaixada norte-americana em Bujumbura considera que a recandidatura viola o Acordo de Arusha, que pôs fim à guerra civil de 1993-2006. «Continuamos a exortar vivamente o presidente Nkurunziza a reconsiderar a sua intenção de conservar o poder em detrimento deste acordo (…) e da estabilidade dificilmente adquirida após uma trágica guerra civil», precisa a nota.
No mesmo estilo imperial, também o presidente da França, François Hollande, falou publicamente sobre a situação no Burundi.
Ao receber em Paris Michel Kafando, presidente de transição do Burkina Faso, o dirigente francês apontou o trajecto democrático deste país como exemplo a seguir no Burundi.
Kafando confirmou a data de 11 de Outubro para as eleições presidenciais e legislativas, seguindo-se em Janeiro de 2016 as municipais. A França vai apoiar a organização deste processo, disponibilizando 3,1 milhões de euros no quadro da sua «ajuda ao desenvolvimento» e para que «as eleições possam ter um caracter incontestável».
No Burkina Faso, em Outubro do ano passado, no seguimento de manifestações que contestavam uma alteração constitucional visando manter no poder Blaise Compaoré, uma insurreição popular obrigou o ditador a demitir-se e a fugir do país, refugiando-se na Costa do Marfim. É esse processo de «transição democrática», que está a decorrer com o apoio da França e de Hollande, que é apontado como exemplar…
É desnecessário lembrar que o mesmo Hollande e os seus antecessores no Eliseu têm levado a cabo, desde há mais de meio século, uma agressiva política neocolonialista em África. E que, no caso do Burkina Faso, Paris apoiou Compaoré – enquanto serviu os interesses da «Françafrique» –, tal como continuará a apoiar outros dirigentes que favoreçam as relações neocoloniais.
*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2166, 4.06.2015
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